COTA IMOBILIÁRIA - PROPRIEDADE MULTIFRACIONADA – TIME SHARING - “ARMADILHA”

14/03/2018. Enviado por

O presente comentário jurídico objetiva tão-somente alertar os consumidores sobre os acontecimentos abusivos que estão ocorrendo na comercialização das chamadas “cotas imobiliárias”.

COTA IMOBILIÁRIA - PROPRIEDADE MULTIFRACIONADA – TIME SHARING - “ARMADILHA”

A presente manifestação presta-se a chamar a atenção dos consumidores e amigos em geral sobre acontecimentos abusivos que estão ocorrendo na comercialização das chamadas “cotas imobiliárias”.
Já de algum tempo que temos verificado nos sites “reclame aqui” ou “proteste” reclamações dos consumidores sobre a forma que vem sendo utilizada por empresas especializadas nesse tipo de negócio, a exemplo Imobiliária ATG, de Caldas Novas, e empresa WAM BRASIL, de Goiânia. Essa última que agora está na cidade de Gramado-RS comercializando, com exclusividade, empreendimentos naquela Região Turística, a exemplo o GOLDEN GRAMADO RESORT LAGHETTO.


Sem aprofundar a questão jurídica, no Brasil não há legislação específica sobre a multipropriedade como direito real, ou como direito obrigacional apenas, mas a doutrina e a jurisprudência vem aplicando previsões da legislação civil (Código Civil) relativa ao Condomínio Edilício e parte não revogada da Lei das Incorporações Imobiliárias (Lei 4.591/64). A venda de tempo de uso compartilhado pelo ramo hoteleiro encontra algum respaldo no Decreto Federal n.º 7.381/2010, art. 28. De qualquer maneira, a questão da propriedade ou não ou se mero direito de uso de tempo compartilhado não é o maior problema atual.


Aos adquirentes os vendedores sequer explicam a diferença daquilo que estão realmente vendendo, se propriedade fracionada ou venda de tempo de uso compartilhado que são institutos diferentes e não vem ao caso aqui agora explicitar. "Timesharing" e o "fractional ownership" têm suas diferenças.


Na serra gaúcha já de alguns anos existe a venda de cotas imobiliárias, a exemplo citamos a Pousada Serrano e o Hotel Vale Dourado, os quais tem suas regras próprias e são regidos pelas regras de condomínio edilício.


Em alguns Estados como o de São Paulo, já há manifestação da Corregedoria de Justiça no sentido da viabilidade ou não do Registro Imobiliário da cota adquirida, conforme abaixo. No Estado do RS, desconhecemos, por ora, manifestação a respeito.

“Registro de Imóveis — Multipropriedade (time sharing) — Enquadramento entre os direitos reais — Inviabilidade — Entendimento firmado pela Corregedoria Geral da Justiça — Constituição do empreendimento como condomínio especial disciplinado pela Lei n° 4.591/1964, com instituição de condomínio tradicional, regido pelo Código Civil, sobre as diversas unidades autônomas — Possibilidade — Inadmissibilidade, porém, da inserção, na convenção de condomínio levada a registro e nas matrículas das unidades autônomas, de quaisquer disposições tendentes a vincular o direito real de propriedade ao direito pessoal de regramento acerca do uso periódico anual das unidades, tornando reais direitos obrigacionais. Registro d[57]e Imóveis — Multipropriedade (time sharing) — Recusa acertada de averbação de alteração de convenção condominial que traz disposições de natureza obrigacional a respeito da utilização exclusiva pelos condôminos, no decorrer do ano, da totalidade das unidades autônomas — Determinação, ainda, da anotação, no livro em que registrada a convenção de condomínio, da ineficácia real da disciplina obrigacional constante do título — Recurso não provido nessa parte. Registro de Imóveis — Multipropriedade (time sharing) — Condomínio tradicional sobre as unidades autônomas, com inserção nas matrículas correspondentes de elementos de ordem obrigacional, tendentes a tornar reais direitos pessoais — Inadmissibilidade — Retificação das matrículas determinada a fim de ser excluído do fólio real todo e qualquer dado de natureza pessoal e obrigacional — Desnecessidade, porém, do bloqueio das matrículas, diante da retificação determinada — Recurso parcialmente provido (Ementa Oficial) — Processo CG n° 686/2007 — publicada em 16/10/2007.”


Entretanto, o maior problema que vem ocorrendo e atingindo os consumidores é a forma de abordagem e realização da venda. Para tanto, faltam informações completas e fidedignas a respeito dos reais benefícios do negócio. Existe uma pressão exagerada por parte dos Corretores para fechar o negócio em determinado momento e utilizam-se de coquetéis e jantares com bebidas alcoólicas para “arrefecer” as condições de resistência moral e até física dos consumidores.


O consumidor é levado a uma situação de desespero com tantas informações falsas e projeções ilusórias sobre as vantagens do negócio e ludibriado sobre os eventuais prejuízos que possam advir, o que fere literalmente disposições do Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 37 e parágrafos.


Abaixo descrevemos a situação corriqueira que tem sido aplicada aqui em solo gaúcho, na comercialização de empreendimento na cidade de Gramado-RS, informação extraída do site “reclameaqui”:

"Eu,xxxxx, estávamos passeando em gramado no dia 08/09/2017, quando saindo de uma loja de chocolate, fomos abordados por rapaz representando a empresa WAM BRASIL. Ele afirmou se tratar de uma pesquisa realizando algumas perguntas. Após, nos convidou para visitar um empreendimento novo chamado Golden Gramado Resort Laghetto em troca daria um brinde a nossa escolha. Segundo ele, essa visita seria rápida, em torno de 30 minutos. Dissemos não, mas de tanto ele insistir acabamos indo.
Para nossa surpresa, quando chegamos lá descobrimos que esse empreendimento ainda seria construído. Receberam-nos como muita atenção, foram supereducados e então começaram a apresentação do tal resort. Ao final da apresentação, entendemos o que estava acontecendo e que se tratava de vendas de cotas imobiliárias. 
Passaram a explicar como funcionava o sistema de cotas e finalmente falaram de valores e fizeram diversas propostas. Sugeríamos levar e estudar com calma a possibilidade de aquisição ou não. De imediato eles negaram nosso pedido, afirmando que aqueles valores valeriam apenas para aquele momento, e a partir daquele instante passaram a exercer uma pressão psicológica para aceitarmos a oferta. Havia muita gritaria, espumante para comemorar cada venda, o que consideramos um constrangimento total.
Depois de muita pressão e constrangimento, acabamos adquirindo duas cotas (170/06 e 220/24), porém com dúvidas e insegurança do negócio que estávamos fechando. Anunciaram ao microfone nossos nomes, trouxeram espumantes e antes mesmo de apresentarem o contrato, tivemos que acertar o valor de entrada.
Chegando à pousada que estávamos hospedados, conseguimos analisar e conversar a questão com mais calma de maneira adequada, acabamos nos arrependendo da compra e concordamos em desistir do negócio. (…) (https://www.reclameaqui.com.br/wam-brasil/cota-imobiliaria-empreendimento-golden-gramado-resort-laghetto-distrato-e_1u5fhpBqQdphm-9y/)"

Aliás, interessante entrevista na folha uol do próprio Diretor MARCOS FREITAS da empresa WAN BRASIL (em 2016) a respeito de vantagens na compra de cota imobiliária, no sentido de que somente vale a pena para quem fará uso frequente da cota. Ou seja, não é bom para quem pretende ganhar direito com o aluguel, mas isso em nenhum momento é dito aos compradores no estande de vendas (fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1732763-compra-de-casa-por-cotas-envolve-riscos-dizem-especialistas.shtml:)

Os contratos pactuados são contratos de adesão, aqueles em que a parte adquirente não tem possibilidade de discutir as condições, inserir ou excluir cláusulas que lhes são prejudiciais.
Da mesma forma, normalmente está incluída uma cláusula de eleição de foro no sentido de que qualquer discussão judicial seja efetuada no local do empreendimento e não no local mais favorável ao consumidor.


A respeito disso, a jurisprudência consumerista tem sido favorável ao consumidor desde que demonstrada a condições de hipossuficiência.

Outro problema detectado é a questão da legitimidade da venda, eis que tem sido utilizado comumente um Corretor de Imóveis que assina o contrato em nome da empresa vendedora e que, na maioria das vezes, sequer tem procuração para tanto. Isso somente vem a ser detectado depois de efetuada a compra e a assinatura do contrato. A alienação de coisa alheia como sua é crime ou, no mínimo, nulo o contrato pela ilegitimidade da parte alienante.


Podemos ainda, acrescentar que os Tribunais tem seguido entendimento segundo o qual a utilização de técnicas agressivas de venda e marketing que impedem o livre consentimento do consumidor, constitui prática abusiva e, portanto, ilícita.


Visa-se, dessa maneira, garantir a livre manifestação de vontade do consumidor, que tem o direito de concluir pela celebração do negócio de forma lógica e consciente.


Conforme aludido anteriormente, os Tribunais têm entendido que é aplicável o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, quando são utilizadas técnicas agressivas de venda e/ou marketing, mesmo que esta tenha sido realizada em estabelecimento comercial. Isto é, se o consumidor manifestar arrependimento quanto à realização do negócio, mesmo que isso se dê em prazo superior aos 7 dias previstos na Lei Consumerista e sem a necessidade do pagamento de multa contratual e de maneira injustificada.


No que se refere à possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo consumidor, passado o prazo para o exercício do direito de arrependimento, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já proferiu diversas decisões favoráveis ao rompimento do negócio, inclusive, eximindo o consumidor do pagamento de multas contratuais, em virtude de tratar-se de venda emocional. Nesse sentido, foi a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:


"Ementa: Rescisão contratual e devolução dos valores pagos - cessão de direitos de ocupação de unidade habitacional hoteleira em sistema de tempo compartilhado. Procedência do pedido. Inconformismo das rés. Venda emocional - utilização de técnicas que retiram do consumidor a possibilidade concreta de tomar conhecimento integral do negócio e de refletir sobre sua conveniência e oportunidade - consentimento viciado. Rescisão do contrato e devolução dos valores pagos. Decisão mantida. Recurso de apelação não provido (Apelação 9064578-77.2004.8.26.0000 – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – 9ª Câmara de Direito Privado – Americana – Rel: Piva Rodrigues – julgado em 19.10.2010). "                      

Em resumo, não se desconhece que a multipropriedade ou a aquisição de “time sharing” em rede hoteleira possa ser benéfica ao adquirente, mas tudo dependerá do valor adequado de mercado na sua venda, da explanação correta de todas as vantagens do negócio pactuado e de suas desvantagens (o que não ocorre), do não uso de técnicas abusivas de abordagem e de convencimento (especialmente com utilização de bebidas alcoólicas), bem como da legalidade e legitimidade na assinatura do contrato, sem o que o Consumidor terá direito a rescisão contratual.


Espera-se que o presente comentário, longe de ser um desestimulador dos negócios, apenas sirva para chamar a atenção dos adquirentes no sentido de estarem atentos as “armadilhas” do negócio e que jamais fechem qualquer contrato sem ao menos um dia de análise sobre todas as condições ofertadas, sob pena de sofrer prejuízos irrecuperáveis na aquisição de despesas fixas (condomínio) eternas e perdas no repasse eventual das cotas.


Orienta-se o adquirente a consultar seu advogado de confiança antes de fechar qualquer negócio.


Qualquer informação, estamos à disposição (vnrogerio@gmail.com) – F. 51.993115503

Assuntos: Direito Civil, Direito do consumidor, Direito imobiliário

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