O furto e o peculato na dinâmica do processo penal

20/05/2012. Enviado por

Artigo juridico do Dr. Hudson Sander que aborda as principais semelhancas e diferencas do crime de furto e do crime de peculato dentro do processo penal aprentando seus aspectos favoraveis e nao favoraveis para o sistema juridico

Toda vez que se analisa uma conduta humana em favor ou desfavor de um individuo, a maneira mais coerente de se chegar a uma conclusão confiável é averiguar de forma sucinta os precedentes históricos da conduta e sua evolução ao longo da sociedade para se ter uma melhor compreensão do fenômeno jurídico e social em estudo.

No presente artigo se analisará duas condutas típicas que possuem praticamente a mesma composição teleológica diferenciando-se uma da outra apenas no que concerne ao elemento personalíssimo do agente, ou seja, o furto e o peculato são condutas típicas que em síntese consiste tão somente na subtração de coisa que é de outrem, onde o ponto diferencial é que no furto o individuo é um particular desprovido de qualquer outro elemento legal, ao passo que no peculato a agente se prevalece da sua condição de funcionário público para cometer o ilícito de subtrair aquilo que não lhe pertence.

Desde datas pretéritas o ser humano tem uma motivação em adquirir cada vez mais coisas materiais que possam lhe dar a superficial impressão de superioridade em relação ao seu semelhante. E quanto mais esse desejo inflama a alma do indivíduo mais ele ganha coragem para violar todos os tratados de ética e moral na sociedade pelo simples desejo de satisfazer o seu ego.

As histórias de guerras ao longo da existência da humanidade tem em sua gênese o que foi dito no parágrafo antecedente, e nas sociedades antigas observa-se bastante isto.

No entanto o próprio indivíduo chegou a conclusão que se não se instaurasse em sua comunidade regras de conduta que viesse a coagir o indivíduo a não tomar indevidamente o que não lhe pertence a sociedade e o próprio ser humano não teria uma vida muito longa.

Há um remanescente histórico nos dias atuais da punição de flagelo ou mutilação em alguns países que chegam a punir os autores de crimes contra o patrimônio, no caso em especial o furto, com pena de amputação das mãos.

No entanto, as democracias modernas repudiam penas de flagelo ou mutilação em observância aos tratados de direitos humanos dos quais são signatários.

Dentre várias ações humanas a de subtrair o que não lhe pertence foi uma das que mais impulsionou o surgimento do Estado soberano tal como conhecemos nos dias atuais, de vez que refutar o estado de natureza se tornou uma necessidade para o ser humano a partir dos séculos XVI e seguintes.

Então, tal como Jean-Jacques Rousseau em seu Contrato social, o Estado surge a partir de uma delegação voluntária dos membros da sociedade de poderes a um grupo seleto de pessoas para representar os seus interesses e cuidar do bem comum, e dentre estas delegações de poderes se encontra a de usar o imperium do Estado para reprimir, punir, reeducar e re-socializar os infratores de normas de conduta.

O Direito Penal e o Direito Processual Penal, em apertada síntese, surgiram para sistematizar o conjunto de normas de conduta suscetíveis de punição dentro da sociedade bem como a fixação dos mecanismos pelos quais se alcançará a efetividade da lei penal.

Desde a evolução sistemática do Direito, a proteção ao patrimônio é a que alcança maior efetividade no que concerne à aplicação da lei, de vez que o Estado sabe que se não coibir os atentados contra o patrimônio pode sucumbir.

Pois bem, superada a parte histórica é necessário delinear conceitualmente o que é o furto e o que é o peculato para que seja possível analisar a dinâmica destes dentro do processo penal.

O furto, descrito no art. 155 do Código Penal Brasileiro (Dec-lei 2.848/1940) consiste no ato de uma pessoa subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem, e podendo estar sujeita a pena privativa de liberdade de 01 (um) a 04 (quatro) anos e até a penalidades superiores dependendo de como foi praticada a infração.

Tecnicamente chega-se a conclusão que uma pessoa praticou um furto quando ela cometeu uma conduta que alcançou resultado no meio externo seja na forma consumada ou tentada, sendo necessário que a coisa seja de terceiro e de possível locomoção, devendo a manifestação de vontade do criminoso ser consciente, ou seja, ter a finalidade de causar lesão ao patrimônio de outra pessoa.

Também se faz necessário analisar se a conduta do agente está intimamente ligada ao resultado prejudicial a vítima e se a mesma conduta encontra-se descrita na lei penal, bem como analisar se o agente não praticou a conduta criminosa estando movido por um estado de necessidade próprio ou de terceiro, ou movido por prática de atos de legítima defesa própria ou de terceiro, ou movido por cumprimento de um dever legal ou estando em exercício regular de direito.

Por fim é interessante analisar se era possível o agente agir de outra maneira, se ele tinha consciência de que o ato praticado é errado e se ele tem condições de responder pela autoria da infração.

Conceituando o crime de peculato, o mesmo descrito no art. 312 do Código Penal Brasileiro (Dec-lei 2.848/1940), consiste no ato de alguém, na qualidade de funcionário público, isto é, de pessoa a serviço da administração pública apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio, podendo tal conduta ser punida com pena privativa de liberdade de 02 (dois) a 12 (doze) anos e até a penalidades superiores dependendo de como foi praticada a infração.

Tecnicamente chega-se a conclusão que uma pessoa praticou um peculato quando ela, sendo funcionária da administração pública direita ou indireta, concursada, comissionada ou até como estagiário (art. 327 do Código Penal brasileiro) cometeu uma conduta que alcançou resultado no meio externo seja na forma consumada ou tentada, sendo necessário que a coisa seja de terceiro e de possível locomoção, devendo a manifestação de vontade do criminoso ser consciente, ou seja, ter a finalidade de causar lesão ao patrimônio da administração pública.

Também se faz necessário analisar se a conduta do agente está intimamente ligada ao resultado prejudicial à administração pública e se a mesma conduta encontra-se descrita na lei penal, bem como analisar se o agente não praticou a conduta criminosa estando movido por um estado de necessidade próprio ou de terceiro, ou movido por prática de atos de legítima defesa própria ou de terceiro, ou movido por cumprimento de um dever legal ou estando em exercício regular de direito.

Por fim é interessante analisar se era possível o agente agir de outra maneira, se ele tinha consciência de que o ato praticado é errado e se ele tem condições de responder pela autoria da infração.

Muitas vezes surge a dúvida do porque dois dispositivos penais se encontrarem tão distantes dentro do diploma material repressivo sendo que ambos visam punir a prática de tomar para si ou para outrem algo que não lhe pertence.

A resposta é simples e tem suas raízes no inicio do convívio do ser humano em sociedade, ou seja, as regras tem que ser agrupadas de forma que facilite a compreensão dos demais e o código penal brasileiro traz esta peculiaridade organizacional.

O diploma material repressivo traz onze temas principais que o legislador entendeu ser de relevância e com potencial de punir os infratores de condutas descritas nestes onze grupos. Preliminarmente, deve-se citar quais são eles: 1– o grupo de normas que punem atos contra a pessoa; 2 - o grupo de normas que punem atos contra o patrimônio; 3 -  o grupo de normas que punem atos contra a propriedade imaterial; 4 - o grupo de normas que punem atos contra a organização do trabalho; 5 - o grupo de normas que punem atos contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos; 6 - o grupo de normas que punem atos contra a dignidade sexual; 7 - o grupo de normas que punem atos contra a família; 8 - o grupo de normas que punem atos contra a incolumidade púbica; 9- o grupo de normas que punem atos contra a paz pública; 10 - o grupo de normas que punem atos contra a fé pública; 11 - o grupo de normas que punem atos contra a administração pública.

No grupo dois citado anteriormente encontra-se a disposição que torna ilícito o furto e no grupo onze é que se encontra a disposição que torna ilícito o peculato.

Devido a técnica legislativa, para evitar problemas futuros, um assunto tem que ser agrupado em um grupo que trata de matérias semelhantes. O furto, assim entendeu o legislador que é disposição que somente deve regulamentar conduta de lesão ao patrimônio entre particulares tão-somente, isto é com uma hierarquia relativamente inferior já que leva tal disposição ao campo das relações privadas.

Ao passo que o peculato, não obstante consista na mesma subtração de coisa alheia móvel, deva ser punido com maior severidade em decorrência do fato do agente se prevalecer da confiança da sociedade que a ele delegou poderes de gestão da coisa pública para cometer e, por conseguinte assegurar a potencial impunidade, colocando a apreciação de tal prática em uma posição hierárquica relativamente superior já que leva tal disposição ao campo das relações de vultoso interesse público.

Embora seja nítida que a diferença basilar entre os dois ilícitos é potencial conseqüência da ação criminosa que no furto incide sobre o patrimônio particular e no peculato incide sobre o patrimônio público, ambas as práticas ilícitas não guardam semelhanças apenas na ação nuclear, processualmente possuem algumas semelhanças.

Dentre estas semelhanças processuais encontra-se o fato de ambas as ações penais, tanto do crime de furto quanto do crime de peculato serem ações penais públicas incondicionadas a representação, ou seja, por ser pública enseja dizer que somente o Ministério Público é o titular da ação penal, que pode figurar no pólo ativo da lide criminal.

Quando se diz que a ação penal é incondicionada a representação significa que a ação do Ministério Público não fica vinculada ao ato volitivo do ofendido ou de seu representante legal de solicitar a ação do órgão ministerial, podendo qualquer um do povo provocar a ação do parquet.

Como dito anteriormente, o furto por ser uma ação que traz conseqüências na esfera privada da sociedade acaba por ter um órgão julgador alheio à situação, de vez que o órgão julgador é público, esta realidade traz maior eficiência no cumprimento da voluntais  et lex, tendo em consideração que a máxima do princípio da imparcialidade  é observada.

O que não se pode dizer o mesmo quanto à efetividade da punição do crime de peculato que tem um órgão julgador situado na mesma esfera constitutiva do agente praticante do delito, e nestas situações muitas distorções podem ser notadas dentro da marcha processual penal tal como um uso arbitrário do juízo de conveniência e oportunidade do titular da ação penal em não oferecer a denúncia contra agente da administração pública, acontecendo em alguns casos até do particular que acionou o Ministério Público ser coagido psicologicamente a desistir de ver a lei agir sobre o agente da administração pública sob a pena de ver o sistema sendo usado contra si.

Esta divisão técnica legislativa acaba por favorecer os infratores de crimes contra a administração pública de certa forma, pois as normas instrumentais dificultam e muito o tramite processual.

Um exemplo notório é o disposto no art. 55 c/c art. 54 da Constituição Federal onde que dispõe sobre as formas legais em que o Deputado ou o Senador chegará a perder o mandato.  O § 2º do art. 55 da CF/88 que fala que o parlamentar pode perder o mandato se condenado por sentença condenatória transitada em julgado será decido por seus pares em votação secreta e por maioria absoluta.

O grande problema processual em ver a punição de um agente da administração pública de alto escalão, no exemplo aqueles escolhidos mediante processo eleitoral, como incurso na prática do crime de peculato, não reside nos entraves constitucionais de ordem prática citados no parágrafo antecedente e sim em um instituto processual penal conhecido como foro por prerrogativa de função, ou como é comumente conhecido “foro privilegiado”, onde pessoas que detém determinados cargos ou funções públicas só podem responder a processo em instância superior, tais como parlamentares no exercício do mandato, que não podem ser processados por juízo de primeira instancia e tampouco por determinados tribunais, mas somente pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “b” da Constituição Federal).

Como dito anteriormente, por se tratar o peculato de crime onde a ação penal competente é a publica incondicionada, e nas linhas anteriores como colocado a peculiaridade da hipótese de um parlamentar cometer tal ilícito, o membro do Ministério Público que pode legalmente propor a ação é o Procurador Geral da República, e há normas processuais que ainda dificulta a ação do Ministério Público federal quando o individuo que praticou a conduta ilícita se encontra em pleno exercício de mandato eletivo.

Concluindo, como apresentado, seria um devaneio concluir que a norma material penal que delimita as condutas típicas dos crimes de furto e peculato não atende os anseios da sociedade, bem como seria uma decisão equivocada apontar para a sistemática processual como sendo deficiente.

O grande problema que torna tão distante o tratamento de dois agentes criminosos que incorrem em condutas semelhantes que juridicamente se distinguem apenas por um elemento de natureza personalíssima, está nas vedações legais de determinados atos, de vez que enquanto não há vedações legais para o andamento da marcha processual penal para o agente que pratica o furto, há uma série de óbices legais para não só o andamento da marcha processual penal como até para o inicio da mesma quando se tratado agente que pratica o peculato.

Uma solução aparente para este parcial impedimento da fluidez da marcha processual penal no que diz respeito ao agente que pratica o peculato, seria uma maior liberdade para os julgadores em fazer cumprir a lei sem temer qualquer tipo de resposta social, profissional ou até pessoal por parte da teia de influencia do agente da administração pública que cometeu o delito.

Assuntos: Criminal, Direito Penal, Direito processual penal, Furto, Furto qualificado, Peculato

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