Capitalização de juros compostos no direito brasileiro

11/05/2013. Enviado por

O presente trabalho visa demonstrar a impossibilidade da capitalização de juros compostos no Direito brasileiro, ainda que pelos integrantes do Sistema Financeiro Nacional em periodicidade inferior a um ano.

I- INTRODUÇÃO

Na dinâmica de funcionamento do mercado financeiro, quase que rotineiramente coloca-se a questão de encontrar solução possível diante do conflito de seus postulados com as chamadas normas de ordem pública do ordenamento jurídico[1].

Tais normas, por agasalharem em seu seio direitos fundamentais da pessoa humana ou pelo menos, princípios setoriais[2] do ordenamento jurídico brasileiro possuem um conteúdo imanente de ética e, na maioria das vezes, apresentam-se como cânones interpretativos mesmo das chamadas normas-regra[3].

O problema é que o mercado econômico tem lá as suas necessidades e seus condicionamentos políticos que muitas vezes não se amoldam a qualquer tipo de normatividade, provenha ela da fonte que provier.

Apenas a título exemplificativo, basta recordar a antiga letra do art.192, §3º da Constituição Federal de 1988, que previa na disciplina do Sistema Financeiro Nacional a limitação de juros no direito brasileiro em 12% (doze por cento) ao ano.

Primeiramente surgiu dúvida sobre a classificação de referido artigo de lei na Constituição Federal, no que se refere a sua eficácia e aplicabilidade, vingando a tese de que se tratava de norma de eficácia limitada e aplicabilidade mediata[4], ou seja, somente poderia surtir efeitos se e somente se fosse regulamentada pelo legislador infraconstitucional.

O problema é que o tempo foi passando, e diante da inexistência de norma regulamentadora, a doutrina e jurisprudência, tanto de primeira instância como dos Tribunais Estaduais, começou a dar sinais de “rebeldia” relativamente ao entendimento consagrado pelo Pretório Excelso, limitando os juros em diversas situações que lhes eram submetidas a julgamento.

A míngua de remédio jurídico adequado para sanar o problema da falta de regulamentação das normas constitucionais[5], que é um dos problemas essenciais do modelo de Constituição analítica e dirigente, restou aos Tribunais pátrios corrigir a omissão nos casos concretos invocando desde a legislação consumerista até princípios maiores de justiça contratual[6] para operar a necessária limitação de juros.

A doutrina unânime clamava por uma solução e esta veio, mas não da forma que se esperava, ao revés, sobreveio a emenda constitucional n.º 40/2003 que cuidou, dentre outras coisas, de revogar o §3º do art.192 da CF/88, e mais até, o Supremo Tribunal Federal, utilizando-se da prerrogativa que lhe foi concedida pelo art.103A da Constituição Federal, editou a Súmula Vinculante n.º 7 sepultando de uma vez por todas a discussão de limitação de juros em 12% (doze) por cento ao ano.

É impossível ignorar os efeitos da economia sobre o ordenamento jurídico, e é preciso convir que algumas teses jurídicas por mais respeitados sejam seus defensores, se acolhidas gerariam um colapso nos sistemas econômicos que o próprio ordenamento jurídico presta-se a regulamentar.

Em interessante reflexão sobre as influências da Economia no Direito Pérsio Thomaz Ferreira Rosa pondera:

“Portanto, o direito nacional há que ser permeável à influência externa e à necessidade de segurança e agilidade, caso contrário a economia do país perderá atratividade, além do que seu crescimento será meramente orgânico e não fruto de um ciclo virtuoso.”[7]

Surge neste contexto, a temática do presente trabalho, em função da inserção do art.5º na décima sétima edição da Medida Provisória n.º 1.963, ocorrida em 30/03/2000.

Essa medida provisória encontra-se em vigor por força da emenda constitucional n.º 32/2001, com a redação dada pela medida provisória n.º 2.170-36/2001.

Referido dispositivo teria permitido em total arrepio à Constituição Federal, a capitalização de juros composta ou exponencial com periodicidade inferior a um ano para as operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Tal problema já tinha sido tratado (e proibida a capitalização) tanto pelo art.4º do vetusto Decreto 22.626/33, quanto pela Súmula n.º 121 do Supremo Tribunal Federal.

A questão toda está em se saber se tal medida (a previsão da capitalização de juros composta) está entre aquelas que merecem sopesamento, tendo em vista sua imprescindibilidade para o funcionamento do mercado financeiro nacional ou se, em verdade se trata de mais uma das medidas manifestamente inconstitucionais, cujo único intuito seja o de conseguir para os detentores do poder econômico lucros ainda mais fantásticos do que aqueles que já vêm obtendo.

É necessário enxergar, e aqui não vai nenhuma postura esquerdista que as transformações pelas quais a economia passa, acabam por se refletir na intepretação dos Pretórios Pátrios.

Com efeito, em épocas de crise, o protecionismo tende a ser maior, havendo um dirigismo mais acentuado das relações privadas por parte do Poder Público: tanto o legislativo que passa a emitir maior número de normas de ordem pública, quanto o Judiciário que passa a interpretar as normas dando solução aos conflitos sempre na tendência das teses mais favoráveis ao hipossuficientes.

Ao revés, em períodos de maior estabilidade da economia, embora não se descure da proteção aos direitos fundamentais e das normas de ordem pública, existe uma tendência a levar em consideração a autonomia da vontade privada, a igualdade entre as partes, dentre outros cânones do liberalismo econômico e político.

Feitas estas considerações e colocado o tema em visão o mais isenta possível, o nosso entendimento é no sentido de que, era totalmente desnecessário conceder aos integrantes do Sistema Financeiro Nacional o direito de cobrar juros capitalizados de forma composta em periodicidade inferior a um ano. Nem a lei n.º 4.595/64 com todas as benesses que trouxe para as instituições Financeiras teve tal alcance.

Tal medida, longe de fomentar o crédito, ou de instituir um Sistema Financeiro melhor, tem como única função proteger a classe dos banqueiros que, sinceramente não necessitava de tal ajuda.

A liberdade da contratação de juros em padrões de mercado e a existência de técnicas processuais de expropriação extrajudicial (verbi gratia, Decreto-lei 70/66 e lei n.º 9.514/97), dentre outras, já lhes proporcionam benefícios mais que suficientes em detrimento dos demais.

Seja como for, na sequência, analisaremos a manifesta inconstitucionalidade da aludida medida provisória, bem assim, o posicionamento atual da doutrina e da jurisprudência, inclusive do Pretório Excelso sobre a mesma.

II – DA MANIFESTA INCONSTITUCIONALIDADE DA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 2.170-36/2001 E DA SUA INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

De há muito que as medidas provisórias vêm recebendo o repúdio da doutrina mais autorizada, não pela existência do instituto em si, que não é bom nem ruim, mas pelo uso que se tem dado ao mesmo.

Sabido e ressabido por um qualquer que milite na seara jurídica que, as medidas provisórias constam do texto constitucional como uma espécie de compensação pela perca do instituto do Decreto-lei, usado com saciedade no período ditatorial.            

E, talvez, nossa jovem democracia não tenha se libertado totalmente de algumas tradições autoritárias, tampouco de se utilizar do poder de maneira disforme aos elevados objetivos que conduzem a realização do bem comum.

Certamente, atento a tal realidade, o conhecido publicista José Afonso da Silva tece mordaz crítica sobre as medidas provisórias que realmente merece ser trazida à baila:

“As medidas provisórias não constavam da enumeração do art.59, como objeto do processo legislativo, e não tinham mesmo que constar, porque sua formação não se dá por processo legislativo. São simplesmente editadas pelo Presidente da República. A redação final da Constituição não as trazia nessa enumeração. Um gênio qualquer, de mau gosto, ignorante, e abusado, introduziu-as aí, indevidamente, entre a aprovação do texto final (portanto depois do dia 22.9.88) e a promulgação-publicação da Constituição no dia 5.10.88.[8] (grifos nossos).

Críticas a parte, o certo é que, a veiculação de qualquer matéria por medida provisória exige os requisitos da relevância e da urgência, o que não existia para o caso da medida provisória sob comento.          

É que se na época do Decreto-lei era impossível pensar em restrições ao poder dos militares, a sua irmã (medida provisória) gestada na Constituinte de 1988 ao menos veio com restrições como a proibição de que algumas matérias fossem por ela veiculadas, bem assim, a existência de requisitos para sua edição, exigindo a atuação também do legislativo, pelo menos para a conversão das medidas provisórias em lei.

Os requisitos reconduzem-se, repita-se uma vez mais à constatação da existência de relevância e urgência, ou seja, tendo em vista a natural morosidade do processo legislativo com as discussões e procedimentos que naturalmente fazem parte do processo de criação das leis, mostra-se sinceramente normal que situações emergenciais demandem ação rápida do administrador, no caso, o Poder Executivo.

Esta, a razão precípua, talvez, pela qual foi conferida tal prerrogativa ao chefe do executivo brasileiro, visando justamente atender situações importantes e urgentes, que não poderiam suportar a demora da tramitação legislativa, que as vezes precisa inclusive envolver discussões com a sociedade por meio de audiências públicas.

Oras, neste ponto impende arguir com laivos de jactância: onde existe a urgência e a relevância de consignar expresso dispositivo permitindo a capitalização de juros compostos para entidades integrantes do Sistema Financeiro Nacional em periodicidade inferior a um ano?

Tais entidades já possuem em seu benefício, é importante lembrar, de instrumentos despóticos e autoritários para a recuperação mais rápida de seus créditos tais como o decreto-lei n.º 911/69, assim como o Decreto-lei n.º 70/66, com suas posteriores alterações.

Referidas instituições contam também com o entendimento pacífico dos Pretórios pátrios no sentido de poderem aplicar a taxa de juros que melhor lhes aprouver, o que tem permitido aos mesmos auferir lucros sinceramente fantásticos.

Assim, indaga-se uma vez mais: onde a urgência e a relevância?

Sobre a significação dos vocábulos “urgência e relevância” aproveitamos o ensejo para abeberar-nos no abalizado pensamento do tributarista Paulo de Barros Carvalho:

“são portadores de conteúdo de significação de latitude ampla, sujeitos a critérios axiológicos cambiantes, que lhes dão timbre subjetivo de grande instabilidade. Isto é outro problema, cuja solução demandará esforço construtivo da comunidade jurídica, especialmente do Poder Judiciário. Aquilo que devemos evitar, como singela homenagem a integridade de nossas instituições, é que tais requisitos sejam empregados acriteriosamente, sem vetor de coerência, de modo abusivo e extravagante, como acontecera com o decreto-lei.”[9] (grifos nossos).

Tecendo comentários diretos sobre a medida provisória n.º 2.170-36/2001, o civilista Luis Antônio Scavone Júnior argumenta:

Entretanto, a constitucionalidade da indigitada medida provisória, que tenciona instituir o anatocismo às instituições financeiras, é duvidosa e discutível (...) Em verdade trata-se de inserção de matéria enrustida, sem qualquer preocupação sistemática, em medida provisória que trata da administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, ou seja, nada tem a ver com a liberação do anatocismo, de único e exclusivo interesse do Sistema Financeiro.”[10] (grifos nossos).

Trata-se sinceramente de matéria antiga, discutida ao tempo da revolução de 1930, ou seja, nos primórdios do século passado, onde, diga-se de passagem, foi expressamente proibida pela edição do vetusto Decreto n.º 22.626/33, conforme asseverado acima.

O próprio Supremo Tribunal Federal já havia se pronunciado expressamente sobre o tema, editando a Súmula n.º 121 (não revogada) que é clara ao dizer que os juros capitalizados de forma composta são ilegais ainda que expressamente convencionados.

Vale dizer, tratava-se de matéria que poderia tranquilamente esperar o procedimento legislativo para sua alteração, sendo aconselhável inclusive que fossem veiculadas amplas discussões com os segmentos interessados da sociedade civil.

Em poucas palavras o que se quer dizer é o seguinte: Não há relevância e nem urgência em permitir o aumento já estratosférico dos lucros bancários!!!

Destarte, encontra-se inquinada pelo vício da inconstitucionalidade a medida provisória 2.170-36/2001, vez que para seu nascimento era necessária a coexistência dos requisitos da relevância e da urgência que inexistiam a época, pelos motivos acima expostos.

Esta, no entanto, não é a pior de suas inconstitucionalidades, vez que, no afã de aumentar os rendimentos significativos das Instituições Financeiras, o Executivo atropelou a regra contida no art.62, §1º, inciso III da Constituição Federal, citada in verbis:

“Art.62. ........................................................................................................................................

§1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:            ................................................................................................................................................III – reservada a lei complementar. (grifos nossos).

Pois bem, a capitalização de juros compostos para entidades integrantes do Sistema Financeiro Nacional, a toda evidência é assunto que interessa ao “Sistema Financeiro Nacional”, fazendo parte de sua regulação.

O grande problema é que o art.192 da Constituição Federal com a redação que lhe foi dada pela emenda constitucional n.º 40, determinou expressamente que o Sistema Financeiro Nacional fosse regulamentado apenas e tão somente por lei complementar.

Confira-se a redação do excerto legal:

“Art.192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.” (grifos nossos).

Diante da interpretação sistemática dos dispositivos citados a única conclusão possível é no sentido da manifesta inconstitucionalidade da medida provisória, vez que a matéria tratada pela mesma está reservada a lei complementar.

Há, sem embargo, aqueles que advogam a tese de que o Judiciário não pode adentrar na questão da discricionariedade do executivo sobre dizer o que é relevante ou o que é urgente, uma vez que o Supremo Tribunal Federal já enfrentou esta tese fixando entendimento diverso (ADIN MC 162-DF (DJU, 19.09.1997), ADInMC 1.753-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 16.04.1998). Sendo este também, o entendimento da melhor doutrina capitaneada por Alexandre de Moraes:

...Excepcionalmente, porém, quando presente desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, por flagrante inocorrência da urgência e relevância, poderá o Poder Judiciário adentrar a esfera discricionária do Presidente da República, garantindo-se a supremacia constitucional.[11] (Direito Constitucional. 9ª ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 1999, p.540). (grifos nossos).

Os problemas com a medida provisória sob comento não param neste ponto, contudo.

Na verdade, o Partido Liberal, percebendo as gritantes inconstitucionalidades da aludida medida provisória agitou perante o Supremo Tribunal Federa uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o n.º 2.316-1/DF, sendo de se ressaltar que quando da apreciação incompleta do pleito liminar para suspensão do art.5º da medida provisória n.º 1.963-17, de 30.03.2000 o Ministro Sidney Sanches já havia proferido voto favorável a tese defendida no presente artigo.

E nem poderia ser diferente, sendo este também o pensamento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, senão veja-se:

“EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - JUROS REMUNERATÓRIOS - AUSÊNCIA DA LIMITAÇÃO PRÉVIA - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS - ILEGALIDADE - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - SUBSTITUIÇÃO PELO INPC - REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO - POSSIBILIDADE - SENTENÇA REFORMADA - PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS - APELO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Para se constatar a abusividade de determinado patamar de juros remuneratórios em contrato bancário deve ser seguido o posicionamento adotado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual os juros remuneratórios abusivos são aqueles que, em uma relação de consumo, coloquem o consumidor em desvantagem exagerada e cabalmente demonstrada. 2. Quanto a capitalização mensal dos juros, cuida-se de matéria já pacificada na doutrina e na jurisprudência a adoção da súmula do colendo Supremo Tribunal Federal em seu verbete nº 121, que dispõe ser vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada. 3. E uma vez decretada a nulidade da cláusula contratual que prevê a cobrança da comissão de permanência, porque cumulada com outros encargos da mora e sem a previsão de índice expresso, impõe-se sua substituição pelo INPC, índice que melhor recompõe o valor da moeda. 4. VOTO VENCIDO. Evidenciada a ilegalidade da cobrança de juros capitalizados e de outros encargos contratuais abusivos pela instituição financeira, o consumidor tem direito à restituição em dobro daquilo que indevidamente pagou - inteligência do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. 5. Não há que ser repetido em dobro os valores decorrentes da nulidade de cláusulas contratuais, uma vez que as cobranças procedidas estavam sendo feitas com respaldo no próprio contrato e, portanto, não eram ilegais ou abusivas 6. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO, VENCIDO EM PARTE O RELATOR QUANTO À RESTITUIÇÃO EM DOBRO E VENCIDO EM PARTE O VOGAL QUANTO À COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.” (Apelação Cível n.º 1.0027.09.196480-2/001(1). 16ª Câmara Cível. Rel. Sebastião Pereira de Souza, D.J. 13/07/2011. D.P. 22/07/2011). (grifos nossos).

Além da Ação Direta de Inconstitucionalidade citada cima, o Supremo Tribunal Federal já sinalizou em duas outras oportunidades sobre a ilegalidade da capitalização de juros composta:

"Existem considerações de duas ordens a serem feitas com relação à MP 2.170-36, no que se refere à questão da capitalização. Referida medida provisória destinou-se a fixar regras sobre a administração dos recursos do Tesouro Nacional, não sendo razoável, portanto, a interpretação de que o Artigo 5º tem aplicação em qualquer operação financeira. Por outro lado, deve-se ter em conta que a Constituição Federal, no Art. 192, dispõe que o sistema financeiro nacional será regulado por leis complementares, e, no § 1.º, do Art. 62, veda a edição de medidas provisórias sobre matéria reservada a lei complementar (inc. III). Sendo, portanto, descabida a extensão que a agravante pretende dar ao dispositivo da referida medida provisória." (AGREsp 609379/RS). (grifei)

"AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. MP 2.170-36. INAPLICABILIDADE (...) Inaplicável a MP 2.170-36 sobre contratos de abertura de crédito..." (AGRESP 598155/RS, Agravo Regimental no Recurso Especial 2003/0179676-5, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 21.6.2004, p. 222). (grifei)

Por todas estas questões, fixamos nosso entendimento, salvo melhor juízo, na tese da manifesta inconstitucionalidade da medida provisória 2.170-36/2001 e continuamos a advogar a tese de que os juros não podem ser capitalizados de forma composta nem mesmo para os integrantes do Sistema Financeiro Nacional, pelo menos não em periodicidade inferior a um ano.

III – CONCLUSÃO

Certamente, as teses defendidas no presente trabalho causarão a repulsa de muitos, principalmente, aqueles que empunham a “falsa bandeira” do desenvolvimento político e econômico.

Não ignoramos que o desenvolvimento econômico do país exige instituições jurídicas sólidas, confiáveis. Afinal de contas, o investidor, no mundo globalizado tem um poder de escolha muito grande, sendo certo que este, em períodos de instabilidade migrará dos países em desenvolvimento para economias mais sólidas.

No entanto, o governo não consegue equilibrar as contas internas e externas sem o investidor estrangeiro, tampouco manter taxas de crescimento aceitáveis e os imprescindíveis investimentos sociais.

Necessário também voltar os olhos para o investidor interno que necessita de garantias do retorno de seu capital a taxas convidativas, para continuar a fomentar o desenvolvimento do país.

Ou seja, não somos daqueles que entendem pela existência da lei ou da jurisprudência num “vácuo” econômico e político, muito pelo contrário, sem embargo, é preciso convir que a visão apenas financeira dos problemas acaba por solapar diversos direitos e garantias fundamentais consagrados ao longo de séculos.

Imprescindível encontrar um ponto de equilíbrio, vez que o excesso nas concepções é que gera problemas de toda ordem.

Veja-se por exemplo que, diante da morosidade e ineficiência do Judiciário, foi criado um procedimento de expropriação extrajudicial, tal como consta da lei n.º 9.514/97, na exata medida em que para investir em imóveis e resolver o problema do déficit habitacional, o titular do capital precisa de uma certa margem de certeza para o retorno de seu investimento.

É certo que, pelo menos na visão do constitucionalista torna-se difícil conciliar a existência de um procedimento deste tipo com a letra do art.5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal. Por outro lado, torna-se também difícil não lhe advogar a necessidade diante da total falta de capacidade (no médio ou longo prazo) por parte do Judiciário em responder de maneira efetiva aos inúmeros problemas que surgem da compra e venda de imóveis a prestação.

Assim, tentamos analisar a questão sem os malefícios do sectarismo: nem a força normativa pura de Konrad Hesse nem os fatores reais do poder de Lassale[12]. Os problemas de pré-compreensão do intérprete/densificador das normas jurídicas já prejudicam sobremaneira a neutralidade da investigação científica.

Logo, quando atentos a visão jurídica em cotejo com o funcionamento de mercado, nossa conclusão continua sendo de que o ordenamento jurídico brasileiro não acolheu a tese dos juros capitalizados de forma composta em periocidade inferior a um para os integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

A Medida Provisória n.º 2.170-36/2001 não resiste ao cadinho depurador da constitucionalidade, muito pelo contrário, no rigor técnico a conclusão inarredável, seja pela inexistência dos requisitos da relevância e da urgência seja pela regulamentação própria de matéria reservada a lei complementar, é no sentido da desconformidade da espécie legislativa sob comento às determinações da Lei Maior.

Ainda que nos valêssemos do recurso a interpretação teleológica não conseguimos enxergar como o mercado financeiro se tornaria melhor pela possibilidade de capitalização de juros compostos em periodicidade inferior a um ano, até mesmo porque sua capitalização já é possível em períodos superiores a um ano.

O pequeno e médio empresário já encontram grandes dificuldades para sobreviver pagando juros a taxas elevadas (os empréstimos a taxas menos elevadas ficam, via de regra, para os grandes empresários que conseguem comprovar os requisitos para acesso a estas modalidades de crédito), que se dirá à possibilidade de que os juros por si só rendam novos juros em períodos inferiores a um ano.

É preciso conter um pouco da voracidade do Sistema Financeiro e privilegiar os empreendedores do país que ainda apostam na produção de bens e serviços como forma de gerar riquezas e benefícios para a comunidade.

Esperamos sinceramente que o Supremo Tribunal Federal, cuja importância vem crescendo na história brasileira, utilize-se da sua condição de guardião da Constituição Brasileira, e termine por julgar inconstitucional a medida provisória n.º 2.170-36/2001.

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[1] Não apenas estas, no sentido restritivo, mas igualmente as normas-princípio.

[2] Ver sobre princípios setoriais a obra de Luis Roberto Barroso, Intepretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7ª ed., revista. São Paulo: Saraiva, 2009, p.377 e seguintes.

[3] Para discussão interessante sobre normas-regra e princípios sugere-se a leitura de Ronald Dworking, Levando os Direitos a Sério. 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 23 a 127 e também Rober Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p.85 a 177. Importante se mostra a leitura de duas obras contemporâneas, uma de Humberto de Ávila. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed., ampliada. São Paulo: Malheiros, 2011 (recomenda-se a leitura integral da obra) e a outra de Virgílio Afonso da Silva, A Constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 1ª ed., 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 29 a 38.

[4] In José Afonso da Silva. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p.63 a 166.

[5] O tema é tratado com maestria por José Joaquim Gomes Canotilho em sua tese de doutoramento Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. O grande problema no ordenamento jurídico brasileiro é que tanto a impetração do mandado de injunção (art.5, inciso LXXI) quanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (art.103, §2º) não tem o condão de compelir o Legislativo a sanar a omissão diante da discricionariedade deste Poder da República.

[6] Sobre a existência de um princípio de Justiça Contratual inerente a todas as formas contratuais recomenda-se a leitura da tese de doutoramento de Fernando Rodrigues Martins, Princípio da Justiça Contratual. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011. E ainda, sobre as revisões contratuais veja-se Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 7ª ed., São Paulo: RT, 2011. Também, FRANTZ, Laura Coradini, Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007.

[7] Os dispute of boards e os Contratos de Construção in Processo Imobiliário. São Paulo: Forense, 2011, p.352

[8] Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p.524).

[9] Curso de Direito Tributário. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p.50).

[10] Juros no Direito Brasileiro. 3ª ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2009, p.298-299).

[11] Direito Constitucional. 9ª ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 1999, p.540.

[12] Para mais amplas investigações vide A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991 e ainda O que é uma Constituição? 3ª ed., Sorocaba: Minelli, 2006.

Assuntos: Consumidor, Direito Bancário, Direito do consumidor, Direito processual civil

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