Acumulação Ilícita de Cargos Públicos e o "Suposto" Direito de Ressarcimento do Erário

18/07/2012. Enviado por

O presente artigo mostra como indevida a postulação de devolução de vencimentos de servidores públicos que efetivamente trabalharam para o ente de Direito Público, por constituir-se verdadeiro enriquecimento ilícito.

O servidor público que acumula duas situações funcionais incompatíveis entre si, por não ter guarida legal nas exceções previstas no art.37, XVI, da CF, e faz a opção por uma delas, antes do encerramento do seu prazo de defesa em processo administrativo disciplinar (art. 133, § 5º, Lei nº 8.112/60), neste caso, não há que se falar no cometimento de ato de Improbidade Administrativa.

Noutro quadrante, o servidor público, que mesmo cientificado em processo administrativo disciplinar que acumula irregularmente dois cargos/empregos ilicitamente e não opta por uma das situações, da mesma forma, não existe a possibilidade jurídica de Ação de Improbidade Administrativa para que ocorra a devolução do que foi pago pelo erário, pelo simples fato de ser vedado o trabalho gratuito ou escravo no nosso país.

Constitui direito fundamental de todos os trabalhadores, independentemente de serem ou não servidores públicos, o direito de não serem explorados pelos seus tomadores de serviço, consoante o artigo 4º, 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948, que aboliu o trabalho gratuito ou forçado.

A devolução de valores recebidos, mesmo que de forma irregular pelo servidor público, seria visto como uma verdadeira ilegalidade e arbitrariedade, por ter sido recebida como uma contraprestação pecuniária pelo trabalho/função exercida em prol do serviço público. Ou seja, o recebimento de remuneração como uma contraprestação pecuniária é inalienável e pertence ao patrimônio jurídico de quem foi destinatário do mesmo.

Ademais, somente haveria a possibilidade jurídica de dano ao erário, e conseqüentemente a pseudo devolução do que efetivamente foi recebido, quando fosse constatado que o servidor que acumulava irregularmente dois vínculos públicos não trabalhou em um deles, apesar de ter recebido habitualmente seus vencimentos. Nesta hipótese, onde o servidor público era “fantasma”, recebendo seus estipêndios sem o devido trabalho, deverá haver a devolução das parcelas recebidas e não trabalhadas.

Nesta situação jurídica é que se admite este tipo de devolução, pois é uma situação vergonhosa o erário ser lesado de forma tão violenta e com tamanho ardil. Do contrário não, pois as vantagens recebidas como uma contraprestação da função pública exercida pelo agente público não podem sofrer penhora e nem turbações.

A devolução de valores correspondentes à prestação de um serviço público, mesmo que praticado de forma irregular, pelo fato de ser objeto de uma acumulação de cargos ilícita, corresponde ao enriquecimento indevido do poder público. Exatamente nesse sentido, interessante é a situação jurídica de servidores públicos que foram admitidos sem a submissão ao concurso público de provas e de títulos, a que alude o art. 37, II, CF, onde o Ministério Público postulava a devolução dos valores recebidos pelo desempenho das aludidas funções públicas, de forma inconstitucional.

Acertadamente, o STJ afastou a devolução dos valores correspondentes ao trabalho desempenhado pelos aludidos servidores públicos contratados sem o devido e necessário certame.

Ante o exposto, se mostra indevida a postulação de devolução de vencimentos de servidores públicos que efetivamente trabalharam para o ente de Direito Público, por constituir-se verdadeiro enriquecimento ilícito tal pleito. Em assim sendo, resta indevida a devolução das quantias percebidas pelo servidor público, desde que correspondam a uma contraprestação pelo exercício de uma função pública mesmo que ela tenha sido exercida de forma irregular.

Ramirez Augusto Pessoa Fernandes (OAB/RN nº 4.234) – Conselheiro Estadual da OAB Seccional do Rio Grande do Norte

Assuntos: Concurso Público, Direito Administrativo, Direitos trabalhistas, Funcionário público

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