O modelo consensual de justiça e as medidas despenalizadoras dos Juizados Especiais Criminais.

05/03/2018. Enviado por

O presente artigo apresenta uma reflexão voltada ao fortalecimento da prática da conciliação como meio alternativo à resolução de litígios na Justiça Criminal, destacando as medidas despenalizadoras da Lei n. 9.099/95.

O modelo consensual de justiça e as medidas despenalizadoras dos Juizados Especiais Criminais

 

RESUMO: O presente artigo apresenta uma reflexão voltada ao fortalecimento da prática da conciliação como meio alternativo à resolução de litígios na Justiça Criminal, destacando as medidas despenalizadoras da Lei n. 9.099/95: a composição dos danos civis, a transação penal e a suspensão condicional do processo, tendo em vista que tais medidas introduziram no ordenamento jurídico penal pátrio um modelo consensual de justiça mais rápida, mais efetiva, mais democrática e menos repressiva, buscando incutir na mente da sociedade brasileira a cultura do diálogo e da paz.

Palavras-chave: Juizados Especiais Criminais, conciliação, medidas despenalizadoras.

 

 Introdução

Diante das mudanças sociais, do aumento da criminalidade, do fracasso do caráter ressocializador das penas privativas de liberdade, da morosidade do Poder Judiciário e, portanto, da crise do Direito e do Sistema Penal, criou-se nos últimos anos uma forte demanda por “políticas criminais duras”, em que a própria sociedade é defensora de que a imposição de castigo e dor compõem o conceito de justiça e que o diálogo e a tolerância não podem fazer parte desta. A função jurisdicional estatal, que é quem deveria evitar esta crise, já não oferece respostas à conflituosidade produzida pela complexa sociedade. Ocorre que essas constatações propiciam a perda da confiança na justiça e faz com que a sociedade busque um novo modelo jurisdicional frente à ineficiência das tradicionais formas de tratamento de conflitos existentes. Dessa forma, a conciliação surge como possibilidade de tratamento mais adequado ao problema, uma vez que propõe um novo modelo, uma nova cultura, que vai além da jurisdição tradicional. Com o objetivo de restabelecer a comunicação, restaurar a harmonia e fazer ressurgir a tranquilidade, a Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro um novo modelo de Justiça Criminal, fundada na ideia do consenso. Para tanto, disciplinou três medidas despenalizadoras: a composição dos danos civis, onde as partes buscam junto ao conciliador resolverem amigavelmente o conflito e obterem a satisfação dos danos; a transação penal oferecida pelo Ministério Público ao autor do fato, consistente em uma prestação em dinheiro ou em serviços a uma entidade carente; e a suspensão condicional do processo, de dois a quatro anos, até que sejam cumpridas as condições aceitas e estabelecidas em audiência. Justamente por tais atributos, a Lei dos Juizados Especiais Criminais mostrou-se indiscutivelmente a via mais promissora da tão esperada desburocratização da Justiça Criminal, permitindo a pronta resposta estatal ao cometimento da infração de menor potencial ofensivo, a imediata reparação dos danos à vítima, a ressocialização do autor do fato, sua não reincidência e, com o cumprimento das medidas despenalizadoras mencionadas, a extinção da punibilidade, gerando uma enorme economia de atos e gastos processuais. Tem-se uma “justiça de proximidade” que incentiva às partes a reconciliarem entre si, alcançando a tão almejada pacificação social, bem como evitando o encarceramento. Nesse sentido, a proposta do presente artigo, no marco dos vinte anos de vigência da Lei n. 9.099/95 é confirmar que, com as medidas despenalizadoras e o modelo consensual de justiça dos Juizados Especiais Criminais, se consegue atingir o verdadeiro escopo da justiça criminal: prevenir novos delitos evitando novas lides.

 

I – A crise do sistema penal e a nova postura da Justiça Antes da estruturação do Estado, os litígios interpessoais eram solucionados através da autotutela, onde sempre prevalecia à decisão do mais forte ou do mais ousado sobre o mais fraco. Essa forma de justiça particular tinha como maior representante a vingança privada, que era uma forma utilizada para se reparar ou retribuir um dano causado por alguém. Contudo, a partir da organização do Estado, a autotutela deu lugar à Justiça Pública e o Estado passou a se impor sobre os particulares, decidindo seus conflitos. Com a criação dos Estados Modernos, estes tomaram para si o poder de punir todos aqueles indivíduos que cometessem algum ato criminoso, pois o crime, além de atacar a sua vítima imediata, ofendia também o soberano, já que a força da lei era a força do príncipe. Daí surgiu à pretensão punitiva do Estado, pela necessidade de manifestar o seu poder e mostrar sua soberania frente aos governados. O que se buscava nessa época era principalmente a punição do ofensor para que este pudesse servir de exemplo aos demais. A resolução do conflito, nesta fase, não visava reparação dos danos causados e, muito menos, o envolvimento das partes diretamente atingidas. O direito/dever de punir do Estado, até a segunda metade do século XVIII era exercido através das penas corporais, destacando-se a pena de morte e as mutilações. A partir daí, seus resultados demonstraram a necessidade de mudanças urgentes no Sistema Penal. A crise da pena de morte deu origem a uma nova modalidade de sanção penal: a pena privativa de liberdade. Segundo Eugênio Raul Zaffaroni (2002, p. 271), com destaque à Beccaria, grande precursor de tal pensamento: Com sua obra Dos delitos e das penas, Beccaria contribuiu para a reforma do Direito Penal, por meio da crítica à crueldade reinante no sistema punitivo, defendendo a humanização das penas, que não poderiam consistir em um ato de violência contra o cidadão, devendo ser pública, proporcional ao delito e previamente determinada pela lei. Todavia, passada a euforia inicial com a qual a pena de prisão era a regra, os resultados obtidos naquela época não ratificaram as pretensões iniciais, eis que a mencionada pena não estava cumprindo os fins a que foi prometida, ou seja, pouco intimidava não ressocializava, bem como não neutralizava a conduta criminal. Pelo contrário, trouxe sérios problemas como a superlotação carcerária, o elevado índice de reincidência, condições de vida e de higiene precárias e efeitos sociológicos e psicológicos negativos produzidos pela prisão. Durante muito tempo a pena foi à única forma de se obter uma solução satisfatória para os conflitos. Havia uma cultura voltada totalmente para o litígio, pela crença tão somente do intermédio de sentenças e severas punições. Diante da mencionada crise, o doutrinador Luiz Flávio Gomes (1997, p. 111) expôs a linha de pensamento de Louk Hulsman, que advoga pelo absolicionismo radical: A meta do abolicionismo de Hulsman é o desaparecimento do sistema penal, mas isso não significa abolir todas as formas coercitivas de controle social. A sociedade, aliás, já conta com inúmeras formas não-penais de solução de conflitos (reparação civil, acordo, perdão, arbitragens, etc.). A prisão, [segundo o autor], não é útil e despersonaliza e dessocializa o preso; o sistema penal, de outro lado, é muito burocratizado (não escuta bem as pessoas envolvidas nos conflitos, procura reconstruir os fatos de maneira superficial [...]) ele, ademais, conforme Nils Christie, ‘’rouba o conflito’’ das pessoas envolvidas, isto é, marginaliza a vítima de tal forma que se torna impossível qualquer contato entre ela e seu agressor. É nessa vertente que se guia a Lei n. 9.099/95. A sociedade mostrouse ciente da necessidade de desapegar-se da visão de que só é possível a resolução de um conflito quando houver intervenção estatal ou por um caminho exclusivo e, passou a construir a ideia de que um sistema de solução de litígios é eficiente quando conta com procedimentos e medidas que procuram ao mesmo tempo, prevenir o crime e ressocializar o autor do fato.

 

1.1 – Do modelo consensual de Justiça dos Juizados Especiais Criminais

 

A prática forense ensina que a melhor sentença não tem maior valor que o mais singelo dos acordos. A jurisdição, enquanto atividade meramente substitutiva dirime o litígio, do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos, mas na imensa maioria das vezes, ao contrário de eliminar o conflito subjetivo entre as partes, o incrementa, gerando maior animosidade e, em grande escala, transferência de responsabilidades pela derrota judicial: a parte vencida dificilmente reconhece que seu direito não era melhor que o da outra e, não raro, credita ao Poder Judiciário a responsabilidade pelo revés em suas expectativas. O vencido dificilmente é convencido pela sentença e o ressentimento, decorrente do julgamento, fomenta novas lides, em um círculo vicioso. Conciliar significa ficar em paz, tranquilizar-se, entrar em acordo com outrem, fazer aliança, juntar-se, harmonizar coisas contrárias. No âmbito do Direito, entende-se por conciliação o ato realizado entre as partes litigantes em que se chega a um acordo com o objetivo de pôr fim à demanda, ou parte dela. Na conciliação, diferentemente, não existem vencedores nem perdedores. São as partes que constroem a solução para os próprios problemas, tornando-se responsáveis pelos compromissos que assumem, resgatando, tanto quanto possível, a capacidade de relacionamento. Nesse mecanismo, o papel do juiz não é menos importante, pois é aqui que ele cumpre sua missão de pacificar verdadeiramente o conflito. A ministra Ellen Gracie (2007), esclarece: A conciliação é caminho para a construção de uma convivência mais pacífica. O entendimento entre as partes é sempre a melhor forma para que a Justiça prevaleça. O objetivo é uma sociedade capaz de enfrentar suas controvérsias de modo menos litigiosos, valendo-se da conciliação, orientada por pessoas qualificadas, para diminuir o tempo na busca da solução de conflitos e reduzir o número de processos, contribuindo, assim, para o alcance da paz social. Disponível em: . Acesso em: 9 ago. 2015. A Conciliação, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, pode ser realizada de duas maneiras distintas. Primeiramente, pela simples ausência do desejo de dar continuidade ao processo por parte da vítima. Não raros são os casos em que, de maneira extraprocessual, as partes já se conciliaram, não havendo mais qualquer litígio entre estas, existindo ainda as ocasiões em que, durante a audiência, ocorre a conciliação, seja através de diálogo ou através de um pedido de desculpas. Desta forma, basta que durante a audiência a vítima manifeste o desejo de não representar contra o autor dos fatos e será extinta sua punibilidade, com fulcro no artigo 107, inciso IV do Código Penal. Há ainda as ocasiões em que o ilícito penal vem juntamente com dano civil. Nestes casos, durante a audiência preliminar a vitima deverá expor quais foram os danos causados e exigir a reparação deles para que deixe de representar contra o autor dos fatos, pois uma vez aceito o acordo a não representação se torna condicionada à reparação civil dos danos. Assim, o processo deve aguardar até que seja comprovada a reparação civil, com prazos limitados, de maneira a que não ocorra a prescrição ou decadência. Uma vez homologado o acordo pelo Juiz, fica o autor do fato incumbido de dentro do prazo estipulado comprovar a reparação civil do dano, seja esta qual for. Cabe é claro ao autor do fato concordar ou não com o acordo proposto, mesmo porque nestes casos preliminares não se chega nunca ao mérito da questão. Como se vê, diferentemente do que ocorre no processo tradicional, nos Juizados Especiais Criminais são as partes que constroem a solução para o conflito que as atormentam e, portanto, tornam-se responsáveis pelos compromissos que assumem ao conciliar. Há, certamente, um resgate da capacidade de se relacionar com o outro, onde o papel do juiz, juntamente com o conciliador e o parquet, efetivamente é o de eliminarem o conflito. Esse modelo consensual de Justiça Criminal, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei n. 9.099/95, é benéfico não só para o acusado, mas também para a vítima. Para aquele porque concede nova oportunidade de solucionar seu problema, e da melhor maneira possível, evitando o processo penal, o qual já é uma forma de castigo para aqueles indiciados que jamais tiveram problemas com a justiça criminal. Para a vítima, porque oferece a oportunidade de ver o dano sofrido reparado, seja por um pedido de desculpas ou através de um acordo. É também para o Ministério Público e para o Poder Judiciário, porque oportuniza o desafogar dos escaninhos, tornando a resposta estatal da justiça mais célere. Nos Juizados Especiais Criminais a conciliação pode ser obtida quando a vítima não manifesta interesse em representar ou apresentar queixacrime contra o autor do fato, mediante o compromisso dele de não mais importunar o ofendido, deixando-o em paz, podendo acarretar com isto, a renúncia, o sobrestamento do feito ou a decadência. Deve-se ater que, em se tratando de ação penal pública condicionada ou de ação penal privada, há a atuação direta dos conciliadores na audiência preliminar, objetivando a tentativa de conciliação. O conciliador deve evitar emitir qualquer opinião sobre o mérito da causa e objetivar sempre aconselhar, orientar e pacificar, indicando as vantagens da conciliação para que as partes cheguem a um entendimento e encerrem a controvérsia. A função do conciliador é muito importante porque, com o acordo, não há vencedores nem vencidos, todos ficam satisfeitos com o resultado. O conciliador poderá viabilizar o entendimento entre as partes, propondo que o ofendido renuncie seu direito de prosseguir com a demanda, sobre a condição de que o autor do fato não mais o importune ou que se retrate dos fatos ocorridos. Deriva daí vários requisitos para a correta condução das vias conciliativas: a necessidade de uma adequada mentalidade do conciliador que devera buscar o acordo entre as partes; a conscientização de que pela conciliação se atinge seu fim maior, que é a pacificação social; o respeito às vontades das partes, limitando-se o mediador a aconselhar, pacificar e indicar as vantagens da conciliação, sem pressões de qualquer sorte. Porém, alguns empecilhos são decorrentes da formação dos profissionais do direito, fator que precisa ser urgentemente repensado, uma vez que não existe, na formação do profissional do Direito, o ensino da conciliação e a sua valoração como forma eficaz de resolução da lide, tendo em vista que os cursos de Direito e a própria doutrina estudada nas universidades divulgam a litigiosidade, a formalidade e o tecnicismo. Os estudantes de Direito aprendem só a se defenderem, esquecendo-se da conciliação. Por fim, tem-se que o grande mérito de um modelo consensual de Justiça é, principalmente, o desarmamento dos espíritos nos conflitos sociais. Porém, nem tudo pode ser resolvido pelo consenso. Seria ilusório imaginar uma sociedade na qual os culpados reconhecessem sempre seus erros e as pessoas – para além de seus ressentimentos e perdas – se dispusessem ao dialogo. A coerção ainda é um traço marcante na justiça criminal. Contudo, o consenso é possível e desejável, pelo menos no âmbito dos Juizados Especiais Criminais.

A conciliação é um dos segredos do sucesso dos Juizados Especiais Criminais. Por essa razão, defende-se que as partes deveriam ter a obrigação de demonstrar ao Juízo que tentaram de alguma forma, se não de todas as maneiras, buscar a solução consensual para o conflito. Ou seja, a conciliação deve ser regra (tentada) antes de se pensar em movimentar a máquina judiciária. Frisa-se que a dinâmica Lei dos Juizados Especiais Criminais e suas medidas vieram atender notáveis e antigas aspirações da sociedade, tornandose um verdadeiro “divisor de águas na história do Poder Judiciário”. Com efeito, puderam viabilizar a prática da cidadania e da Justiça Consensual, através da informalização, desburocratização e espenalização.

 

II – Das medidas despenalizadoras

Como resposta (ou proposta de solução) à crise do sistema penal, em um ambiente de crescente massificação da criminalidade – especialmente a pequena – e de consequente sobrecarga das instâncias estatais de repressão penal, surgiu com a Lei n. 9.099/95 as medidas despenalizadoras, fundadas sobre a intenção de reverter a mentalidade da sociedade em relação à Justiça, resgatando ao Judiciário a credibilidade popular, consentindo-lhe dedicar-se prioritariamente às infrações penais mais graves, que realmente estão a exigir toda sua atenção. Tais medidas despenalizadoras fizeram renascer na população a confiança na Justiça, buscando afastar a incidência de uma pena privativa de liberdade que contribuiria apenas para o desenvolvimento de mais um criminoso e abriu espaço ao diálogo entre infrator e vítima, intermediado pelo magistrado ou conciliador, onde poderá ocorrer além do ressarcimento, a verdadeira ressocialização do infrator, que poderá redimir-se de seu ato. Nos Juizados Especiais Criminais, os objetivos imediatos são a composição dos danos sofridos à vítima, a ressocialização e a reeducação do infrator para que não volte a pratica criminal. Para isso, trouxe o instituto da conciliação junto às poderosas tendências rumo a desformalização do processo e das controvérsias, tratando-as, sempre que possível pelos meios alternativos que permitem evitar ou encurtar o processo de forma a solucionar o problema. Não retirando o caráter ilícito de nenhuma infração penal, pelo contrário, a Lei n. 9.099/95 disciplinou três medidas despenalizadoras que evitam a aplicação da pena privativa de liberdade: a composição dos danos civis (art. 74); a transação penal (art. 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89).

2.1 – Composição dos danos civis A grande novidade introduzida no sistema processual penal brasileiro, com respaldo no art. 98 da Constituição Federal, é o fato de que, não sendo caso de arquivamento, nos crimes cuja ação é de iniciativa privativa do ofendido ou nas ações penais publicas condicionada, na audiência preliminar, procura-se conciliar as partes em relação aos danos causados pela infração de menor potencial ofensivo, de maneira simples e informal. Pela primeira vez deu-se a vitima uma atenção até então inexistente: ela é intimada a comparecer no Juizado para se manifestar sobre a possibilidade de uma composição dos danos. Nesta audiência preliminar cabe às partes propor e contrapropor indenizações utilizando-se do arbitramento para definir o quantum indenizatório. Pode a vítima recusar a proposta formulada pelo autor do fato, podendo fazer contraproposta; pode acordar ou divergir da manifestação conciliatória do Juiz ou de quem esteja em seu lugar. O conciliador tenta fazer a composição dos danos materiais ou morais e resolver, amigavelmente, o verdadeiro motivo do conflito. Por exemplo, no caso de crime de lesão corporal simples, deve-se procurar estabelecer qual o prejuízo que a vítima teve, se deixou de trabalhar e “ganhar o dia”, se teve despesas médicas ou com remédios etc. O acordo é simples no sentido de indenizar a vítima e, se este ocorre, o processo criminal nem se inicia e ela também não precisa procurar o Juizado Especial Cível para reparação dos danos. A composição dos danos civis como medida despenalizadora permite ao Juiz Criminal ou Conciliador, em caso de êxito quanto à satisfação dos danos, reduzir o acordo a termo em audiência, lavrando-se termo de audiência preliminar, cabendo ao Juiz homologá-lo, ocasionando o fim de um possível processo criminal litigioso e desgastante às partes envolvidas. Por meio desta, a vítima tem a chance de ajudar a definir a forma como o ofensor reparará o mal causado. E o ofensor, por sua vez, tem a faculdade de assumir a responsabilidade por seu comportamento, aprender sobre o impacto de sua ação e desenvolver um plano para ressarcir a pessoa agredida. 2.2 – Transação penal Não havendo acordo da composição civil dos danos, juntamente com o conciliador, o promotor pode propor, na própria audiência preliminar, uma penalidade de multa - que é paga à União - uma prestação pecuniária (em espécie ou cesta básica) à vítima ou a alguma instituição pública ou privada, ou algum tipo de serviço para o acusado fazer fora do seu horário de trabalho, como por exemplo, prestação de serviço a órgão público ou privado, atendendo a hospitais nos finais de semana, limpando escolas etc. Pode ser ainda a determinação de permanecer no fim de semana numa casa de albergado, de assistir obrigatoriamente a um curso (por exemplo, sobre violência contra as mulheres). Esta é a chamada transação penal. Assim, não sendo caso de arquivamento e havendo representação ou, tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, o Ministério Público, titular privativo dessa ação penal, poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, desde que ausentes as condições do art.76, § 2º da Lei n. 9.099/95, quais são: [...] I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. Entretanto, presente qualquer uma das situações previstas nos itens I, II e III do § 2º do art.76, não haverá possibilidade de ser realizada a transação penal. Porém, ausentes todas elas, a proposta é de rigor. Aceita pelo autor do fato, a transação penal será submetida à apreciação do Juiz que, acolhendo a proposta, aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, não importando em reincidência e nem em certidão de antecedentes criminais, conforme § 6º do mesmo artigo, salvo para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos. O representante do Ministério Público, ao formular a sua proposta, deverá proceder de maneira a não gerar dúvida em relação à proposta, devendo esta ser bem especificada. Se tratar de multa, necessária a indicação do seu valor. Evidente que, nesse caso, deve prevalecer à situação socioeconômica do autor do fato. Se medida restritiva de direito, dizer qual delas. Caso a proposta oferecida pelo membro do Parquet seja aceita pelo autor da infração penal, não se terá a instauração do processo. Aquiescendo à proposta, o autor do fato não está assumindo culpa nenhuma, apenas concorda com as imposições feitas pelo Ministério Público para evitar a tramitação de um processo. Uma vez aceita e não havendo motivo legal para discordância do Juiz, este se limita simplesmente em homologar a transação penal.

 

2.3 – Suspensão condicional do processo Diferentemente do instituto da suspensão condicional da pena - o chamado sursis - a suspensão condicional do processo suspende é o próprio processo e não a pena. Pode ser definido como a interrupção do curso processual, com a imposição de uma série de condições ao beneficiado, durante um período de prova, que poderá levar à extinção da punibilidade. A lei 9.099/95 prevê em seu art.89 que, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, desde que o autor do fato não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime. Na prática, se o autor de uma das infrações de menor potencial ofensivo não comparecer à audiência preliminar, ou se, por qualquer circunstância, não for possível a transação, observar-se-á o procedimento sumaríssimo, onde o Ministério Público, não havendo necessidade de diligências imprescindíveis, oferecerá ao juiz, de imediato, denúncia oral. Uma vez feita à denúncia, respaldada no termo circunstanciado de ocorrência, será esta reduzida a termo, entregando-se cópia ao acusado, saindo-se este citado e ciente da designação de dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, como ensina o caput do art.78 da referida lei. Esse período de prova consiste no lapso temporal de dois a quatro anos (período em que o processo ficará suspenso) em que o acusado que aceitou a suspensão deve cumprir determinadas condições como: a) reparação de dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; b) proibição de frequentar determinados lugares; c) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; e d) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo mensalmente, para informar e justificar suas atividades. Durante dois anos o acusado estará em observação, ou seja, se cometer outro crime a suspensão é interrompida e o acusado responde pelos dois crimes: o novo e o que estava suspenso. Se, ao contrário, nenhum problema for constatado ao final desse período, e se o acusado cumprir todas as condições estabelecidas, o processo acaba e é como se não tivesse existido, não ficando qualquer registro na folha de antecedentes criminais da pessoa. É relevante ressaltar que o instituto da suspensão condicional do processo, respeita o princípio da autonomia de vontade do acusado, uma vez que não há suspensão do processo, sem aceitação do acusado, bem como o princípio da desnecessidade da pena de prisão de curta duração, onde ao invés do sujeito cumprir pena privativa de liberdade de curta duração, ele cumpre certas condições fora do cárcere. O objetivo da suspensão condicional do processo é evitar a estigmatização derivada do próprio processo. Em caso de descumprimento de condição imposta urge, antes de qualquer coisa, ouvir o acusado. Seus argumentos podem convencer o juiz de que a inadimplência não tinha como ser evitada. Não havendo justificação, só existe uma sanção: revogação da suspensão, reiniciando-se o processo. O Ministério Público não pode condicionar a suspensão a outras condições, além das especificadas na lei. Mas, expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade em sentença declaratória, conforme prevê o art. 89, § 5º da Lei n. 9.099/95. Assim, sendo a suspensão ato bilateral, deve ser proposta e aceita. Se o réu a recusar, o processo prossegue normalmente. III – Considerações finais Primeiramente, pode-se concluir que o legislador pátrio, na busca pela conciliação ou pela transação, tendo em vista a natureza das infrações penais de frágil potencialidade ofensiva, preocupou-se em romper com os velhos sistemas processuais penais, colocando em prática um novo modelo consensual de Justiça criminal, na qual o Estado é chamado a exercer um papel de mediador, mais do que punitivo. A Lei 9.099 de 1995, como se percebe, limitou-se a solucionar, na medida do possível, os litígios na Justiça Criminal através de suas medidas despenalizadoras, resolvendo a satisfação da pretensão punitiva e aplicando a pena privativa de liberdade em ultima ratio. A preocupação central não é mais só a decisão (formalista) do caso, senão a busca de solução para o conflito, propiciando um entendimento entre o titular da ação penal e o autor do fato. Já convivemos por vinte anos com o modelo consensual de justiça criminal e os resultados são excelentes. Finalmente, através das medidas despenalizadoras e do instituto da conciliação, tem-se a possibilidade de transformar o descrédito da sociedade brasileira no Poder Judiciário em acontecimento passado. Para tanto, os operadores do Direito além da necessidade de se prepararem para a correta aplicação da lei, devem, também, estar preparados para o desempenho de um novo papel: o de propulsores da conciliação no âmbito penal.

 

Referências

BRASIL. Código de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. BRASIL. Constituição (1988).

Constituição da República Federativa do Brasil. Art.98, inciso I. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. 2. ed. São Paulo : RT, 1997.

NORTHFLEET, Ellen Gracie. Conversar faz a diferença. Correio Brasiliense, Brasília-DF, dez. 2007. Disponível em: . Acesso em 9 ago. 2015.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Assuntos: Direito Penal, Direito processual penal, Direitos humanos

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