Ofender policial militar pode gerar indenização

09/07/2013. Enviado por

A utilização de redes sociais da internet, ou qualquer meio público que possa ser veiculado ofensas, “chacotas” e agressões a honra e a dignidade do policial militar, será responsabilizada proporcionalmente ao dano causado.

Fora todos os acontecimentos recentes que eclodiram em todo território nacional, um fato bastante relevante e que causou muita polêmica entre os críticos e juristas nacionais, é o caso da cantora Rita Lee, a qual agrediu com palavrões os policiai militares que estavam trabalhando em seu show, por entender que os mesmo estariam sendo agressivos com a platéia e interrompendo o seu espetáculo.

Os policiais militares que ali estavam, descontentes e irresignados com a atitude da cantora, uma figura pública, formadora de opinião, ingressaram com uma ação indenizatória por danos morais, pois, diante de um numeroso público, ofendeu e fez apologia ao uso de drogas, surtindo um sentimento de revolta popular contra os profissionais da segurança pública, podendo, inclusive, ter ocasionado uma situação mais trágica.

Embora tenha sido absolvida em primeira instância, a Turma Recursal do Tribunal de Justiça de Sergipe – TJ/SE, por maioria de votos, entendeu que o comportamento de Rita Lee não foi correto. Diógenes Barreto, juiz presidente do órgão, por exemplo, afirmou: “Não tinha razão de uma atitude como aquela naquele momento. É a primeira vez que eu vejo a polícia reclamando de alguém do evento. Por um instante Rita Lee perdeu a lucidez, ofendeu a polícia e fez apologia ao uso de drogas”.

O juiz relator do recurso, Marcos de Oliveira, não entendeu diferente, pois em seu voto registrou: “Afasto o argumento de que o dano moral não pode ser reconhecido pelo simples fato de que nenhum policial fora individualizado ou nominalmente identificado, uma vez que as agressões alcançaram todos os policiais que se encontravam exercendo suas atribuições no citado evento, estivessem eles próximos ao palco ou não, já que as agressões foram disparadas em público e para que toda a plateia ouvisse”.

Embora a nossa Constituição Federal de 1988 diga em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, é público e notório a discriminação e o preconceito existente com o policial militar nos dias atuais.

Assim como a cantora Rita Lee, muitos se acham no direito de externar criticas aos trabalhos do policial militar, expondo comentários desabonadores e ofensivos na internet, em redes sociais, esquecendo-se de que muitos desses comentários ultrapassam o mero dissabor e o descontentamento do cotidiano profissional, pois esse tipo de dispositivo atinge uma quantidade elevada de usuários.

Sobre a égide da profissão, torna-se imperioso entender os efeitos de uma atitude desabonadora erigida contra um policial militar. Nesse diapasão, PAULO BENHUR DE OLIVEIRA COSTA [1], Oficial da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, explica um pouco sobre a Ética Policial-Militar:

“Conjunto de preceitos que emanam do valor policial militar e que servem de diretrizes para o Militar Estadual, estipulando os deveres que devem ser seguidos no desempenho de suas funções públicas e de âmbito moral da conduta do Militar Estadual no seu convívio em sociedade. Tais preceitos impõem aos integrantes da Brigada Militar conduta profissional e moral irrepreensível. Significa dizer que bastará a prática de uma transgressão de natureza grave e que afronte ostensivamente os preceitos éticos da Instituição para se comprometer toda a carreira do Militar Estadual.” Grifou-se.

Resta evidente, portanto, o quanto os valores morais e éticos são importantes para a carreira de um policial militar, servindo de base para toda a sua vida corporativa, onde qualquer abalo desabonador pode lhe causar um enorme prejuízo profissional e moral.

Assim, nada mais justo do que julgar as atitudes desabonadoras e caluniosas que ultrapassem os valores éticos e morais, condenando-as a reparar os danos causados a honra e a dignidade dos profissionais atingidos.

ANTÔNIO JEOVÁ SANTOS [2] diz que “seria escandaloso que alguém causasse mal a outrem e não sofresse nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido.”

Segundo o entendimento de Yussef Said Cahali [3], dano moral é “tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado.”

Seguindo essa linha de pensamento, diz Carlos Alberto Bittar [4]:

“Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos das personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)”.

Quanto a definição de “honra”, MARIA HELENA DINIZ [5] traz a lume a seguinte definição:

“Honra. Bem jurídico que apresenta dois aspectos: a) um subjetivo, o qual designa o sentimento da própria dignidade moral, nascido da consciência de nossas virtudes ou de nosso valor moral, isto é, a honra em sentido estrito; b) um objetivo, representado pela estimação que outrem faz de nossas qualidades morais e de nosso valor social, indicando a boa reputação moral e profissional que pode ser afetada pela injúria, calúnia ou difamação”.

Em síntese, incidirá a reparação moral sempre que houver abalo injustificado à honra alheia. Sendo assim, dispõe a Constituição Federal [6] em seus artigos 1º e 5º, in verbis:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;”

Art. 5º - (...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, MORAL ou à imagem.

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

Respaldado pelo Código Civil de 2002 [6]que trás diversos artigos sobre esse assunto, vejamos a transcrição:

Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 953 – A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.

Corroborando a tudo, ensina ANTÔNIO JOSÉ DE SOUZA LEVENHAGEM [7]:

“Segundo o artigo 186 em estudo, o direito a indenização surge sempre que, da atuação do agente, voluntária ou não, decorrer um prejuízo. Não importa que esta atuação tenha sido dolosa ou por simples culpa; desde que dela decorreu um prejuízo, impõe-se a indenização”.

Embora a Constituição Federal garanta a todos a liberdade de expressão, não poderá essa liberdade, havendo aparente conflito de princípios, sobrepujar aos princípios da dignidade da pessoa humana, a vida privada, a honra e a imagem. Do contrário, o dever de indenizar decorre da simples existência do fato e da autoria:

EMENTA (TJ/SP): RESPONSABILIDADE CIVIL. LIBERDADE DE IMPRENSA. NOTÍCIA PUBLICADA PELA RÉ COM DADOS EQUIVOCADOS. A ré imputou, por equívoco, ao autor, policial militar, a responsabilidade pela morte de criminoso acusado de tentativa de roubo. Pretensão do autor à indenização por danos morais. 1. A ré, valendo-se do direito à manifestação livre do pensamento e da informação, terminou por violar a honra do autor, que foi retratado como responsável pela morte de criminoso. Não se trata, destarte, de apagar a história publicada, mas de reparar a ofensa que fora praticada. A reportagem, sem dúvida, causou temor ao autor, policial militar, pois representou risco à sua vida. Não se afasta a possibilidade de que fosse procurado por outros criminosos para vingança. 2. A Constituição Federal garante a liberdade de imprensa (art. 220, da Constituição Federal). Entretanto, a Constituição Federal também garantiu a indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, inc. V) e considerou invioláveis a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, inc. X). Houve, portanto, a imposição de limite à plena liberdade de imprensa. O exercício deste direito, previsto na Constituição, não pode violar direitos fundamentais igualmente estabelecidos na Constituição. Aplicação do mecanismo constitucional de calibração de princípios. Precedente do STF (ADPF 130). 3. A informação transmitida não era verdadeira e foi expressamente impugnada pelo autor. Assim, não pode a ré se valer da prerrogativa de liberdade de informação. Portanto, deve responder pela ofensa à honra do autor.Sentença de procedência do pedido mantida. Recurso não provido. (TJ-SP - APL: 616391020108260506 SP 0061639-10.2010.8.26.0506, Relator: Carlos Alberto Garbi, Data de Julgamento: 30/10/2012, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/11/2012). Grifou-se.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul se manifestado acerca desse tema, conforme se percebe:

EMENTA (TJ/RS): RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE ATIVA. Comunidade criada no Orkut com vistas a atingir unicamente os policiais militares da cidade de Porto Xavier. ILEGITIMIDADE PASSIVA. A alegação de que, à época da propositura da ação, havia menores no pólo passivo, e que somente o criador do `site deveria figurar no polo passivo que não merece acolhida. Preliminares rejeitadas. LEI DE IMPRENSA. Não-aplicável à hipótese dos autos. Hipótese em que a demanda pode (e deve) ser analisada frente a legislação civilista. CARÊNCIA DE AÇÃO. Demonstrado o interesse de agir da parte autora relativo ao pedido de indenização por danos morais, bem como a legitimidade da ré a figurar no pólo passivo de demanda em que o consumidor postula o ressarcimento de prejuízos decorrentes da falha na prestação de serviço. MÉRITO. Caso em que os autores, policiais militares da cidade de Porto Xavier/RS, pretendem, frente aos demandados, o recebimento de indenização pelos danos morais sofridos em virtude de comunidade da Internet, criada com conteúdo ofensivo no site denominado ORKUT, e no qual os demandados inseriram conteúdos ofensivos à honra e à imagem dos policiais da localidade. Configurados, no caso, o nexo causal entre a conduta, o resultado e o fato, o julgamento de procedência da ação, nos moldes do que consta na fundamentação sentencial vergastada, era medida que se impunha. Indenização não deve ser em valor ínfimo, nem tão elevada que torne desinteressante a própria inexistência do fato. Atenção às particularidades das circunstâncias fáticas. Indenização reduzida. Preliminares rejeitadas. Apelações providas em parte. Decisão unânime. (Apelação Cível Nº 70038544904, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 29/03/2012). Grifou-se.

Como visto, os prejuízos extrapatrimoniais suportados pela vítima de um dano moral, por publicações mentirosas e desabonadoras, independem de prova material, bastando, para aflorar o direito à reparação moral a comprovação da prática antijurídica perpetrada pelo ofensor.

Conclui-se, contudo, que a liberdade de expressar opiniões, embora meio legítimo de fiscalização popular garantido pela própria Constituição Federal, tem limites pautados pela razoabilidade e proporcionalidade, ao passo que, extrapolando-a, chegando ao ponto de fazer menções desabonadoras e criminosas, ofendendo a honra e a dignidade moral dos policiais militares no exercício de suas funções, deixa de ser uma mera expressão/informação e passa a ser um ato criminoso, sujeito a reparação indenizatória.

 

REFERÊNCIAS:

[1] – COSTA, Paulo Benhur de Oliveira. Comentários ao Estatuto dos Militares Estaduais, Rio Grande do Sul, EST Edições, 2006, p.50;

[2] – SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável, 2ª ed., São Paulo, LEJUS, 1999, p.159;
[3] – CAHALI, Yussef Said. Dano moral, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, p. 396;

[4] –  BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais, n.º 7, p. 41, in CAHALI, Yussef Said, Idem;

[5] – DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, v. 2, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 738;
[6] – Vade Mecum Legislação selecionada para OAB e Concursos / coordenação Darlan Barroso, Marco Antônio de Araujo Júnior. – 5. Ed. Ver., ampl. E atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. – (Coleção RT Códigos);

[7] – LEVENHAGEM, Antônio José de Souza. Código Civil Comentado, Parte Geral, De. Atlas, vol. I, pg. 210.

Assuntos: Direito Penal, Direito processual penal, Militar

Comentários ( Nota: 3.33 / 3 comentários )

Fale com advogados agora


Compartilhe com seus amigos

Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+