Internação Compulsória

25/02/2013. Enviado por

No Rio de Janeiro, a internação compulsória de adultos usuários de crack começou, oficialmente, na madrugada da última terça-feira (19). Esse ato está de acordo com a lei? E quais são os direitos dos usuários?

No Rio de Janeiro, a internação compulsória de adultos usuários de crack começou, oficialmente, na madrugada da última terça-feira (19). Dezenas de pessoas foram retiradas da “cracolândia” da favela Parque União, no Complexo da Maré.
Os usuários encontrados foram levados para um centro de triagem, montado em um abrigo da pre-feitura, onde foram avaliados por equipes da secretaria de saúde e encaminhados para o tratamento adequado.
Para esclarecer essas medidas legais, o MeuAdvogado entrevistou a Dra. Gislaine Barbosa de Toledo, pós-graduada em Direito em Administração Pública e Gestão Pública.

Meu Advogado: A internação compulsória, em caso de dependência química, está prevista em alguma lei?
Dra. Gislaine: Sim a internação compulsória, em caso de dependência química, está prevista na lei federal n.º 10.216, de 06 de abril de 2011, através dos seguintes artigos:
Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circuns-tanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
...

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.


M.A.: Médicos da Organização Mundial da Saúde (OMS) pronunciaram-se contra a internação compulsória, e afirmaram que o Estado deve oferecer assistência médica completa, proteção social, comida e trabalho. Qual a sua opinião, do ponto de vista jurídico? O que diz a lei sobre assistência a pessoas com algum tipo de vício?

Dra. Gislaine: Sobre a questão abordada, sem o trabalho conjunto de assistência médica, proteção social, comida, trabalho e aumento de leitos não existe possibilidade de sucesso nas intervenções de tratamento.

A legislação federal n.º 10.216, de 06 de abril de 2011, que está sendo aplicada, determina através do art. 2.º as seguintes assistências ao internado.

Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familia-res ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

M.A.: Para a viabilização dessas internações compulsórias, o Estado terá alguns parceiros, entre eles o Judiciário. Foram assinados três termos de cooperação técnica:

“um com Tribunal de Justiça de SP para a instalação de um anexo do tribunal no CRATOD, em regime de plantão (9h às 13h, de segunda a sexta-feira), com o objetivo de atender as medidas de urgência relacionadas aos dependentes químicos em hipóteses de internação compulsória ou involuntária, com a presença inclusive de integrantes da Defensoria Pública; outro termo com o Ministério Público, com o objetivo de permitir que promotores permaneçam acompanhando o plantão do Judiciário. E um terceiro, com a OAB, para que a entidade coloque, de forma gratuita e voluntária, profissionais para fazer o atendimento e os pedidos nos casos necessários”.
(www.saopaulo.sp.gov.br). O que muda com essa parceria entre Estado e Judiciário?

Dra. Gislaine: A mudança visa tornar os trâmites do processo de internação compulsória mais ágil.
O que está ocorrendo, nada mais é do que a aplicação da lei, visando salvaguardar as pessoas que não possuem recursos para internações em clínicas particulares e que perderam totalmente os laços com suas famílias, busca-se, portanto, o retorno da dignidade humana destas pessoas.


M.A.: Em casos isolados, quando o dependente reage à internação e causa danos à terceiros, ele poderá ser responsabilizado, ou será tratado como um caso especial?

Dra. Gislaine: Para uma responsabilização detalhada, é necessário a verificação caso a caso, além do laudo médico que demonstre o discernimento reduzido no caso contínuo o uso de drogas.
Os dependentes químicos de acordo com o tipo de entorpecente e respectiva continuidade podem perder por completo a sua capacidade de discernimento não conseguindo inclusive exprimir sua vontade e por consequência podem ser considerados incapazes (art. 4.º inciso II do Código Civil), diante disto é necessária a comprovação da redução de sua dependência no momento da ocorrência do ato, pois dependendo do caso pode ser responsabilizado ou tratados como um caso especial.

M.A.: E com relação aos direitos humanos, qual o limiar previsto em lei sobre o que pode ser considerado legal, e o que fere o direito do internado?

Dra. Gislaine: Referente a esta questão a polêmica é grande, pois alega-se que com a internação compulsória restringe-se um dos direitos da personalidade - o direito da liberdade de ir e vir.
Inclusive o direito de liberdade está amparado nos seguintes artigos da Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
...

III - a dignidade da pessoa humana.

...

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
...

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
...

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade;
...

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Além disto, muitos segmentos alegam que a referida medida pode ser considerada como cárcere privado.

Ocorre que o bem maior em discussão neste caso é a vida, portanto o direito da personalidade.

Existindo conflito entre os dois, deve-se sempre balizar pelo direito à vida.

Logicamente para que ocorra uma internação compulsória é necessário um parecer médico com a recomendação de internação, um devido processo legal com direito de defesa, além das condições para prestação do serviço de internação conforme determinado na lei.

 

 

Assuntos: Criminal, Direito Penal, Direito processual penal, Drogas, Internação

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