Estudo da capacidade civil sob a ótica do Código Civil brasileiro

14/08/2013. Enviado por

Estudo sobre o instituto da capacidade civil sob a ótica do Código Civil

Para a prática de qualquer ato da vida civil é exigível da pessoa que ela tenha capacidade jurídica para tanto. Capacidade, por seu conceito, é a aptidão para se adquirir direitos e contrair obrigações na órbita civil, dividindo-se em duas espécies: capacidade de direito (ou de gozo) e capacidade de fato (ou de exercício). O legislador inaugurou o Código Civil de 2002 (CC/02) dispondo em seu artigo 1º que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

Esta capacidade diz respeito à capacidade de fato, que é aquela inerente a todo ser humano, intimamente ligada à personalidade civil da pessoa. Por seu turno adquire-se personalidade civil com o nascimento com vida, entretanto a lei garante alguns direitos inerentes ao nascituro, por assim dizer, o ente concebido, porém ainda no ventre materno . A capacidade de fato ou de exercício é aptidão da pessoa para exercer pessoalmente todos os atos da vida civil. Esta capacidade não é atribuída a todas as pessoas em razão de limitações orgânicas ou psicológicas, sendo necessária a análise de algumas circunstâncias para sua aferição. Via de regra será alcançada pelo implemento da maioridade que, segundo o CC/02, é alcançada aos 18 (dezoito) anos completos, momento em que fica a pessoa legalmente hábil a praticar pessoalmente todos os atos da vida civil (art. 5º do CC).

No entanto, limitações psicológicas ou físicas, transitórias ou permanentes, podem fazer com que a capacidade não seja alcançada aos dezoito anos ou, para determinadas pessoas, elas jamais será alcançada. Noutro giro, há situações inversas, em que a capacidade civil plena (de fato) já alcançada é “suspensa” por alguma circunstância transitória ocorrida na vida da pessoa ou cessada, em definitivo, por circunstância permanente. A capacidade de fato ou de exercício é subdividida em capacidade relativa e absoluta, caracterizadas como limitadoras de atuação pessoal do agente. A incapacidade absoluta traduz a falta de aptidão para praticar pessoalmente atos da vida civil, encontrando-se nessa situação a pessoa a quem falte capacidade de fato ou de exercício, ou seja, que esteja impossibilitada de manifestar real e juridicamente a sua vontade. Os absolutamente incapazes estão descritos no artigo 3º do CC/02, cuja redação integral é a seguinte:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Em linhas breves, são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (inciso I) os menores de dezesseis anos, sendo que esta regra só é mitigada em caso de emancipação pelo casamento ou colação de grau em curso de nível superior, únicas hipóteses em que o ordenamento jurídico brasileiro prevê capacidade de fato ao menor de dezesseis anos. Cabe destacar que “a vontade dos absolutamente incapazes (...) é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto ”.

Em diversas situações cotidianas o menor de dezesseis, desde que tenha o necessário discernimento para o assunto em discussão, poderá manifestar sua vontade, a qual deverá ser levada em consideração (o que deverá ser analisado de acordo com o caso concreto), como é o exemplo de um divórcio em que a vontade do menor será levada em consideração na escolha de sua guarda, seja com o pai ou com a mãe. A enfermidade ou deficiência mental (inciso II) somente retira a capacidade daqueles em que o grau da doença seja tamanha que impossibilite a manifestação de suas vontades; (inciso III) por fim a incapacidade absoluta por causa transitória afeta àqueles em que em vias normais são capazes, mas por alguma circunstância, principalmente de ordem física ou psicológica, tornam-se impossibilitados totalmente de exprimirem suas vontades. Este é o clássico exemplo da pessoa em estado de coma, que em situação normal é plenamente capaz, mas devido à causa transitória fica temporariamente impossibilitado de manifestar suas vontades. Mais adiante, o Código Civil enumera os casos de incapacidade relativa.

Os relativamente capazes figuram em uma zona intermediária entre a absoluta incapacidade e a plena capacidade civil, isto porque não gozam de total capacidade de discernimento e autodeterminação, mas são capazes de exprimir suas vontades, sendo juridicamente válidas em determinadas situações.

Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. Será relativamente capaz de exercer certos atos da vida civil o jovem que tenha entre dezesseis anos completos e menos de dezoito anos.

Para fins de aferição da capacidade somente é levada em consideração o dia do nascimento da pessoa, ou seja, no primeiro instante do dia de seu aniversário de dezesseis anos, por exemplo, não importando a hora em que houve o parto, é alcançada a capacidade relativa. Completos dezoito anos e não pendendo qualquer limitação física ou psicológica descritas nos incisos II e III do artigo 3º ou inciso II e III do artigo 4º, ambos do CC/02, a plena capacidade civil será alcançada. As pessoas descritas no inciso II como ébrios habituais e viciadas em tóxicos, somente serão consideradas relativamente incapazes quando seu quadro de dependência passa a ser patológico, de modo a afetar a capacidade de expressão de sua vontade. Não se descarta, porém, a possibilidade de a incapacidade ser tida como absoluta, a depender do grau de intoxicação e dependência, sempre analisada sob a ótica da manifestação consciente de suas vontades na prática dos atos da vida civil.

O meio hábil e juridicamente correto para a declaração da incapacidade de toxicômanos é a Ação de Interdição. No mesmo inciso, também cuidou o legislador dos deficientes mentais com discernimento reduzido, tratando-se daqueles que tenham minimizada sua capacidade de entendimento e autodeterminação. Em tópico próprio (inciso III), porém, há o enquadramento dos excepcionais sem desenvolvimento metal completo, que apesar de se assemelhar à hipótese do inciso II, trata mais especificamente dos portadores da Síndrome de Down, já que não atingem o completo desenvolvimento mental, mas praticam determinados atos por si só, tendo o inciso escopo de protegê-los, a fim de que pratiquem negócios da vida civil devidamente assistidos, sem prejuízo de sua inserção no meio social e no mercado de trabalho. Por fim, os pródigos também recebem tratamento diferenciado pelo Código Civil. Segundo Clóvis Bevilaqua, pródigo é “aquele que desordenadamente gasta e destrói a sua fazenda, reduzindo-a à miséria por sua culpa”.

A prodigalidade é o descontrole de gastos e dilapidação desenfreada do patrimônio da pessoa e, não raro, atinge seu seio familiar e social, afetando, inclusive, pela via oblíqua, o Estado, que de alguma maneira e em algum momento deverá prestar assistência ao pródigo. Há se destacar que a prodigalidade apenas justifica sua incapacidade relativa e a determinados atos, como bem dispõe o artigo 1.782 do CC/02: “A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração”.

Mesmo com a declaração de prodigalidade da pessoa e a consequente interdição, ela poderá se casar normalmente, observada apenas as disposições do artigo 1.782. Vale mencionar, porém, que a escolha do regime de bens deverá passar pelo crivo de seu curador, já que não se trata de um ato de mera administração do patrimônio. Em ambos os casos, seja na incapacidade relativa ou absoluta, deverá haver uma terceira pessoa que firmará em nome do incapaz, ou juntamente com ele, a sua vontade. Quando a incapacidade for absoluta haverá um representante que atua em nome do incapaz.

Quando a incapacidade for relativa, ele será assistido, de modo que exprime sua vontade livremente, figurando o representante como forma de assegurar seu interesse. Como se nota, o critério etário é o único critério objetivo de aferição da capacidade, os demais exigem uma averiguação da situação fática de cada pessoa a fim de constatar se sua incapacidade é absoluta ou relativa.

O Código Civil de 1916, por exemplo, enquadrava os surdos-mudos, que não podiam exprimir suas vontades, como relativamente incapazes, redação esta que foi suprimida no atual diploma. Isto porque o “termômetro” da incapacidade tem íntima ligação com a manifestação consciente da vontade do indivíduo. O surdo mudo que, apesar de ter os sentidos da fala e audição afetados, puder comunicar-se pela linguagem de sinais ou escrita, será considerado plenamente capaz para todos os atos da vida civil, observado, obviamente, as especificações quanto à tradução.

Assuntos: Direito Civil, Direito processual civil, Emancipação, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Menor, Menor de idade

Comentários


Conteúdo Relacionado

Fale com advogados agora


Compartilhe com seus amigos

Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+