Comentários ao Projeto de Lei da Câmara dos Deputados Nº 3302/2010

07/11/2011. Enviado por

Tema de grande relevância, não só teórica como pratica, é a questão de se determinar o dies a quo do prazo para cumprimento “voluntário” da obrigação de pagar quantia certa, fixada em sentença ou após procedimento de liquidação

A fim de se apurar quando passa a incidir a multa de 10% sobre o valor da condenação prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil (CPC), em sua redação atual (conferida pela lei nº 11.232/05).

De fato, o legislador não deixou claro quando tal penalidade passa a ser exigível, gerando a discussão na práxis forense. Surgiram, quanto a essa questão, duas posições, quais sejam: a) o prazo para cumprimento “voluntário” da obrigação pecuniária fixada em sentença começa a fluir após o trânsito em julgado desta, incidindo, automaticamente, a multa caso o devedor permaneça inerte após tal lapso temporal; b) o termo inicial do prazo de 15 dias para que o devedor pague a quantia a que foi condenado somente começa a fluir a partir de sua intimação para tal finalidade.

De acordo com a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o segundo entendimento prevalece, conforme se depreende da análise dos seguintes arestos:

AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. COISA JULGADA. ART. 475-J, CPC. MULTA. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. ART. 557, §2º, CPC.

1. Uma vez transitada em julgado a decisão condenatória, as questões ali definidas não comportam novas discussões na fase de execução. 2. A fase de cumprimento de sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada. 3. Concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário do crédito exequendo, o não pagamento no prazo de quinze dias importará na incidência sobre o montante da condenação de multa no percentual de dez por cento (art. 475-J do CPC), compreendendo-se o termo inicial do referido prazo o primeiro dia útil posterior à data da publicação de intimação do devedor na pessoa de seu advogado.[...] [i]

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. ART. 475-J DO CPC. MULTA. PRAZO. INTIMAÇÃO COMPROVADA.  MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. EXCLUSÃO DA MULTA IMPOSTA. AUSÊNCIA DE INEQUÍVOCO CARÁTER PROTELATÓRIO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR. MULTA PREVISTA NO ART. ART. 475-J DO CPC. TERMO A QUO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. 1. O devedor deve ser intimado, por intermédio de advogado, para o cumprimento espontâneo de decisão condenatória ao pagamento de quantia certa, no prazo de 15 dias, a partir do qual incide a multa prevista no art. 475-J do CPC, independentemente de nova intimação. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1134345/RS, QUARTA TURMA, DJe 09/11/2009; AgRg Ag 1080378/RS, QUARTA TURMA, DJe 27/04/2009; REsp 1087606/RJ, SEGUNDA TURMA, DJe 23/04/2009. 2. O STJ, em recente julgado de uma de suas turmas, versando sobre a exegese do art. 475-J do CPC, na redação que lhe deu a Lei n. 11.232/2005, decidiu que: "(...)1. O cumprimento da sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada. 2. Na hipótese em que o trânsito em julgado da sentença condenatória com força de executiva (sentença executiva) ocorrer em sede de instância recursal (STF, STJ, TJ E TRF), após a baixa dos autos à Comarca de origem e a aposição do "cumpra-se" pelo juiz de primeiro grau, o devedor haverá de ser intimado na pessoa do seu advogado, por publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de quinze dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir sobre o montante da condenação, a multa de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil. (REsp 940274/MS, Rel. Ministro  HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/04/2010, DJe 31/05/2010)[...] [ii]

[i] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1307106/RS. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 19 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=ARTIGO+475-J,+CPC&b=ACOR>. Acesso em: 13 de dezembro de 2010. [ii] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1159329/SC. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 21 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=ARTIGO+475-J,+CPC&b=ACOR>. Acesso em: 13 de dezembro de 2010.

Com o devido respeito ao entendimento do Colendo STJ, ousamos discordar, considerando as exigências do atual estágio da evolução científica do Direito Processual, que busca conferir maior efetividade e celeridade aos processos.

É que as partes já tem conhecimento da sentença, através dos atos ordinários de comunicação processual, contrariando, pois, toda a lógica o fato de se condicionar o cumprimento da mesma a uma nova intimação do executado para cientificá-lo daquilo que já sabe existir: a condenação (transitada em julgado) que pesa contra si e que deve ser respeitada e cumprida.

O projeto de lei ora em análise acompanha o entendimento hodierno do STJ, uma vez que propõe a seguinte redação para o mencionado art. 475-J do CPC:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetuar no prazo de quinze dias, a contar da data de sua intimação pessoal, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. [g.n.] [i]

[i] BRASIL. Congresso. Câmara. Projeto de Lei nº 3302, de 2008. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/556629.pdf>. Acesso em: 13 de dezembro de 2010.

Novamente pedimos vênia para discordar da citada proposição, haja vista que, como já se registrou, o atual estágio de desenvolvimento científico do Direito Processual Civil busca garantir maior efetividade aos processos, sobretudo pela ótica da celeridade, de forma que atos processuais desnecessários são rechaçados.

Indubitavelmente, a intimação do executado, após o trânsito em julgado da sentença, para que dê cumprimento à mesma, é ato totalmente dispensável, uma vez que, como também já fora consignado, as partes já estão cientes do provimento judicial através dos meios ordinários de comunicação processual, ou, em outras palavras, já tiveram acesso ao comando judicial através de publicação ou mesmo porque foram intimadas quando da sua prolação.

Por este motivo, não obstante o entendimento jurisprudencial majoritário em sentido diverso, somos pela não conversão do analisado projeto em lei, por entendermos que o mesmo não está em harmonia com a fase contemporânea do Direito Processual Civil, pautada pela “simplificação” do processo, com vistas a dotar-lhe de maior celeridade e efetividade, o que passa, necessariamente, pela abolição de atos e institutos com excessivo caráter burocrático.

[1] Este trabalho consiste numa adaptação e atualização de tópico da monografia do autor, apresentada no ano de 2010, como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Publicado, também, em: Portal COAD, 15/12/10 (disponível em: http://www.coad.com.br/index.php?class=interface_frontend_busca&method=show_detalhe&id_r

egistro=2295&id_tipo=42); Site JuridicaMENTE, 10/05/11 (disponível em: http://www.juridicamente.net/index.php?option=com_content&view=article&id=65:joao-ricardo-imperes-lira&catid=41:direito-processual-civil).

[1] Advogado (OAB/PI nº 7985). Atualmente cursando Especialização em Direito Civil/Processual Civil no Centro de Ensino Unificado de Teresina (CEUT). Contato: jricardoil@yahoo.com.br.

[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1307106/RS. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 19 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=ARTIGO+475-J,+CPC&b=ACOR>. Acesso em: 13 de dezembro de 2010.

[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1159329/SC. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 21 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=ARTIGO+475-J,+CPC&b=ACOR>. Acesso em: 13 de dezembro de 2010.

[1] BRASIL. Congresso. Câmara. Projeto de Lei nº 3302, de 2008. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/556629.pdf>. Acesso em: 13 de dezembro de 2010.

Assuntos: Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito processual civil

Comentários ( Nota: 5 / 1 comentários )

Fale com advogados agora


Compartilhe com seus amigos

Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+