Desafios do Direito Empresarial Contemporâneo: função social da empresa e comportamento

12/12/2014. Enviado por

Direito Empresarial, a Função Social da Empresa e o Gerenciamento do Comportamento Ético do profissional empresarial por meio de regras de compliance, como forma de diminuição de riscos á empresa.

O Direito Empresarial é o ramo do direito que cuida dos aspectos ligados as empresas, e em razão da complexidade multidisciplinar que é peculiar de qualquer empresa, os envolvidos com tal matéria necessariamente necessitam de conhecer uma gama vasta de questões, o que torna a matéria demasiadamente complexa.

Em que pese à complexidade do Direito Empresarial, atualmente há questões relacionadas ao cerne da atividade empresarial, que no final das contas é à base de todo o estudo na área, que são desafios a todo empresariado, assim como para os que labutam em tal matéria.

Entre tantos desafios peculiares ao Direito Empresarial Contemporâneo, temos dois em particular que tratam da questão da função social da empresa e o compliance, o gerenciamento/fiscalização do comportamento ético da empresa e seus representantes.

A questão da função social da empresa vem sendo discutida a diversos anos, com esforço pujante para sua compreensão em nosso país após o advento da Constituição Federal de 1.988. Ver artigos: 5º, inciso XXIII; 182, parágrafo 2º e 186, todo da Constituição Federal Brasileira de 1.988.

De pronto se identifica que a questão da função social no direito comercial brasileiro é discutida a pouco tempo, em comparação com o tempo do ingresso de lei que regula tal matéria (Código Comercial), que data de 1.850 e que, até a presente data ainda mantem textos de lei em vigor.

A questão do gerenciamento do comportamento ético empresarial é mais recente em nosso país, sendo bastante desenvolvida a questão nos países americanos e europeus.

Vislumbram-se estas questões como “problemáticas” no direito empresarial, pois tanto a função social quanto a ética empresarial (regras de compliance) agregam ao empresariado novas posturas que não só a finalidade de fazer com que a empresa obtenha lucro.

Sob tal ponto de vista, verifica-se que tais temas “humanizam” a empresa e trazem a empresa da noção de dever-ser para a certeza/realidade do ser.

Explico-me. A questão da função social da empresa retira desta aquela visão oriunda dos tempos da revolução industrial o qual a empresa é vista como máquina (no sentido expresso da palavra) de fazer dinheiro, a qualquer custo e a qualquer preço.

E por sua vez, a questão do gerenciamento do comportamento ético da empresa e de seus representantes, do compliance, traz para dentro da empresa àquilo que todos esperam em qualquer relação jurídica, e que, entretanto, em nosso país tem sido cada vez menos comum: o comportamento ético.

Ou seja, temos visto uma tendência crescente de que cada vez mais em nosso país, surgirem leis que busquem efetivar, retirar a fórceps do mundo das ideias o comportamento ético empresarial, e implanta-lo (com a mesma força que fora retirado do mundo das ideais) diretamente dentro da empresa.

Note-se que não se tratam de problemas propriamente ditos, mas de pensamentos, entendimentos, posicionamentos, de situações reais que trazem ao Direito Empresarial Contemporâneo situações que ao menos em nosso país, muitos empresários não sabem como lidar, podendo se tornar uma porta para problemas na empresa, se não assessorados adequadamente.

Os desafios sobre os temas surgem na medida em que, como profissionais do Direito, devemos buscar juridicamente em consonância com a administração da empresa, e em prol da mantença da finalidade da empresa (obtenção de lucro) conciliar estas questões com o desenvolvimento lucrativo da atividade do empresário.

A função social da empresa, significa resumidamente, que a empresa não deverá atender somente os interesses particulares de seu proprietário, mas sim, também e principalmente deverá atender o interesse da sociedade[1].

Doutrinariamente temos o seguinte conceito de função social: “A função social da empresa representa um conjunto de fenômenos importantes para coletividade e é indispensável para a satisfação dos interesses inerentes à atividade econômica” (ALMEIDA, pag.141).

Isso significa que o fato da empresa gerar empregos, pagar impostos, fomentar a economia, tudo dentro dos ditames legais, faz com que ela tenha uma razão de existir além da do objeto social e da finalidade de obter lucro.

Significa dizer ainda que, ainda que uma empresa alcance sua finalidade com sucesso e obtenha enorme lucro, se esta o fizer em detrimento de seus empregados ou em prejuízo ao meio ambiente, ainda que, seja lucrativa, a sua mantença não se torna viável em razão de não atender a função social da empresa.

Por outro lado, ainda que tal empresa não aufira lucro, mas cumpra a sua função social, havendo interesse da sociedade em sua mantença, poderá ocorrer a intervenção do Estado nesta para que seja mantida.

Com base nisto, nota-se que atualmente, toda empresa obrigatoriamente deve relacionar-se com a sociedade positivamente, fazendo a lição de casa para obter lucro de forma sustentável, entenda-se: cumprindo sua função social.

O desafio do Direito Empresarial neste tema é justamente este: analisar todas as matérias legislativas que circundam a empresa e fazer com que está alcance o seu objetivo (lucro) atendendo a sua função social.

O desafio é mudar o paradigma do: “a empresa é para mim” para: “a empresa serve não só a mim”.

É conciliar a otimização dos lucros com a prestabilidade social da empresa para terceiros.

O cumprimento da função social poderá ser alcançado pelo operador do direito quando este adequar o funcionamento da empresa as legislações trabalhistas, ambiental, administrativa entre outras, e o empresário entender que a sua empresa e os atos desta, refletem em toda a sociedade.

Já o desafio do gerenciamento do comportamento ético empresarial, é especialmente instigante uma vez que em nosso país há cultura da corrupção, da propina, do “jeitinho”.

Tal cultura é tão arraigada em nosso sistema que por vezes a empresa que possuiu comportamento ético torna-se inoperante face a impossibilidade de concorrência com as demais não éticas.

Recentemente, temos diariamente notícias do escândalo da operação da polícia federal chamada Lava-Jato.

Tal investigação resultou no escancarar de uma realidade conhecida, mas não “enxergada”, de que empresas pagam propina para participarem de concorrências públicas.

Um advogado de uma das empresas investigadas, em declaração aos noticiários, afirmou que o pagamento de propina por empresas para participação em concorrência é comum, e que se não fosse dessa forma, “não haveria a colocação de um paralelepípedo em qualquer obra em qualquer cidade do país”.

Tal declaração alvoroçou os meios de comunicação, como se aquilo que o profissional do Direito declarou fosse uma surpresa para a população.

Certamente que a declaração é exagerada e generalizada, mas não deixa de ser verdade, nem tão pouco de conhecimento público que a corrupção impera em nosso país. Entretanto é mais conveniente á fatias da sociedade que detém o poder para tomar providencias quanto a corrupção, se dizer surpresa, do que reconhecer que já sabia disto á muito tempo, e como, culturalmente já estava acostumada com a situação, nada fez.

As constatações da investigação da polícia federal, bem como ouros escândalos como “petrólão”, “mensalão”, e outros, confirmam essa cultura nada exemplar que possuímos e que resulta num raciocínio lógico, da dificuldade da implementação da cultura ética nas empresas.

É tendência crescente mundial, a implementação do gerenciamento do comportamento ético nas empresas.

Em nosso país, tal “tendência” começa a ser pensada pelos empresários em razão da entrada em vigor da Lei 12.846/2013, popularmente conhecida como Lei Anticorrupção, que possui como novidade legislativa, a punição da pessoa jurídica quando infringir quaisquer de suas normas.

Diante da real possibilidade de a empresa propriamente dita, ser punida por atos de seus representantes, estes (e suas condutas) se tornaram um problema da empresa, coisa que antes não importava deveras, pois a conduta do profissional não afetava necessariamente a pessoa jurídica, resolvendo a questão com o desligamento daquele profissional.

Uma das formas da empresa se preservar contra atos de seus representantes atualmente, é instituindo efetivamente regras de compliance, que são regras de conduta que a empresa dita para que seus representantes as sigam.

Compliance vem do verbo em inglês “to comply”, que significa “cumprir”, “executar”, “satisfazer”, “realizar o que lhe foi imposto” ou seja, Compliance é o dever de cumprir, de estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e externos, de comportamento ou conduta, impostos previamente pela empresa.

Importante destacar que não basta que a empresa implante o compliance, mas sim, também, que o fiscalize.

Isso para que, na hipótese de ser-lhe imputada alguma punição disposta na lei anticorrupção, está possa atenuar sua punição ou remir-se desta se efetivamente demonstrar sua lisura (art. 7º, VII e VIII, Lei 12.846/2013).

O desafio para o Direito Empresarial Contemporâneo no gerenciamento do comportamento ético empresarial se dá em razão da dificuldade da implantação em razão da cultura errada já implanta e pelo fato de que a própria empresa terá de se autofiscalizar.

Ou seja, a empresa que anteriormente, produzia por todos os meios apenas para a obtenção de lucro, doravante terá de colocar em prática, cobrar e fiscalizar o comportamento ético ideal, antes existente (regra geral) somente no ideal da empresa. Isso sem contar a questão da função social e outras questões que permeiam o Direito Empresarial.

Atualmente o Direito Empresarial ultrapassou tão somente análise a questões societárias e contratuais, agora, é multidisciplinar, devendo atuar com áreas da administração, contabilidade, segurança e etc. Não basta a empresa ter sucesso financeiro, doravante a empresa deve ter além do sucesso financeiro, sucesso social e jurídico, caso contrário estará fadada ao fracasso.

O profissional atuante no Direito Empresarial Contemporâneo tem como principal desafio verificar na empresa, em toda sua complexidade, os fatores de riscos que podem culminar em grande prejuízo, sendo que, tais riscos, atualmente envolvem inclusive o comportamento dos integrantes da empresa.

Os desafios do Direito Empresarial Contemporâneo ultrapassa o limite da matéria e adentra ao âmago da empresa, na prática empresarial, pois para que o operador de direito possa apurar se a empresa cumpre ou não sua função social e para apurar se a conduta da empresa é antiética ou não, e quais as medidas são necessárias para sanar os vícios, é imprescindível a sua presença in loco, dia-a-dia a fim de exarar parecer para a empresa minimamente preciso.

As vantagens de superar tais desafios é que estará a empresa muito próximo daquilo que é o ideal de uma empresa de sucesso numa sociedade perfeita (utópica) pois assim, tal empresa será útil a sociedade (não apenas economicamente) e terá um padrão de conduta ética exemplar, digno das culturas sociais mais elevadas do planeta.

Socialmente, seriam estas a vantagens. Entretanto, ao se falar de empresa, não se poderia deixar de analisar os reflexos positivos que a superação destes desafios alcançaria.

A empresa que cumpre sua função social, terá seus colaboradores mais contentes, saudáveis e consequentemente mais produtivos; os consumidores atentos a postura da empresa perante a sociedade poderão fidelizar-se, pois quererão ser clientes de fornecedor com uma “boa aparência/reputação social”.

Quanto aos reflexos do gerenciamento da conduta ética da empresa, tendo regras de compliance devidamente aplicadas, efetivamente ativas, terão o rol de parceiros comerciais expandido, tendo em conta que atualmente diversas empresas tem como requisitos para contratação que o parceiro comercial possua regras claras de compliance, inclusive para empresas multinacionais.

Outro ponto de vista economicamente pertinente é quanto a concorrência.

Uma vez que todas as empresas estejam adotando conduta ética adequada, a concorrência será mais justa, pois colocará todos os participantes em igualdade, ou ao menos, não privilegiará aquele que tenha acordado alguma vantagem oculta ilícita prévia.

Concluindo, tem-se que o Direito Empresarial Contemporâneo possui diversos desafios ao operador do Direito, entretanto, tais desafios não devem servir como obstáculo a engessar a atividade empresarial e sim, como algo a ser superado para que futuramente, tenhamos uma sociedade mais próxima daquilo que é subjetivamente esperado: uma sociedade mais justa, equânime.

  

REFERÊNCIAS

 FAZZIO JUNIOR, W. Manual de Direito Comercial. 11ª ed. Atlas. São Paulo, 2010.

 COELHO, F. U. Curso de Direito Comercial. Saraiva. São Paulo, 2002.

 ANGHER, A. J. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 11ª ed. Rideel. São Paulo, 2010.

 TOMASCEVICIUS FILHO, E. A Função social da empresa. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003.

 MAGALHÃES, R. A. A função social da empresa. Revista Magister de Direito Empresarial. Porto Alegre, 2009.

 ALMEIDA, M. C. de. A Função Social da Empresa na Sociedade Contemporânea: Perspectivas e Prospectivas. Vol. 3. Unimar. Marília, 2003.



[1] Eduardo Tomasevicius Filho, 2003, p. 40.

Assuntos: Direito Civil, Direito Empresarial, Direito processual civil, Dissolução de sociedade, Empresarial, Questões societárias, Sociedade

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