O Direito à informação nos sistemas informatizados dos Tribunais de Justiça

08/11/2013. Enviado por

Este artigo procura demonstrar como o Poder Judiciário eximia-se de sua responsabilidade civil face ao dever de informar o real andamento processual ao jurisdicionado e os operadores do direito, mesmo diante da previsão constitucional.

ÁREA DO DIREITO: Constitucional. Comunicação social. Direito à informação.

RESUMO: Este artigo procura demonstrar como o Poder Judiciário eximia-se de sua responsabilidade civil face ao dever de informar o real andamento processual ao jurisdicionado e os operadores do direito, mesmo diante da previsão constitucional. O processo eletrônico veio reafirmar tal responsabilidade, já que o Poder Judiciário é o detentor dos sistemas informatizados que contêm as informações processuais, assim, o caráter meramente informativo foi erigido a um caráter senão absoluto, ao menos real, o que fará com que o Poder Judiciário busque constantemente a evolução destes sistemas, até mesmo em cumprimento a outro princípio constitucional da administração pública, o da eficiência.

PALAVRAS-CHAVE: Direito à informação. Responsabilização civil. Poder Judiciário. Tribunais de Justiça. Sistemas informatizados. Processo eletrônico.

ABSTRACT: This article seeks to demonstrate how the Judiciary exempted from his civil accountability against the duty to inform the real ongoing at people under jurisdiction the procedural and legal practitioners, despite the constitutional provision. The electronic process reaffirmed that responsibility, since the Judiciary is the holder of computerized systems that contain the procedural information, so the information only erected a character if not absolute, the less real, which will cause the Judiciary constantly search for the evolution of these systems, even in compliance with other constitutional principle of public administration, the efficiency.

KEYWORDS: Right to information. Civil accountability. Judiciary. Courts of Justice. Computerized systems. electronic process.

 

 

SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 Das origens do direito de informação – 3. O direito de informação na Constituição Federal; 3.1 O dever de eficiência do Estado ao prestar informações; 3.2 O dever do Poder Judiciário de informar o andamento real dos processos; 3.3 A informatização dos tribunais e os sistemas de informação processual – 4 Considerações finais – 5 Referências bibliográficas.

1 Introdução

 

Historicamente, o direito de informação ou à informação, além de ter se originado da natural curiosidade de todo ser humano, curiosidade esta tanto de conhecer aquilo que desconhece, como de melhor entender o alcance das coisas ou situações já conhecidas. Tanto que a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) tem em seu art. 5º, XIV, o direito de informação como um direito e garantia fundamental. E isto num Estado recém-ingresso dentre os países tidos como democráticos.

O direito de informação advém de uma garantia universal, até porque o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, a qual estabelece dentre outros, “o direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão” (art. 19).

Daí a dimensão universal e social deste direito de informação, que extrapola o interesse individual. A respeito do interesse particular de cada em obter informações sobre si e alheias, Pinto (2005, p. 244) bem destaca que: “O homem, porém, precisa da informação sobre os outros porque é sobre esta noção que funda sua relação com eles”.

Mas e quando o Estado é o veículo dessa informação? Qual a sua responsabilidade pela informação produzida? Não teria o Estado, ou qualquer uma de suas funções, o dever de bem informar os cidadãos? O Poder Judiciário, que informa o trâmite processual por meio dos seus sistemas informatizados dos diversos tribunais, tem igual dever de bem informar e a responsabilidade por tal?

É sobre a veracidade da informação veiculada, mais especificamente, pelos Tribunais de Justiça, através de seus sistemas informatizados de informação processual, que analisaremos a seguir, até porque o direito de informação ou à informação há tempos chegou aos Tribunais, em sistemas diversos, mas cujas informações são importantíssimas para todos os operadores do Direito, para os jurisdicionados, bem como para todos os cidadãos e a sociedade, em geral.

 

2 Das origens do direito de informação

Desde a invenção da prensa por Johann Gutemberg, na metade do século XV, tornando acessíveis tanto a cultura e a comunicação quanto a própria informação em si, tais direitos evoluíram muito, histórica e juridicamente.Em nossa Constituição Federal, o direito de informação é previsto dentro do capítulo da Comunicação Social:

 

DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

[...]

§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

 

O direito de informação não está impunemente situado neste capítulo da comunicação social, porque a informação se transformou num bem protegido juridicamente, pertencente não somente aos homens, mas a toda a sociedade.

O professor lusitano Correia (2000, p. 63) apresenta quatro períodos fundamentais na história do direito da comunicação social:

 

a) Os primórdios da imprensa e as primeiras lutas pela liberdade (1450-1846);

b) O nascimento da grande imprensa e o reconhecimento da liberdade (1846-1926);

c) O desenvolvimento da grande imprensa, o aparecimento da informação audiovisual e a censura (1926-1974);

d) O reconhecimento da liberdade de comunicação social e a revolução informática e das telecomunicações (1974-...).

 

Após este contexto histórico, e, a partir do reconhecimento amplo da liberdade de expressão e informação pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), e com a revolução da informática e das telecomunicações, é que o direito de informação ganhou grande impulso e status de garantia constitucional entre nós.

Gomes Junior (2013), muito embora tratando de aspectos ligados ao Código de Defesa do Consumidor (artigos 4º, IV e 6º, III, da Lei n. 8.078/90), de onde derivaria o princípio da transparência e veracidade, derivado do dever de bem informar o consumidor, entende que “O direito à informação, no caso, é uma espécie de direito coletivo que merece a mais ampla proteção, incluindo-se no conceito de "serviço", mesmo em seu aspecto amplo.” Ainda chega a mencionar direitos de uma quarta geração que incluiriam o direito à democracia, à informação e ao pluralismo.

Ao lado do reconhecimento constitucional de tal direito à informação, advém a responsabilização pelos dados e registros mantidos pelo poder público, porquanto são considerados informação pública.

Ressaltando a fundamentalidade desse direito à informação, inclusive para o desenvolvimento social, uma vez que além de a autoridade pública ser delegada pelo eleitor e sustentada pelo contribuinte, até porque todo cidadão tem o direito de influenciar e participar nos processos decisórios sobre matérias de interesse público, Martins (2011, p. 234), consultora do Human Rights Watch e integrante do Escritório do Artigo 19 no Brasil, disserta sobre as obrigações que o Estado teria pela informação pública, entendendo que:

 

O direito de acesso à informação impõe duas obrigações sobre os governos. Primeiro, existe a obrigação de publicar e disseminar informações essenciais sobre o que os diferentes órgãos públicos estão fazendo. Segundo, os governos têm a obrigação de receber do público pedidos de informação e respondê-los, disponibilizando os dados solicitados e permitindo que o público tenha acesso aos documentos originais indicados ou receba cópias dos mesmos.

Todos os dados e registros mantidos por um organismo público são considerados informação pública, não importando o suporte (documento, fita, gravação eletrônica etc.), a fonte (o próprio organismo público ou qualquer outro órgão) ou a data de criação.

 

Como o direito de informação é tratado no texto constitucional e como o Estado (órgãos públicos) deve tratá-lo, é o que veremos a seguir.

 

3. O direito de informação na Constituição Federal

O direito de informação é tratado na Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) como um direito e garantia fundamental (art. 5º, XIV), e como já abordado, tal se dá até mesmo em decorrência de nosso país ser signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que igualmente estabelece em seu artigo 19 tal direito de informação.

A respeito da previsão constitucional de tal direito, Martins (op. cit., p. 241) ressalta que:

No Brasil, o direito à informação é garantido pelos artigos 5º e 37 da Constituição Federal de 1988, assim como pelos tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro. Todas as pessoas têm o direito de receber de qualquer órgão público informações de seu interesse, desde que esses dados não comprometam a segurança da sociedade e do Estado. Além disso, o princípio da publicidade rege a atuação governamental e diz respeito à obrigação de levar ao conhecimento público todos os atos, contratos ou instrumentos jurídicos realizados pela administração pública.

Araújo e Nunes Júnior (2012, p. 548-549) explicam a importância, o regramento e os limites à liberdade de informação:

O capítulo que cuida da comunicação social retrata, na realidade, o momento constitucional de outubro de 1988. O País estava saindo de um período em que as liberdades democráticas estavam restringidas e a liberdade de imprensa sofria sérias restrições. Todo o capítulo reflete, portanto, a realidade vivida e contestada do período de falta de liberdade de imprensa e cuida, de forma bastante efetiva, da proteção das liberdades democráticas, especialmente o direito à livre informação, livre manifestação de pensamento e livre criação.

[...]

Verifica-se que não se está garantindo uma liberdade irresponsável e sem qualquer critério do poder de informar ou mesmo do direito de criar ou de manifestar o pensamento.

[...]

São muitas e diversas as restrições constitucionais, devendo o intérprete, em cada caso, servir-se de todo o sistema para encontrar os limites à liberdade de manifestação, que encontra reservas dentro dos próprios bens protegidos constitucionalmente.

O porte dos grupos de comunicação no mundo todo (BBC, CBS, Globo, etc), por si só, demonstra a importância de tal direito, inclusive economicamente.

Se como princípio o direito de informação aguarda por uma efetiva atuação governamental no que se refere à obrigação de levar ao conhecimento público os seus atos, não se pode sustentar que como princípio este conteúdo é vago. Daí porque Rothenburg (2003, p. 22) destaca que é exatamente a generalidade e a vagueza dos princípios que lhes permite amoldarem-se à evolução social, o que de forma alguma lhes retira a funcionalidade:

Desconsiderar que os princípios já carregam um certo e suficiente significado, e sustentar sua insuperável indeterminação, representa desprestigiar sua funcionalidade em termos de vinculação (obrigatoriedade), continuando-se a emprestar-lhes uma feição meramente diretiva, de sugestão, o que não se compadece, absolutamente, com a franca natureza normativa que se lhes deve reconhecer.

Nascimento (2007, p. 41), em dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduaçãoem Política Social, do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, e que tratou da dimensão socioespacial do conhecimento e da informação como traço existencial do homem, explica o valor social da informação ou do direito de informação, que possibilita diversas oportunidades e opções aos informados, discorrendo que:

O valor social da informação e a sua efetividade na criação de oportunidades de transformação, determinam a aproximação entre o direito à informação (um recurso simbólico e garantia jurídica da informação socialmente construída) e os direitos sociais, justamente pela potencialidade dessa informação em favorecer as  oportunidades de autonomia, os processos de participação e as escolhas dos sujeitos e de seus coletivos.

Caetano e Fregni (2003, p. 193) explicam muito bem que o direito de ser informado decorre diretamente do direito de informar, daí porque tal informação deve ser verídica: “Ocorre que o direito de informar possui como direito reflexo o direito de ser informado. Isto significa exatamente que, dentro do Estado Social, o exercício do direito de informar deve ser revestido dos atributos de verdade, transparência e imparcialidade.”

O valor da informação, então, toma corpo e permite ao cidadão a tomada de decisões importantes em sua vida, porque saber permite decidir certo. Assim, Carvalho (2003, p. 210) com acerto disserta sobre tal importância:

Mesmo porque, “o progresso tecnológico transformou a informação em um bem jurídico capaz não só de satisfazer a necessidade do saber, como de influir decisivamente no seu uso. Mas não de um saber científico, compartimentalizado ou especializado, mas um saber genérico, simples conhecimento do que está acontecendo ao redor do homem para que ele possa tomar decisões que lhe competem como integrante obrigatório de uma sociedade. Aí reside o interesse jurídico da informação: saber para melhor decidir, para melhor escolher os rumos a dar à sua vida, à vida de sua família, ao seu país, à sua função, à sua sociedade, ao seu partido político, à sua religião etc.”

Então, e se está claro que o direito de informação é tão importante que figura dentre os direitos sociais fundamentais. Mas também é fato que a comunicação e os meios informativos evoluíram enormemente nas duas últimas décadas, a ponto desta comunicação merecer o interesse de ramos do Direito, tais como o Direito da Informática, o Direito da Internet ou o Direito das Telecomunicações, espécies do que se chamou de sociedade da informação ou de um gênero chamado Direito da Sociedade de Informação[1].

Mas se todos têm guarida no texto constitucional, igualmente, deve-se assegurar a confiabilidade de tal informação, ou seja, dar credibilidade daquilo que foi comunicado para que o direito de informação não se transforme em meras falácias ou até mesmo em agressão gratuita ou ofensa, e, para que não se dissipem fatos inverídicos, até porque há o dever ou a obrigação de informar a verdade, com clareza e transparência, até porque existe a proteção coletiva prevista constitucionalmente, a cabo do Ministério Público (art. 129, III, CF/88), bem como individual, exatamente por se tratar de um direito fundamental, indisponível e difuso.

Testa Júnior (2011, p. 136) reafirma que:

... no Estado constitucional a verdade surge como valor indispensável à dignidade humana, sendo o seu contrário (a mentira) proibido. Assim, a liberdade de imprensa ou informação jornalística encontra limite na liberdade-direito fundamental à informação factual verdadeira.

Portanto, não há que se confundir o direito de expressão, que é livre, com o direito à informação da realidade, que deve ser uma garantia assegurada a todos.

 

3.1 O dever de eficiência do Estado ao prestar informações

Partindo da premissa de que a administração pública tem o dever de dar publicidade de seus atos, e de que os dados, registros e informações em posse do administrador não são do Estado, mas na verdade dos cidadãos, que são os verdadeiros detentores do poder político, Silva Júnior (2006, p. 162) dissertou que:

Sendo os cidadãos os titulares do poder político, o administrador público deve dar a mais ampla divulgação de seus atos aos administrados, a fim de que estes possam controlar a ação estatal. Neste caso, cabe à administração estabelecer mecanismos eficientes de divulgação de seus atos, de modo que as informações sejam disponibilizadas ao público em geral, sem que seja necessário fazer postulação nesse sentido. É que o princípio da publicidade traz embutidos os princípios da transparência e da ampla divulgação dos atos de gestão.

Aqui deve ser feita importante distinção. O preceito constitucional, ao tempo em que contempla um direito fundamental, impõe o dever de assegura o acesso e o dever de franquear o acesso, com a disponibilização das informações. Uma coisa é fornecer, em razão de requerimento, informações que não estão acessíveis, outra é ser obrigado, independentemente de pedido, a disponibilizar a informação, de modo a possibilitar o pleno conhecimento pelo interessado.

Não há como falar em disponibilizar a informação sem nos atentarmos a outro princípio da administração, o da eficiência, aqui entendido como eficiência do Estado nas suas diversas funções ou poderes e atos, e, sem descrever o que estabeleceu a Constituição Federal da República (CF/88), inclusive quanto à responsabilidade civil, e no caso, objetiva, assegurando:

 

DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Então, a responsabilidade civil do Estado, pelo conjunto de suas funções, portanto, incluindo o Poder Judiciário, é objetiva porque responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, independentemente de culpa destes, porém, assegurado o direito de regresso contra tal responsável.

Se o Poder Judiciário é eficientíssimo na tutela do direito à informação, na responsabilização civil e criminal de outrem para a reparação dos danos causados pela exploração dos meios de comunicação, mas, adversamente, e tal como as demais funções do Estado, o próprio Poder Judiciário nega sua responsabilidade quando há erro na informação dos seus sistemas informatizados. Há vasta doutrina debatendo esta situação, constatando uma função social destes meios de comunicação (PEREIRA, 2002, p. 28-38), responsabilizando-os fundamentadamente na Lei de Imprensa, tal como o fez Garcia (2002, p. 415): “Lei de Imprensa proclama, de forma clara, a responsabilidade do proprietário do meio de comunicação pela indenização dos prejuízos decorrentes das publicações levadas a termo nestes órgãos (art. 49, § 2º, com o art. 50 da Lei n. 5.250/67).”

Porém, a doutrina é escassa quando trata da responsabilização ou não do próprio Poder Judiciário quando infringe o direito à informação, obviamente não por falta de legislação específica, até porque já há a previsão da responsabilidade civil da administração pública.

Silva (2009, p. 674) retrata muito bem tal tentativa de não responsabilizar o ente público e a crítica diante de um Estado Democrático de Direito e da teoria do risco administrativo:

O dever de indenizar prejuízos causados a terceiros por agente público foi por longo tempo recusado à Administração Pública. Predominava, então, a doutrina da irresponsabilidade da Administração, sendo que os particulares teriam que suportar os prejuízos que os servidores públicos lhes davam, quando no exercício regular de suas funções.

Tal posição, no entanto, não se compadecia com o Estado de Direito, por isso, o direito brasileiro inscreveu cedo a obrigação de a Fazenda Pública compor os danos que seus servidores, nesta qualidade, causem a terceiros, pouco importando decorra o prejuízo de atividade regular ou irregular do agente.

[...]

O terceiro prejudicado não tem que provar que o agente procedeu com culpa ou dolo, para lhe correr o direito ao ressarcimento dos danos sofridos. A doutrina do risco administrativo isenta-o do ônus de tal prova, basta comprove o dano e que este tenha sido causado por agente da entidade imputada. Culpa ou dolo do agente, caso haja, é problema das relações funcionais que escapa à indagação do prejudicado.

Com acerto, porque o usuário daquele serviço público não pode ficar à mercê do Estado que tenta eximir-se do dever de indenizar. Ademais, há uma correlação direta entre esta responsabilidade civil do Estado, no caso, da função jurisdicional, com uma boa, ou ao menos correta, prestação de serviços públicos.

E essa correção fica ainda mais evidente quando se imagina que um jurisdicionado é um consumidor daquele serviço público.

Silva (op. cit., p. 671-672) demonstra onde reside a dificuldade na implementação do princípio constitucional da eficiência administrativa, porquanto eficiência na iniciativa privada é condição de sobrevivência de qualquer empresa, ao passo que:

A dificuldade está em transpor para a atividade administrativa uma noção típica da atividade econômica, que leva em conta a relação input/output (insumo/produto), o que, no mais das vezes, não é possível aferir na prestação do serviço público, onde nem sempre há um output (produto) identificável, nem existe input no sentido econômico.

[...]

Na Administração Pública as condições de eficiência são diferentes porque, em relação aos bens públicos, vale o princípio de não-exclusão, isto é, o consumo da parte de um agente econômico não exclui a possibilidade que outros consumam contemporaneamente o mesmo bem; enquanto no caso dos bens privados cada um consome diversas quantidades ao mesmo preço, no caso dos bens públicos (p. ex., a defesa nacional), todos consomem a mesma quantidade atribuindo-lhes valores diferentes.

[...]

Logo, o princípio da eficiência administrativa consiste na organização racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para a prestação de serviços públicos de qualidade com razoável rapidez, consoante previsão do inciso LXXVIII do art. 5º (EC-ER/2004) e em condições econômicas de igualdade dos consumidores.

Portanto, é indissociável a responsabilidade objetiva do Estado, fundada na teoria do risco administrativo, e o seu dever igualmente constitucional de eficiência, que de implícito até a Emenda Constitucional n. 19, de 4/6/1998, passou a ser expresso no caput do art. 37, anteriormente transcrito, pela referida EC 19/1998, como muito bem dissertaram Araújo e Nunes Júnior (op. cit., p. 131-132):

O princípio da eficiência tem partes com as normas de “boa administração”, indicando que a Administração Pública, em todos os seus setores, deve concretizar atividade administrativa predisposta à extração do maior número possível de efeitos positivos ao administrado. Deve sopesar relação de custo-benefício, buscar a otimização de recursos; em suma, tem por obrigação dotar da maior eficácia possível todas as ações do Estado.

Então, e se a função jurisdicional do Estado deve efetuar a sua atividade administrativa objetivando o maior número possível de efeitos positivos ao administrado, o Poder Judiciário tem o dever de bem informar, ou seja, informar a realidade, a verdade dos fatos.

 

3.2 O dever do Poder Judiciário de informar o andamento real dos processos

Mas por que os andamentos processuais nos Tribunais de Justiça, quando se consultam os seus sistemas informatizados, têm a chancela de “caráter meramente informativo”? Ora, o andamento processual retrata ou não a realidade contida nos autos quando presta tal informação? Seria por que não confia no trabalho de seus agentes?

Mas e qual então a segurança dos diversos operadores do Direito ao procederem tais consultas quando, por exemplo, informa que um mandado de citação foi juntado em determinada data, abrindo-se prazo para a resposta pelo réu?

Gabardo (2002, p. 108-109) disserta que:

A Administração gerencial tem um discurso apologético consistente que, todavia, tende a escolher suas reais motivações. Sob a justificativa de racionalização do serviço público, são tomadas atitudes absolutamente tópicas, pragmáticas, que ao invés de estratégias, consistem em táticas sem o menor respaldo estrutural.

De fato, a Administração pública, e aqui em se tratando especificamente do Poder Judiciário, tal igualmente ocorre, até porque o Poder Judiciário também possui um gestor, no caso o Presidente do respectivo Tribunal, que além da função judicante deve administrar e bem, por dever constitucional, tal função estatal.

É claro que dada à dimensão continental de nosso país, há Tribunais de Justiça com os mais diversos sistemas de informação, uns mais completos outros ainda incipientes, mas todos com alguma forma de informação eletrônica do andamento processual. Mas todos, igualmente, não dão veracidade a tais informações, ou seja, o jurisdicionado, e muito menos o operador do Direito, podem confiar em tal informação, quando o Poder Judiciário tem o dever de informá-la de forma exata, ao tempo e modo devidos.

Nessa perspectiva, a ausência de informação eletrônica ou a informação equivocada em sistema informatizado não tem o condão de alterar o início da contagem do prazo, não podendo a parte basear-se apenas em informações obtidas junto ao site deste Tribunal de Justiça para acompanhar o andamento processual.

Nesse mesmo sentido, há julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (2013a e 2013b), cujas ementas transcrevem-se a seguir:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PEDIDO DE REABERTURA DE PRAZO. IMPOSSIBILIDADE. A ausência de informação eletrônica em sistema informatizado não tem o condão de alterar o início da contagem do prazo, não podendo a parte basear-se apenas em informações obtidas junto ao site deste Tribunal de Justiça para acompanhar o andamento processual. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70050354414, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Julgado em 14/08/2012, Diário da Justiça do dia 06/09/2012)

PROCESSUAL CIVIL. ANDAMENTO DO PROCESSO. INFORMAÇÕES OBTIDAS JUNTO AO SITE DO TRIBUNAL. INTERNET. MÉTODO INFORMATIVO QUE NÃO É OFICIAL E QUE NÃO SUBSTITUI A FORMA LEGALMENTE PREVISTA. As informações obtidas em terminais eletrônicos, e mesmo pela Internet, já que têm natureza meramente informativa e não vinculativa, não substituem aquelas obtidas junto ao Cartório, que são as oficiais. Eventual erro de informação, ou mesmo a não movimentação, não afasta a intempestividade do ato processual. CONTESTAÇÃO INTEMPESTIVA. REVELIA DECLARADA. DECISÃO DE 1º GRAU MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. NEGADO O SEGUIMENTO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (Agravo Nº 70024157117, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 26/06/2008)

E assim prosseguiu nos autos físicos até a edição da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006 (DOU 20/12/2006) que dispôs sobre a informatização do processo judicial, criando o chamado processo eletrônico.

Timóteo (2013. p. 215-216) ressalta a importância do processo judicial eletrônico para toda a sociedade:

A Lei 11.419/2006 cuida do chamado “processo eletrônico” no Brasil. Ela dispõe sobre a informatização do processo judicial nos âmbitos civil, penal, trabalhista bem como em juizados especiais e em qualquer grau de jurisdição (art. 1º). A instituição do processo eletrônico traz significativas mudanças práticas para os operadores do direito. Advogados, Magistrados, membros do Ministério Público e servidores precisam se adequar a uma nova sistemática processual necessariamente mediada pela informática.

Para demonstrar o quão nossos Tribunais ainda negam um caráter, senão absoluto, mas ao menos real, à validade das informações processuais, não admitindo que seu sistema informatizado configure-se num órgão informador do Poder Judiciário, para que não se alegue que este estivesse induzindo ao erro as partes, valemo-nos da obra de Moraes (2010, p. 845), destacando que o direito de receber informações verdadeiras é um direito de liberdade dirigido a todos indistintamente, obviamente que esta proteção constitucional à informação é relativa face à distinção necessária de fatos de interesse público e a vulneração de condutas íntimas e pessoais:

A proteção constitucional às informações verdadeiras também engloba aquelas eventualmente errôneas ou não comprovadas em juízo, desde que não tenha havido comprovada negligência ou má-fé por parte do informador.

A Constituição Federal não protege as informações levianamente não verificadas ou astuciosas e propositadamente errôneas, transmitidas com total desrespeito à verdade, pois as liberdades públicas não podem prestar-se à tutela de condutas ilícitas.

A negativa da vinculação da informação à real situação do processo evidencia também uma forma de eximir-se de sua responsabilidade, de seu dever constitucional de eficiência, sob a alegação de que os lançamentos feitos em sistema eletrônico dos Tribunais apenas servem de referência para os próprios juízos, secretarias e jurisdicionado, porquanto não haveria movimentação sem o exame físico dos autos, e também porque existem os diários oficiais onde são feitas as publicações.

Nesse mesmo sentido está a decisão abaixo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (2012), cuja ementa transcreve-se a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TÉRMINO DE PRAZO. REGISTROS NO SISCOM. ORIENTAÇÃO DO JUÍZO. INTEMPESTIVIDADE. ADVOGADO. PROFISSIONAL INDISPENSÁVEL À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. PROCURAÇÃO OUTORGADA COM PRAZO SUFICENTE PARA OFERECIMENTO DOS EMBARGOS. APELAÇÃO PARCIALMENTE IMPROVIDA. Em apelação, defende-se que, de acordo com informação processual fornecida pelo siscom (anexada), o término do prazo para a propositura dos embargos deveria ser o 10 de fevereiro de 2004, justamente quando foram propostos, razão pela qual não há falarem intempestividade. Sustenta-seque a alegação de que a propositura da ação estaria fora do prazo legal beira o absurdo. Desta maneira, seria admitir que o siscom, órgão informador do próprio poder judiciário, estaria induzindo ao erro as partes. É claro o art. 16 da LEF ao estipular que os embargos serão oferecidos em 30 dias, contados da intimação da penhora. A especialidade dessa contagem de prazo é por demais conhecida daqueles afeitos à liça do direito, como os profissionais advogados, indispensáveis para a administração da justiça. Referida contagem de prazo não se modifica com lançamentos feitos em sistema eletrônico dos tribunais, que muito mais servem é de referência para os próprios juízos e secretarias, sem que tenham caráter absoluto, tanto é assim que não se certifica atos sem examinar fisicamente os autos, ou seja, somente a partir do que consta nas grades eletrônicas. Não é em vão que se exige a representação por advogado para propor ação e atuar em juízo, o que exige, em situações como a presente, profissional habilitado para aferição de fenômeno especial como o do quaro que se desenhou. Na espécie, nota-se pelo documento de fls. 06 que a procuração foi outorgada em 20 de janeiro de 2004, portanto mais de 15 dias antes do término do prazo de oferecimento dos embargos (06/02/2004), que se iniciara em 05/12/2003 (08/12/2003, uma segunda-feira). Mesmo assim os embargos foram protocolizados intempestivamente. Apelação improvida. (TRF 01ª R.; Proc. 15658-11.2004.4.01.9199; MG; Quinta Turma Suplementar; Rel. Juiz Fed. Conv. Grigório Carlos dos Santos; DJF1 04/05/2012; Pág. 544)

Porém, e a partir da adoção do processo judicial eletrônico, a veracidade ou o caráter informativo das informações processuais ganhou, ope legis, caráter absoluto. É o que dispõe a referida Lei n. 11.419/2006:

 

DA INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL

Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.

§ 1º Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.

§ 2º Para o disposto nesta Lei, considera-se:

I - meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais;

II - transmissão eletrônica toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores;

III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:

a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;

b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

Art. 2º O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

[...]

Art. 3º Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico.

Parágrafo único. Quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas as transmitidas até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia.

[...]

DO PROCESSO ELETRÔNICO

Art. 8º Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e externas.

Parágrafo único. Todos os atos processuais do processo eletrônico serão assinados eletronicamente na forma estabelecida nesta Lei.

[...]

Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais.

[...]

CAPÍTULO IV

DISPOSIÇÕES GERAIS E FINAIS

Art. 14. Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização.

Parágrafo único. Os sistemas devem buscar identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada.

[...]

Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário regulamentarão esta Lei, no que couber, no âmbito de suas respectivas competências.

 

Muito embora ainda exista um caráter informativo, porém, referente à remessa de correspondência eletrônica, comunicando intimação e a abertura automática de prazo processual, aos que manifestarem interesse por esse serviço (§ 4º do art. 5º).

A referida lei ainda determinou que os órgãos do Poder Judiciário mantenham equipamentos para digitalização e de acesso à internet à disposição dos interessados, entenda-se advogados e partes (onde estas possuam jus postulandi) para distribuição de peças processuais, o que envolve oferecer estrutura e suporte para tal fim:

Art. 10. A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrônico, podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo.

[...]

§ 3º Os órgãos do Poder Judiciário deverão manter equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição de peças processuais.

Se a criação do chamado processo judicial eletrônico, através da Lei n. 11.419/2006, ainda está em desenvolvimento, inclusive de tecnologia, Pinho (2012, p. 392) explica a importância da informática para o acesso à Justiça:

A informatização do Judiciário contribui de forma proficiente para que todas as ondas de desenvolvimento o acesso à Justiça se efetivem. A digitalização melhora a comunicação de atos em âmbito nacional e a defesa de interesses supraindividuais. A exemplo disso temos que há uma maior celeridade, na medida em que os atos de cartório deixam de tornar o tempo das varas; um menor valor das custas ou impostos, uma vez que o processo eletrônico é mais barato e, principalmente, celeridade da resolução do conflito.

Tais alterações são positivas, porém, existem modificações que podem, a médio e a longo prazo, causar prejuízos à sociedade. Não se pode imaginar que o processo virtual é a solução de todos os problemas da justiça, nem mesmo que esse procedimento está imune a falhas.

Porém, o mesmo autor (op. cit., p. 405) faz um alerta importante quanto aos excluídos digitalmente:

Em complemento a isso, lembremos que o nosso ordenamento admite o acesso à Justiça sem advogado, respeitados os ditames legais, como nos Juizados Especiais, o que agravaria ainda mais os elementos que apontamos, ou seja, daqueles que ainda compõe o ranking dos indivíduos atingidos pela exclusão digital.

Como verdadeiro sinal dos tempos, a evolução da tecnologia encaminhará o Poder Judiciário, enfim, à adoção, por completo, do processo judicial eletrônico, com o que todos nós deveremos nos habituar, entender suas virtudes, e contribuir com críticas construtivas para o aprimoramento do nosso sistema de Justiça.

Porém, e conforme visto e exposto, a adoção do processo judicial eletrônico trouxe maior responsabilidade aos órgãos do Poder Judiciário como detentores dos sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais.

 

3.3 A informatização dos tribunais e os sistemas de informação processual

No lançamento do Processo Judicial eletrônico – PJe, o Ministro Cezar Peluso, na 129ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2011), já destacava que:

O Conselho Nacional de Justiça faz público e entrega, hoje, o sistema chamado Processo Judicial Eletrônico – Pje. Tal sistema, construído com base na experiência com processos eletrônicos de diversos tribunais brasileiros, é um marco. É-o na colaboração entre os tribunais e na disposição de ouvir e considerar as peculiaridades de cada Justiça. É-o, porque não se trata de mera informatização do processo, mas da formalização de processo judicial realmente eletrônico. E é-o ainda, porque permite ao Judiciário ter pleno controle sobre algo que se está tornando cada vez mais estratégico para seu funcionamento, ou seja, a autonomia que lhe vem do conhecimento dos seus próprios sistemas.

Essa autonomia nos é muito cara, pois, sobre livrar-nos da dependência de terceiros para controlar o processo judicial, o CNJ, ao escolher o PJe como base do sistema  nacional, procurou conceber e produzir instrumento capaz de ajustar-se às peculiaridades locais. Há, nele, a possibilidade de o tribunal local cuidar adequadamente do fluxo do processo judicial segundo suas normas internas, sem necessidade de reescrever o sistema. E contém tantas configurações, que sugerimos um período de aprendizado de três meses para que seja aplicado a processos reais, enquanto tempo que julgamos necessário a que as equipes de tecnologia da informação e da área judiciária se integrem e se apropriem de toda a estrutura da ferramenta que têmem mãos. Esse tempo é, portanto, indispensável ao exercício da autonomia de cada tribunal.

O que bem demonstra a irreversibilidade da introdução dos meios eletrônicos no Poder Judiciário, porém, permanentemente estará a reclamar por aperfeiçoamentos.

A partir da edição da Lei n. 11.419/2006, dispondo sobre a informatização do processo judicial, criando o processo eletrônico, o CNJ desenvolveu o Sistema CNJ - PROJUDI, que é o software de tramitação de processos judiciais mantido pelo CNJ, tendo como premissa, gerenciar e controlar os trâmites de processos judiciais nos Tribunais de forma eletrônica, retirando burocracia dos atos processuais, permitindo o acesso imediato aos autos, bem como a melhoria no desempenho das funções próprias de cada usuário, porque este acessa somente o módulo que ofereça as funções que ele necessita para desenvolver suas atividades. Atualmente, 19 dos 27 estados do Brasil (RO, RR, AM, PA, TO, MA, PI, CE, RN, PE, AL, BA, MG, ES, GO, DF, MT, PR, PB) aderiram a ele.

Mas antes disto, o processo eletrônico ou virtual já vinha sendo implantado por alguns órgãos do Judiciário, com diferentes modelos de processo informatizado e peticionamento eletrônico, como por exemplo o Sistema e-STF do Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça pelo Sistema e-Pet, no Tribunal Superior do Trabalho com o Sistema e-DOC e no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, através do Sistema e-Proc.

Certamente a Justiça do Trabalho está em fase muito mais adiantada na adoção do processo eletrônico, e a partir da Resolução n. 94, de 23/3/2012 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), que instituiu o Sistema Processo Judicial Eletrônico da Justiça do Trabalho – PJe-JT como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabelece os parâmetros para sua implementação e funcionamento, prevendo:

 

Art. 2º O PJe-JT compreenderá o controle do sistema judicial trabalhista nos seguintes aspectos:

I – o controle da tramitação do processo;

II – a padronização de todos os dados e informações compreendidas

pelo processo judicial;

III – a produção, registro e publicidade dos atos processuais; e 

IV – o fornecimento de dados essenciais à gestão das informações necessárias aos diversos órgãos de supervisão, controle e uso do sistema judiciário trabalhista.

 

Porém, em notícia recente (21/5/2013) a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) expôs preocupações[2] sobre o PJe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), dada a profusão de sistemas (45) de processos eletrônicos dentro do Judiciário brasileiro, fato que tem prejudicando sua aplicação pela advocacia e, consequentemente, o acesso à Justiça.

E, notícia do dia anterior já informava que a OAB e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) celebravam convênios para inclusão digital e melhorias do PJe[3], sendo que há a preocupação da OAB, categoria que representa o jurisdicionado, na implementação açodada do processo eletrônico dada a existência de problemas estruturais graves como dificuldades de acesso à banda larga e péssima qualidade de energia elétricaem vários Estados. O Ministro Carlos Alberto Reis de Paula ainda apresentou dados que demonstram que a Justiça do Trabalho é a mais avançada quanto ao uso e implantação do PJe:

Segundo os dados apresentados pelo presidente do TST, existem hoje 524 varas da Justiça do Trabalho já atuando no PJe, o que representa 36% do total de unidades de toda a Justiça trabalhista. Já há mais de 280 mil de processos tramitando no sistema eletrônico e mais de 102 mil advogados cadastrados no sistema.

A par da iniciativa de total informatização do processo judicial no Brasil, destaca-se aqui a responsabilidade do titular do sistema informatizado, seja ele qual for, porquanto o Poder Judiciário é o detentor e o guardião de todos os dados e informações contidas no processo judicial eletrônico. Então, toda e qualquer informação é de sua total responsabilidade. Ou negar-se-á contra legem tal responsabilidade? A informação processual continuará a ter caráter “meramente” informativo?

Os operadores do Direito ansiavam há muito pela modernização do Poder Judiciário, não somente a partir da reforma constitucional promovida, ou da nova gestão administrativa promovida pelo CNJ, através das diversas metas estabelecidas, porém, há de haver segurança nos sistemas informatizados para que prejuízos não ocorram nem às partes nem à própria informatização gradativa dos tribunais, antes mesmo da Lei n. 11.419/2006. Até porque, e conforme destacou Silva Júnior (op. cit., p. 167):

 

Assim, ao tempo em que a administração pública tem o dever de assegura o direito de pleno acesso a todos os documentos e informações em seu poder, deve disponibilizá-las, igualmente, especialmente na internet, estreme de dúvidas, instrumento fundamental para a efetiva transparência do trato da coisa pública.

Havia, ou ainda há, então, um temor do Poder Judiciário em assumir para si tal responsabilidade? Lembremo-nos que estamos a falar do direito de informação, mas a uma informação real, garantida constitucionalmente, com status de direito fundamental. E tal responsabilização já não é inafastável face à previsão constitucional que obriga a toda a Administração Pública o dever de eficiência e de ser responsável pelos danos que cause? É necessária uma interpretação extensiva, teleológica, sistemática para que o Poder Judiciário exima-se de sua responsabilidade, face a literalidade do respectivo dispositivo constitucional?

Bobbio (2004, p. 45) já constatava, alertava e exortava que: “O problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los.”. Então, até quando o Poder Judiciário iria afastar sua responsabilidade, mas responsabilizar outrem, em caso análogo, quando havia ocorrência de erro nas informações?

Estas questões todas que já eram respondidas literalmente pelo texto constitucional, agora também o são pela lei do processo judicial eletrônico. Como proprietário do sistema informatizado, o Poder Judiciário precisará adotar uma gestão de iniciativa privada a interesses que são públicos, caso contrário a péssima fama constatada dos serviços públicos irá prejudicar ainda mais os jurisdicionados.

Não era a falta de legislação específica, no caso a Lei n. 11.419/2006, que criou o processo judicial eletrônico, que não responsabilizava o Poder Judiciário, este, aliás, desde sempre estava responsabilizado pelas informações emitidas pelos seus sistemas informatizados, o que nada mais é senão a constatação da responsabilização dos poderes ou funções públicas num Estado que se diz de direito e democrático, face aos jurisdicionados, operadores de Direito e à toda a sociedade.

 

4 Considerações finais

Todo poder traz em si ônus e bônus, e o poder do detentor de uma informação, no caso, pública, tem a responsabilidade de informá-la com exatidão, ao tempo e modo devidos. Nossa Constituição Federal elencou o direito à informação como um direito com status fundamental, ou seja, como um direito mínimo exigido para a dignidade de uma pessoa, então, o seu acesso deve ser o mais amplo e eficiente, possível.

Talvez carregando uma pecha de poder fechado ou mais tradicionalista, o Poder Judiciário viu-se impulsionado a uma abertura aos tempos modernos, saindo da burocracia morosa herdada dos lusitanos e tendo que aventurar-se por novos meios eficientes de comunicação dos seus atos, meios estes eletrônicos. Buscando adaptar-se a estes novos tempos, tempos de internet, de agilidade e de eficiência que a administração pública deva buscar, adotou-se o processo eletrônico, através dos diversos sistemas informatizados dos tribunais pátrios.

E são estes sistemas informatizados que detêm as informações processuais, então, necessariamente evoluímos de um caráter meramente informativo da movimentação processual até então acessível por esses sistemas de informação, para um caráter senão absoluto, ao menos real, instantâneo e eficiente, fazendo com que o Poder Judiciário busque constantemente a evolução destes sistemas, tornando-os mais eficientes e modernos.

Como detentor dos sistemas informatizados e, consequentemente, das informações processuais, dos documentos digitalizados e de todos os atos processuais, o Poder Judiciário tem responsabilidade.

 

Autores:
MARCO CESAR DE CARVALHO

Mestrando em Sistema Constitucionalde Garantia de Direitos pela Instituição Toledo de Ensino – ITE, campus de Bauru-SP

Pós-graduado em Direito Processual Civilpela FAAP, campus de Ribeirão Preto-SP

Professor do Curso de Direito, matérias Direito Processual Civil, Direito do Trabalho e Previdenciário, na Libertas Faculdades Integradas de São Sebastião do Paraíso-MG

Advogado

 

PAULO CESAR DOS SANTOS DE ALMEIDA

Mestrando em Sistema Constitucionalde Garantia de Direitos pela Instituição Toledo de Ensino – ITE, campus de Bauru-SP

Advogado

 

Assuntos: Andamento de processo, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito processual, Direito processual civil, Questões processuais

Comentários

Fale com advogados agora


Compartilhe com seus amigos

Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+