Intelectuais modernos e o paradigma ético

09/08/2012. Enviado por

Intelectuais visavam ética. A sociedade era mais bela, justa e rica em ideias e artes. Havia mais conceito de beleza, justiça e riqueza. Responsabilidades se dividiam: economistas viam riqueza; artistas, beleza; político garantia justiça. Tudo mudou.

Há tempos, cartazes nas ruas com os rostos dos criminosos nos pagavam uma recompensa pela captura; hoje, nos pedem votos”. (Waldomiro Lázaro).

A alienação praticada por grupos de indivíduos em relação a outros é bem conhecida na dinâmica social. Hannah Arendt, Richard Rorty e Sigmund Freud sinalizaram que a concepção assumida do “ser humano” pode levar ao desconhecimento do próximo como semelhante. É o fenômeno do alheamento.

Esse aspecto envolve uma atitude de distanciamento que substitui a hostilidade pela desqualificação do indivíduo como “ser moral”, não o enxergando como agente autônomo e potencial criador de normas éticas, ou seja, como alguém que deva ser respeitado em sua integridade física e moral.

Donald Woods Winnicott, psicanalista britânico que definia a pessoa com base no que sentia, aprendia e brincadeiras na infância, concluiria que a indiferença leva a um estado psíquico em que a impiedade não é reconhecida como tal e que, no alheamento, o agente não tem consciência da qualidade violenta dos próprios atos.

Diferente da crueldade inspirada em uma rivalidade ameaçadora, imaginária ou real, a invisibilidade social pode anular o outro em sua humanidade. A filósofa Arendt assinalaria que o alheamento é uma das formas pela qual se manifesta a banalidade do mal.

Jurandir Freire Costa, médico social, explica que o modus vivendi da elite brasileira se alicerça num modelo de subjetivação ou individualização. “Para nossa elite, pobres e miseráveis são cada vez menos reconhecidos como pessoas morais”, externa.

Os que estão situados no topo da pirâmide social não enxergam os grupos sociais desprezados como adversários de classe, interesses ou costumes, mas como uma “espécie de resíduo social”, não absorvível, com o qual se deve aprender a conviver.

A aceitação dessa realidade social abominável e originária de uma mesma cosmovisão tem algo de verdadeiro, pois a elite desfruta, hoje, de calmaria ideológica que antes não dispunha. Parece que tudo está em ordem, na insidiosa paz do mercado e do consumo.

O desemprego, o crescimento da miséria, a degradação urbana e a situação do campo e dos “sem-terra” são tratados como se fossem infelizes etapas, ainda que provisórias, do supostamente “inevitável”, mas “correto” rumo do desenvolvimento.

De igual modo pelo qual os intelectuais na idade média estiveram aprisionados sob a ideia teológica dominante, hodiernos estudiosos e pensadores estão pela economia.

Pensamentos antropológicos, sociológicos e filosóficos desenvolvem-se sob a lógica econômica na qual o processo civilizatório avança na direção da satisfação das necessidades materiais, por intermédio do aumento da produtividade, amparada pelo avanço tecnológico.

Expertises exteriorizam uma lógica econômica que conduz à utopia. Três vetores dão suporte e alicerçam suas teses: avanço técnico, igualdade e liberdade.

Nesse insólito prisma, os pensadores atuais estariam aprisionados, pois ao considerar conhecida a utopia – sociedade economicamente rica – e os percalços que conduzem à riqueza – avanço técnico –, não refletiram, nem refletem sobre as alternativas.

Há enorme incapacidade de se perceber a tragédia ao redor, pois se considera que o que há é apenas uma crise, uma redução na velocidade, não uma prova cabal de fracasso que imponha necessárias mudanças de rumo.

Intelectuais ainda não entenderam que a tragédia lhes diz respeito e que os modelos desmoronaram. Nessa crise paradigmática, a economia não é mais capaz de abranger toda a problemática civilizatória.

O mundo hoje descrito pelos intelectivos serve para criar uma cortina de fumaça que esconde a real tragédia e a vergonha que nos cerca.

Conceituados autores, discreta ou explicitamente, na defesa do processo civilizatório, ignoram a ética da igualdade. Eles optaram por uma supremacia da tecnologia sobre o campo da ética e pelo avanço tecnológico sobre a igualdade e a liberdade.

Outra linha de pensamento estaria prisioneira do ardiloso discurso da suposta igualdade plena, segundo a qual todos poderiam consumir tanto quanto consomem os ricos.

Os dissidentes desse espectro tentam romper o círculo vicioso pelo lado da ética. Fazem a defesa da subordinação da tecnologia aos valores éticos, mantendo aceso o sonho de igualdade entre as pessoas e de liberdade para cada uma delas.

Todavia, o grande desafio estaria em obter um difícil e recorrente equilíbrio entre a igualdade e a liberdade. 

Assuntos: Direito Constitucional, Direito processual civil, Direitos humanos

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