Fundamentos do Direito das Relações de Consumo (Resenha)

27/07/2012. Enviado por

Resenha crítica à 3ª Edição da obra "Fundamentos do Direito das Relações de Consumo", do prof. Antônio Carlos Efing, publicada pela Juruá Editora

Introdução

A obra do prof. Antônio Carlos Efing, em sua 3ª edição, percorre ao longo de seus 12 capítulos o universo das relações de consumo, oferecendo ao leitor a descrição de institutos jurídicos de forma didática e encadeada.

No primeiro capítulo são apresentados os elementos históricos que compõem o direito do consumidor, sedimentando de forma consistente o leitor para o capítulo seguinte, quando aborda quem são os sujeitos e objetos da relação de consumo.

Na terceira etapa, o autor aborda a política e sistema nacional das relações de consumo, costurando de forma eficiente os princípios basilares do Direito do Consumidor no universo dos direitos básicos, conforme previstos no CDC.

O quarto capítulo foi destinado à apreciação do relacionamento do consumidor com o meio ambiente, abordando o universo do consumo sustentável a partir da percepção sobre as formas de consumo consciente.

No tópico seguinte, o enfoque é dado à tutela administrativa, percorrendo desde o poder estatal de normatização e fiscalização até a sua função para aplicação de sanções administrativas. Avança no estudo da matéria apresentando as principais leis que se complementam ao CDC, no que tange a proteção administrativa.

Os capítulos seis e sete se destinam ao exame da responsabilidade civil envolvendo as relações de consumo, permeando o universo da qualidade, segurança, vícios, acidentes de consumo, solidariedade, prescrição e decadência.

Complementam-se aos temas anteriores os capítulos oito e nove, onde são detalhados os temas das práticas comerciais e a proteção contratual, tal qual aquelas específicas do direito do consumidor.

Caminhando para a parte final da obra, o autor analisa nos três últimos capítulos do livro a atuação do Ministério Público, a defesa do consumidor em juízo e o tutela penal do consumidor.

Análise da Obra

Fundamentos Constitucionais

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, apesar de receber proteção do Estado, o consumidor não tinha deste uma efetiva tutela de seus direitos. Somente após a entrada em vigor da CRFB/1988 é que tivemos o devido suporte para que a situações de desequilíbrio e desigualdade nas relações de consumo pudessem ter a correta intervenção Estatal.

Isso foi possível em razão do constituinte ter introduzido o tríplice mandamento constitucional de tutela ao consumidor na nova Carta Magna, que então surgia. Ficou estabelecido no texto da CRFB/1988, em seu art. 5º, inciso XXXII, dentro do rol de direitos fundamentais do cidadão, que o Estado deve promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. No capítulo destinado aos princípios gerais da atividade econômica, objetivando assegurar a dignidade humana e justiça social, conferiu a defesa do consumidor no rol de princípios tutelados pelo Estado, conforme listado no art. 170, inciso V. Por fim, o constituinte determinou no art. 48 da ADCT, que o Congresso Nacional elaborasse o CDC.

Além do tríplice ordenamento constitucional, o constituinte de 1988 ainda introduziu outros dispositivos que permeiam o campo do direito do consumidor, como se pode observar no art. 24, onde se estabelece o campo de atuação de legislação concorrente entre União, Estados e o Distrito Federal. Também no campo tributário, a nossa carta magna indica que os consumidores possuem o direito, através de leis complementares, a ter o devido esclarecimento sobre os impostos incidentes sobre mercadorias e serviços (art.150, § 5º).

A Lei 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor – CDC foi promulgado em setembro de 1990 e entrou em vigor em março do ano seguinte. Foi constituído com a natureza de norma de Ordem Pública, Cogente e Interesse Social, que na visão da Profª. Maria Helena Diniz vincula o destinatário a um único esquema de conduta. O Profº. Paulo Dourado de Gusmão também afirma que a natureza cogente constitui um limite à autonomia de vontade, portanto, o CDC é uma norma inderrogável pelas partes.

O CDC é um microssistema jurídico, tendo em seu conteúdo disposições de natureza civil, administrativa, penal e processual. Trata-se de um sistema preventivo e fundamentalmente coletivo. No entanto, como ensina a Profª. Claudia Lima Marques, o CDC mantém diálogo com demais fontes, principalmente com o CC/2002, onde atuam de forma harmônica para que a tutela do consumidor seja efetivamente alcançada. Esta harmonia é obtida pelas vias do diálogo sistemático e coerente, complementariedade e adaptação sistémica.

Relação Jurídica de Consumo

A relação jurídica de consumo é configurada pela formação de três elementos: consumidor; fornecedor; produto / serviço – que na lição do Profº. José Geraldo Brito Filomeno é constituída por dois polos de interesse, que são os sujeitos (consumidor e fornecedor) unidos pelo objeto desse interesse (produto ou serviço).

Consumidor

O consumidor tutelado pelo CDC é aquele que é o destinatário final, ou seja, para quem o objeto da relação cumpre o seu papel, encerrando a cadeia produtiva, porém, se levando em consideração o ponto de vista econômico e sociológico. Este pode ser pessoa natural ou pessoa jurídica.

O CDC determina quatro espécies de consumidor: padrão ou standard; coletividade de pessoas; vítima do acidente de consumo; pessoas expostas às práticas comerciais – estando estes definidos no art. 2º, art. 2º, § único, art. 17 e art. 29, respectivamente.

O que traz mais polêmica a definição de consumidor tutelado pelo CDC é a interpretação do termo destinatário final, conforme dito ao fim do art. 2º, que conceitua o consumidor padrão.

Segundo a Prof.ª Claudia Lima Marques existe duas correntes doutrinárias, para interpretar este termo, sendo conhecidas por teoria finalista e maximalista.

Os defensores da corrente finalista fazem uma interpretação mais restritiva, entendendo que a retirada do produto ou serviço da cadeia econômica deve se operar de modo integral. Caso não ocorra desta forma, o sujeito da relação não pode ser definido como consumidor e, portanto, não deve ser tutelado pelo CDC. 

Já os patronos da corrente maximalista interpretam que o CDC seria uma regra geral para a sociedade de consumo, devendo o destinatário final ser interpretado de forma ampliada, sendo este considerado o destinatário fático.

Ao longo de diversos julgados que versavam sobre as divergências entre as duas correntes, o Superior Tribunal de Justiça – STJ observou que na corrente finalista há excessivo rigor restritivo, retirando do universo dos consumidores uma quantidade muito grande de sujeitos, que se mantinham vulneráveis, apesar de se verificar que mesmo fazendo a destinação final do produto ou serviço, não havia a exclusão integral destes da cadeia econômica, contrapondo-se com a corrente maximalista, que insere no rol de proteção uma série de indivíduos, que teoricamente não deveriam receber a tutela com o caráter protetivo dos princípios do direito do consumidor, principalmente pelo fato que o CDC é fruto de mandamento constitucional, que confere como dever estatal a proteção do consumidor, não se prestando este a regular as relações de consumo, mas sim, promover a defesa do consumidor.

Abandonando as interpretações extremas, notou-se que o ponto de equilíbrio almejado seria identificar quem são os indivíduos que trazem a característica de ser o destinatário final do produto ou serviço, porém, ainda assim podendo de forma indireta reintroduzir o resultado da fruição do produto ou serviço em um novo ciclo econômico, desde que este sujeito não perdesse frente ao fornecedor a sua característica de vulnerabilidade.

Depois de reiterados julgados pelo STJ com essa visão, acabou por perceber que muitas pessoas jurídicas e profissionais liberais ou autônomos ficavam no centro das discussões entre as duas correntes. Isso fez surgir uma terceira corrente, a qual foi denominada de finalismo mitigado ou finalismo aprofundado, que primou pela interpretação sob o ponto de vista dos preceitos constitucionais fundados na ordem econômica, onde o constituinte estabelece a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, desde que atendendo a certos princípios, dentre eles a defesa do consumidor.

Dentro do finalismo mitigado podemos entender que, por exemplo, um advogado que adquire uma impressora para utilização em seu escritório profissional continua sendo um consumidor, apesar de fruir indiretamente do equipamento dentro da sua cadeia econômica e produtiva, pois esse produto não faz parte da sua atividade fim, sendo um meio para a execução de suas tarefas, associado ao fato de manter-se vulnerável diante do fornecedor.

A vulnerabilidade é fator preponderante, não podendo ser afastada em hipótese alguma. Esse desequilíbrio na relação entre o consumidor e o fornecedor pode ser de ordem: técnica; econômica; jurídica; informacional. 

O Profº. Antônio Carlos Efing, autor da obra analisada, se coloca como defensor da corrente maximalista. Em diferente sentido, penso, que a teoria mais adequada aos tempos atuais é a teoria do finalismo mitigado.

Fornecedor

A definição de fornecedor está inserida no art. 3º do CDC, tendo o legislador optado por uma máxima abrangência ao conceito, indicando que a característica de exercício habitual, indicativo de caráter de profissionalidade, é determinante para estabelecer a figura do fornecedor, sujeito da relação de consumo.

O CDC não vinculou a remuneração como requisito para a caracterização do fornecedor, podendo ser assim classificado, mesmo que esteja fornecendo produtos ou serviços de forma não onerosa.

Existem espécies distintas de fornecedor. Ele é denominado real quando desenvolve ou fabrica o objeto da relação de consumo (produto ou serviço). Será chamado de fornecedor aparente quando emprestar o seu nome ao produto desenvolvido por terceiros, prática muito comum hoje em dia nos grandes varejistas supermercadistas, que oferecem em suas gôndolas produtos de marcas próprias, sem que tenham efetivamente produzidos os mesmos. O fornecedor será presumido quando houver a figura do importador e comerciante de produtos anônimos, assumindo a responsabilidade por estes frente aos consumidores.

Produto e Serviço

O legislador deu um amplo grau de abrangência ao conceito de produto, definindo-o genericamente como qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial.

Também assim o fez para definir serviço, quando indicou que qualquer atividade fornecida no mercado de consumo assume o conceito de serviço. Complementou dizendo que há a necessidade de remuneração, porém, sendo admitida a onerosidade indireta, em razão de vantagem auferida pelo fornecedor no momento da prestação do serviço.  Taxativamente o CDC inclui no rol de serviços as atividades que possuem natureza bancária, financeira, crédito e securitária, tendo sida ratificada essa posição pela ADIn nº 2.591, em razão do dispositivo do CDC, neste tocante, ter tido sua constitucionalidade questionada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro.

Os serviços públicos também são considerados atividades sujeitas à tutela do CDC.

Princípios

O direito do consumidor impõe ao interprete a habilidade para trabalhar em um sistema principiológico. O CDC expressa em seu texto este conceito, tendo introduzido os princípios da vulnerabilidade, informação, confiança, garantia de qualidade, segurança, prestabilidade e adequação, dever estatal, acesso à justiça, boa-fé e reparação como elementos norteadores da Política Nacional de Relações de Consumo.

Direitos Básicos

O art. 6º do CDC elenca os direitos básicos do consumidor, através dos seguintes incisos:

        I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

        II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

        III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

        IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

        V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

        VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

        VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

        VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

        IX - (Vetado)

        X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Um ponto a se destacar é a questão da hipossuficiência, que não deve ser confundida com a vulnerabilidade. Todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente. A hipossuficiência é uma característica daquele que se encontra com a vulnerabilidade extremada, em razão de suas condições econômicas, técnicas, culturais e financeiras. Um exemplo de consumidor hipossuficiente são as crianças, inclusive por assim estarem definidas no ECA.

Consumo e Meio Ambiente

O consumo desordenado provoca muitas mazelas para a sociedade, interferindo de forma muita agressiva no equilíbrio entre a produção de riqueza e a capacidade do meio ambiente em gerenciar resíduos gerados pelo consumo.

Desenvolvimento sustentável e consumo consciente são conceitos interdependentes. A visão individualista deve ser colocada em segundo plano pelos consumidores, que precisam assumir um olhar crítico sobre seus hábitos de consumo em prol de toda a sociedade.

Tutela Administrativa

Como dito anteriormente, o CDC é um microssistema jurídico, tendo nele sido introduzida matéria para realizar a tutela administrativa do consumidor. Os dispositivos compreendidos entre os artigos 55 e 60 se incumbem de regular a atuação do poder público.

O CDC atribuiu a União, Estados, Distrito Federal e aos Municípios o dever de fiscalização e controle da produção, industrialização, publicidade e mercado de consumo, visando à preservação da vida, da segurança, da informação e do bem estar do consumidor. Essa atuação estatal se dá através da edição de normas que se fizerem necessárias para o fiel cumprimento da proteção do consumidor.

Qualidade

O art. 170 da CRFB/1988 insere a livre iniciativa na ordem econômica. Desta forma, o constituinte disse que o empreendedor possui prerrogativa constitucional para se arriscar no mercado, portanto a sua a livre iniciativa está sujeita ao sucesso, mas também ao fracasso. Compete ao empresário gerir os seus riscos, sendo assim responsável pelos danos que vier a provocar no exercício de sua atividade econômica. Trata-se da Teoria do Risco da Atividade, que consolida o sistema legal brasileiro de proteção ao consumidor, gerando uma justiça distributiva, onde os custos para garantir a qualidade são gerenciados pelo fornecedor, porém, repartidos entre todos os consumidores.

Uma vez havendo defeito no produto ou serviço, este fica classificado sob dois aspectos: vício ou fato.

O vício ocorre quando há interferência na utilização do produto ou serviço, deixando estes de funcionar como esperado. O vício é um defeito de menor proporção, ficando restrito ao produto ou serviço, tornando-os impróprios ou inadequados para o consumo. Está relacionado à qualidade de adequação. Por exemplo: um liquidificador é colocado na tomada e ao apertar o botão de ligar ele não funciona. O vício do produto está inserido no art. 18 do CDC e o vício do serviço no art. 20 do CDC.

O fato é um defeito de maior gravidade, pois ele extrapola o produto ou serviço. O fato interfere na garantia pela incolumidade físico-psíquica e incolumidade econômica do consumidor. Por exemplo: um liquidificador é colocado na tomada e ao apertar o botão de ligar ele gira em rotação desproporcional vindo a quebrar o copo do aparelho e ferindo a pessoa que estiver utilizando o produto. O fato do produto está inserido no art. 12 do CDC e o vício do serviço no art. 14 do CDC.

Sistema da Responsabilidade Civil no CDC

O sistema da responsabilidade civil inserido no CDC é o da responsabilidade objetiva, portanto, não há que se apurar a culpa do fornecedor, verificando-se apenas se existiu o ato considerado ilícito, dano e o nexo de causalidade entre os dois primeiros.  No entanto, existe uma exceção no art. 14, §4º, do CDC, onde é conferida a responsabilidade subjetiva aos profissionais liberais.

O sistema da responsabilidade objetiva do CDC está fundado em três pilares: normas de caráter constitucional; normas gerais e específicas de direito; princípios e direitos básicos.

As normas constitucionais fundam-se no art. 170 da CRFB/1988, pelas mesmas razões expostas anteriormente, quando se abordou no tópico da qualidade dos produtos e serviços.

 Quanto às normas gerais e específicas de direito, o CDC, em seus artigos 12 e 14, cita expressamente que não se há que verificar a culpa em razão do fato do produto e serviço. Nos artigos 18 e 20, que tratam do vício do produto e do serviço, respectivamente, não há essa definição expressa, mas utilizando da prerrogativa do
art. 7º do CDC, que autoriza o diálogo das fontes, combinamos a este os artigos 927,
§ Único, do CC/2002, que afasta a apuração da culpa nos casos onde a atividade desenvolvida pelo autor representa risco a terceiros (Teoria do Risco do Empreendimento), e o Art. 931, do CC/2002, que determina a inexistência de apuração de culpa aos empresários individuais e empresas que provoquem danos em razão dos seus produtos colocados em circulação.

Dentre os princípios, o CDC introduziu na Política Nacional de Relações de Consumo a garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho (Art. 4º, II, “d”), bem como, dentro dos direitos básicos do consumidor, a determinação para que seja efetivada proteção à vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos, como também a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (Art. 6º, I e IV), regras principiológicas incompatíveis com a responsabilidade subjetiva e mais uma vez atrelada ao risco do empreendimento.

A responsabilidade civil no Direito do Consumidor também é orientada pela solidariedade, como mecanismo para garantir que o consumidor seja ressarcido dos danos ocorridos em uma relação jurídica de consumo. O art. 7º, § Único, o art. 25, §1º e o art. 12 garantem o instituto da solidariedade no CDC.

A solidariedade não minimiza o risco do real ofensor, pois é garantindo para aquele que assumiu a indenização frente ao consumidor, o direito de regresso contra aquele que deu causa efetiva ao dano. Esta mecânica garante que o consumidor não seja envolvido na apuração de responsabilidade entre todos os participantes da cadeia de fornecimento, dando assim efetividade a sua tutela.

Decadência e Prescrição

A proximidade entre os institutos da decadência e prescrição traz diversas controvérsias com relação à diferenciação entre eles. No CDC, eles estão elencados nos artigos 26 e 27.

O caput do art. 26 determina os prazos para a reclamação dos vícios aparentes. Eles são de trinta dias, quando se tratar de produto ou serviço não durável, e de noventa dias, quando o produto ou serviço for considerado durável. Estes prazos não devem ser confundidos com os prazos de garantia. São prazos para exercer o direito de reclamação.

Defende o Profº. Antônio Carlos Efing que termo “caduca” não está associado à decadência, mas a extinção do direito em razão do exercício deste, ou na falta dele, o marco para que o consumidor ingresse com a ação judicial cabível. Outra parte da doutrina entende que os prazos servem para marcar o termo final ao direito potestativo do consumidor em reclamar os danos suportados, em razão do vício do produto ou do serviço, sendo assim, prazos decadenciais. Com propriedade, o Profº. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin nos ensina que os prazos indicados no art. 26 não se constituem para o ajuizamento da ação, mas aos prazos para que o consumidor proceda à reclamação extrajudicial, de forma que o fornecedor possa reparar os vícios, cessando o ato injusto pelo qual o consumidor está absorvendo.

O parágrafo primeiro do referido artigo indica o termo inicial para a contagem dos prazos, advertindo que ele será contado a partir da efetiva entrega do produto ou do término da execução do serviço. A simples leitura deste dispositivo legal deixa claro que o momento da contagem dos prazos não levará em consideração a data em que foi celebrado o negócio jurídico. Ao contrário, o termo se inicia quando da conclusão efetiva da entrega do objeto.

O que vem reforçar o espírito decadencial do art. 26 é o seu parágrafo segundo, visto que lá há a indicação das hipóteses que obstam a decadência, sendo elas a reclamação comprovada e o inquérito civil.

Sobre os vícios ocultos, o art. 26, § 3º, determina que o prazo para a contagem dos prazos decadenciais começa a correr a partir do momento que se evidenciem, seguindo então a sistemática dos vícios aparentes.

Com relação à prescrição prevista no CDC, ela se encontra elencada no art. 27, que atribui o prazo de cinco anos para as ocorrências que envolvam o fato do produto ou do serviço.

Práticas Comerciais

Conforme leciona o Profº. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, as práticas comerciais são os meios adotados pelos fornecedores para garantir que seus produtos e serviços cumpram o seu papel perante o seu destinatário final.

Elas operam através da oferta e publicidade. Compreendem as atividades da oferta todas as técnicas de marketing. Apesar de a publicidade ser uma técnica de marketing, que simboliza o conjunto de mensagens, o legislador optou por dar tratamento específico, a fim de garantir maior recurso de proteção ao consumidor, estabelecendo princípios norteadores para a publicidade, sendo estes: a) identificação (art. 36, caput); b) vinculação contratual (arts. 30 e 35); c) veracidade (art. 37, §1º);     d) não abusividade (art. 37, §2º); e) princípio do ônus da prova (art. 38); f) correção do desvio publicitário (art. 56, XII); g) regulamentação penal (art. 67, 68 e 69).

A veiculação de informação ou publicidade obriga o fornecedor a contratar nos exatos termos propostos, integrando o contrato firmado com o consumidor, como se lá estivesse escrito, sendo estes termos irrevogáveis, irretratáveis e irrenunciáveis.

O CDC determina ainda que a oferta e apresentação dos produtos sejam corretas, claras, precisas e estejam veiculadas em idioma português (art. 31), garantindo assim o fiel cumprimento do principio da informação.

A publicidade que induz o consumidor ao erro, levando-o a adquirir um produto ou serviço indesejado, é considerada enganosa, sendo esta vedada expressamente pelo art. 37 do CDC, não havendo que se apurar se houve ou não dolo ou culpa do fornecedor.

Práticas Abusivas

A fonte do Direito do Consumidor é o reconhecimento da vulnerabilidade deste na sociedade de consumo. Todas as hipóteses que agravam o desequilíbrio entre fornecedor e consumidor representam uma prática abusiva.

As práticas abusivas são comportamentos do fornecedor que abusam da boa fé ou situação de inferioridade econômica e técnica do consumidor. O art. 39 apresenta o rol exemplificativo de práticas abusivas, podendo a estes se inserirem outras que abusem do direito ou violem práticas comuns.

Proteção Contratual

O Direito do Consumidor inovou a incorporar os princípios da função social do contrato a tutela do consumidor. Com o advento do CDC, os interesses do consumidor também passaram a ser observados nos contratos de consumo, perdendo o fornecedor a exclusividade de garantias que o instrumento proporciona.

A função social do contrato atua como legítima expectativa entre fornecedores e consumidores, operando de forma harmônica com os valores da pessoa humana e interesses da sociedade. Trata-se de mecanismo para dar efetividade ao equilíbrio social.

A proteção contratual também visa sanar possíveis abusos, que possam se operar através dos contratos de consumo. O CDC instituiu no art. 51 o rol de práticas consideradas abusivas, que uma vez escritas em contrato, são consideradas nulas de pleno direito, como se lá não estivessem, operando a nulidade somente sobre elas, sem inviabilizar as demais cláusulas do contrato. São aplicáveis, principalmente, aos contratos de adesão, modelo este oriundo da massificação das relações de consumo.

Sistemas de Garantias

O CDC prevê duas modalidades de garantia: legal e contratual.

A garantia legal é aquela expressa no CDC em seu art. 24, independe de termo expresso do fornecedor, sendo vedada qualquer cláusula de exoneração. Portanto, todo fornecedor está obrigado a dar garantia de adequação para os produtos e serviços colocados no mercado de consumo. Esta determinação cumpre com os princípios estipulados pela Política Nacional de Relações de Consumo, e visa conferir a segurança de funcionamento e qualidade do produto ou serviço, afastando os riscos que possam atingir a incolumidade física, psíquica e patrimonial do consumidor.

Complementar a garantia legal é a garantia contratual, que consiste em liberalidade do fornecedor em estipular prazo adicional ao legalmente constituído, para o consumidor reclamar sobre as inconformidades (vícios) do produto ou serviço. A garantia contratual é modalidade de segurança que se exige termo escrito, conforme previsto no art. 50 do CDC. O termo de garantia deve ser padronizado, indicar o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, acompanhando ainda do manual de instrução.

Observa-se que o art. 24, que disciplina a garantia legal, não informa  o prazo legal para que o fornecedor esteja vinculado a garantia de adequação e qualidade do produto ou serviço. Interpreta-se que os prazos são os determinados no art. 26, que tratam a prescrição e decadência, uma vez que os artigos compreendidos entre o art. 12 e o art. 27 disciplinam integralmente qualidade, prevenção e reparação.

No entanto, dentro da Teoria da Qualidade, defendida pelo Profº. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, o prazo da garantia está atrelado à adequação do produto ou serviço, que deve ser de boa qualidade e ausente de vícios que os tornem impróprios ou diminuam o valor, independente de prazos prefixados, devendo se adotar o critério da vida útil do produto ou serviço para determinar o prazo pelo qual o fornecedor deve manter-se fiel garantidor, conforme lição do Profº. Leonardo Roscoe Bessa. De acordo com ensinamento da Profª. Claudia Lima Marques, não se trata de eternizar a garantia, pois esta se vincula ao critério razoável de durabilidade do produto, não se atribuindo garantia por toda existência e nem se desvinculando das hipóteses de desgaste natural.

Atuação do Ministério Público – MP na Tutela do Consumidor

O CDC indica que o MP é parte legítima para prover a defesa dos interesses e defesa dos consumidores, seja pela via dos direitos difusos ou direitos coletivos ou direitos individuais homogêneos.

Defesa do Consumidor em Juízo

O legislador incluiu no CDC capítulo regulando a tutela do consumidor em juízo. Não houve apenas intenção de prover aspectos de proteção processual, mas de todo universo de situações onde o consumidor se encontre como parte do processo, assegurando tutela jurisdicional e livre acesso à justiça, de forma a se obter proteção individual e coletiva nas ocasiões que o consumidor esteja em juízo.

Tutela Penal

Finalizando a obra, o Prof. Antônio Carlos Efing tratou a tutela penal do consumidor, que se encontra compreendida entre os artigos 61 e 80 do CDC, trazendo em seu bojo o detalhamento das infrações penais as quais os fornecedores devem responder em caso de violação aos direitos dos consumidores, outorgando maior efetividade à defesa do consumidor.

Demonstrou que este conjunto de dispositivos opera em conjunto com demais normas, que regulamentam matérias de natureza penal, como por exemplo:

  • a) Lei nº 8.137/1990 – Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo.
  • b) Lei nº 1.521/1951 – Crimes Contra a Economia Popular.
  • c) Decreto Lei nº 2.848/1940 – Código Penal.
  • d) Lei nº 4.591/1964 – Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.
  • e) Decreto Lei nº 73/1966 – Dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros.
  • f)  Lei nº 6.766/1979 – Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano.
  • g) Lei nº 7.492/1986 – Define os crimes contra o sistema financeiro nacional.

Conclusão

A obra do Profº. Antônio Carlos Enfig traz um conteúdo muito valioso e cobre de forma eficiente os principais pontos do Direito do Consumidor, sendo recomendada a sua leitura para acadêmicos e operadores do Direito.

É um importante meio para garantir informação de qualidade para pesquisas e consultas para as atividades cotidianas dos profissionais militantes do Direito do Consumidor.

Assuntos: Consumidor, Direito Civil, Direito do consumidor

Comentários


Conteúdo Relacionado

Fale com advogados agora


Compartilhe com seus amigos

Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+