A indenização punitivo-pedagógica dos danos morais

16/01/2012. Enviado por

Trata-se de discorrer sobre o caráter punitivo do dano moral no Brasil, com base nos pressupostos da responsabilidade civil e da teoria do dano. A idéia é mostrar que uma condenação por danos pode ser um reflexo na sociedade como um todo.

INTRODUÇÃO

 A Constituição Federal de 1988, além de assegurar direitos fundamentais há muito tempo “esquecidos”, propiciou, pela primeira vez, a aparição do dano moral em um texto legislativo constitucional (art. 5º, V e X) no Brasil.

Se a previsão constitucional, por um lado, sepultou as últimas resistências que ainda existiam à ideia de haver uma reparação pecuniária pela ofensa ao patrimônio imaterial da pessoa, por outro, ressuscitou a necessidade de discutir a raiz do conceito acerca do dano moral. Criou-se, assim, uma base de direito de danos em nosso ordenamento jurídico.

Nesse contexto, mais do que reconhecer o caráter compensatório deste tipo de indenização, se mostra fundamental estudar a fundo o objetivo punitivo-pedagógico dela. Como há outros países que tenham adotado esse viés mencionado, mais voltado para a prevenção de existência de novos danos, neste ponto, será traçado um paralelo a fim de se demonstrar a possibilidade de mesclar as doutrinas difundidas em diferentes países.

1. A TEORIA DOS DANOS E O DANO MORAL

 Como se sabe, o objeto desse estudo tramita no ramo da Responsabilidade Civil, cuja “espinha dorsal” se compõe pelo trinômio conduta/dano/nexo causal.

Nesse capítulo do presente artigo, será discorrido o conceito de dano, uma vez que o dano moral (conceito basilar desse estudo) é espécie do gênero “dano”.

No campo teórico, costuma-se dizer que o dano é a lesão a um interesse jurídico tutelado, material ou moral. Em lição mais abrangente, da cátedra de Sérgio Cavalieri Filho[1], há que se enxergar uma definição doutrinária do dano para que se possa dar prosseguimento aos seus ramos mais intrínsecos. Assim anuncia o professor:

Quando ainda não se admitia o ressarcimento do dano moral, conceituava-se o dano como sendo a efetiva diminuição do patrimônio da vítima. Hoje, todavia, esse conceito tornou-se insuficiente em face do novo posicionamento da doutrina e da jurisprudência em relação ao dano moral e, ainda, em razão da sua natureza não patrimonial. Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.

Apesar de haver clara distinção entre dano patrimonial e extrapatrimonial, faz-se mister ressaltar que tais classificações não se compõem apenas com base no direito violado, visto que, por exemplo, a ofensa a bens da personalidade (bens imateriais) freqüentemente gera prejuízos de ordem patrimonial, como a perda de capacidade laborativa em razão de ofensa corporal, ou a perda de clientela provocada por violação da honra, sendo, portanto, no saldo final das contas, duas ramificações mais intrínsecas e tênues do que se possa supor.

Como se sabe, o dano de ordem moral está intimamente ligado ao critério de subjetividade, dentre outros aspectos inerentes à natureza mais pessoal, pura e sincera do ser humano: o sentimento.

Dando sequência ao que foi abordado no parágrafo anterior, é de suma importância checar o conceito da jurista fluminense Maria Celina Bodin de Moraes[2]. Assim a mestra designou o que é dano moral:

(...) dano moral não pode ser reduzido à ‘lesão a um direito da personalidade’, nem tampouco ao 'efeito extra-patrimonial da lesão a um direito subjetivo, patrimonial ou extra-patrimonial’. Tratar-se-á sempre de violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um prejuízo material, seja violando direito (extra-patrimonial) seu, seja, enfim, praticando, em relação à sua dignidade, qualquer mal evidente ou perturbação, mesmo se ainda não reconhecido como parte de algum categoria jurídica.

Nesse campo, cumpre traçar questões atinentes ao grande fundamento para a existência do dano moral punitivo-pedagógico: o fim social para o qual ele se destina, tendo como principais diretrizes os princípios da dignidade humana e a garantia dos direitos fundamentais do povo. Pode ser uma via oblíqua a ser utilizada, é verdade. Porém, certamente a prudência, o respeito e o zelo serão aspectos muito mais observados posteriormente pelo ofensor. É preciso, portanto, analisar nosso ordenamento jurídico como um sistema, não apenas agasalhando um princípio em detrimento de outro. Esse ponto, no Brasil, ganhou mais vitrine com o advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990.

Convém dizer, também, que a indenização por dano moral deverá ter como objetivo, além do caráter pedagógico, a finalidade de combater as impunidades, já que servirá para demonstrar ao infrator e à sociedade que aquele que desrespeitou as regras básicas da convivência humana, poderá sofrer uma punição exemplar.

Apesar de o caráter punitivo/pedagógico da indenização por danos morais ainda não ser uma realidade no âmbito jurídico brasileiro, é possível ver esse tipo de fundamento, direta e indiretamente, em decisões de nossos tribunais.

2. O DANO MORAL PUNITIVO POR UM ESTUDO CONFRONTADO

2.1 Alemanha

Nesse país, vem sendo reconhecida a dupla função da indenização do dano imaterial (immaterieller schaden) ou extrapatrimonial (nicht vermögensschaden), uma vez que a jurisprudência alemã, sedimentada pelo seu Supremo Tribunal Alemão (BGH), em casos especificamente atrelados aos danos imateriais, vem assegurando ao ofendido uma indenização em dinheiro com o fim de, por um lado,  poder proporcionar ao lesado uma compensação adequada à injustiça que sofreu e, também, por outro lado, quantificar o dano de forma que o ofensor tenha sofrido.

2.2 Itália

Na Itália, país de grande influência ao nosso direito brasileiro, juristas de renome vêm apontando na direção oposta, assegurando a inconveniência do caráter punitivo da responsabilidade civil.

Tem-se que em casos de dano não patrimonial à integridade física ou psíquica (danno alla salute), a indenização apresenta finalidade exclusivamente compensatória. Já nos casos configuradores do dano moral propriamente dito, o grau de culpa do agente desempenha um papel importante na fixação da indenização, mas sem muito apelo ao caráter punitivo/pedagógico com o objetivo de prevenção.

2.3 Estados Unidos da América

Talvez o grande paradigma sobre o assunto no mundo, os EUA têm enorme carga prática e histórica nesse tema.

No caso desse país, além dos efeitos de punição e prevenção, muito se diz que os punitive damages, da forma que se apresenta o sistema estadunidense, são uma maneira de expressão da indignação do júri. Não é incomum se mencionar que a quantia costuma ir para o autor como recompensa pelo serviço ao público de trazer o causador do dano à justiça (as a reward for his public service in bringing the wrongdoer to justice). Ainda no país em tela, via de regra, cabe ao júri a fixação dos punitive damages, que, porém, em determinadas hipóteses pode ser revisada por uma Corte superior. Isso porque, tradicionalmente, o sistema jurídico americano deposita grande importância no papel do júri para decidir questões de cunho relevante.

Entretanto, no âmbito dos punitive damages, uma suspeição generalizada erodiu a histórica confiança no papel do júri. Entre as explicações para a suspeita incluem-se a inclinação do júri contra os réus abastados, o impulso de redistribuir riqueza, a incompetência ou inabilidade em compreender a complexidade que envolve a fixação do quantum e as características psicológicas que predispõem certos jurados a conferir punitive damages.

3. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AOS PUNITIVE DAMAGES NO BRASIL

Para muitos, a característica inibitório-punitiva à indenização por danos morais é corpo estranho no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que aqui as sanções judiciais que têm função de desestímulo são exclusivamente as penas estabelecidas pelo Direito Penal (cf. LUIZ VIRGÍLIO P. PENTEADO MANENTE, in “Os Danos Punitivos do Direito Norte-Americano e sua incompatibilidade com o Ordenamento Jurídico Brasileiro”, São Paulo, 2002).

Assim, segundo essa doutrina, no nosso ordenamento jurídico, a indenização não pode extrapolar a real extensão do dano, devendo sempre ter como parâmetro o efetivo prejuízo sofrido pela vítima. Ainda segundo esse entendimento doutrinário (e muitas vezes, também jurisprudencial), o Código Civil brasileiro de 2002 faz menção expressa a tal característica no art. 944 (“A indenização mede-se pela extensão do dano”).

Nossa posição é de clara discordância a esses argumentos. Afinal, quando não for possível a resolução do injusto através de nenhum outro ramo do direito, aí sim é provocado o direito criminal, por este se tratar da ultima ratio no nosso ordenamento jurídico. Não se pode utilizar como parâmetro o direito penal, como se a indenização fosse uma alternativa à preferência do direito penal, porque não é, nem nunca foi. Já o argumento de enriquecimento ilícito não pode ser visto fora do contexto. É preciso interpretar nosso sistema legal de forma harmônica para que direitos e garantias fundamentais, previstos na Constituição Federal da República, não sejam refutados em prol apenas desse suposto enriquecimento sem causa.

CONCLUSÃO

Resta evidente, pois, que a indenização ressarcitória, em nosso país, não vem se mostrando suficiente para gerar um efeito preventivo idôneo. Apesar de o STJ reconhecer inúmeras vezes a dupla função da indenização do dano moral, tal reconhecimento ainda não trouxe um incremento considerável dos valores indenizatórios referentes ao dano moral.

Ademais, vale reconhecer que o número de sujeitos que de fato intentarão com uma demanda judicial de natureza ressarcitória é muito inferior em relação ao número de sujeitos lesados ou potencialmente lesados, inclusive pelo fator acima explanado. Salta ainda mais aos olhos esse fato, principalmente quando estamos falando das relações de consumo. É a chamada Indústria do Dano Moral, que persiste mesmo com indenizações reduzidas. Caso estas venham a ser aumentadas de forma exponencial, certamente o número de demandas aumentaria consideravelmente. A não ser que as grandes empresas reconheçam suas falhas e passem a trabalhar de forma muito mais cuidadosa e proativa em favor da sociedade. É esse o ponto.

Em suma, apesar de boa parte da doutrina e da jurisprudência se fazer de argumentos como enriquecimento ilícito e “penalização” do direito civil, o caráter punitivo-pedagógico da indenização por danos morais está em sintonia com o avanço da responsabilidade civil objetiva, muito mais voltada à teoria de danos. Com o foco no dano causado, é preciso que este seja evitado dali pra frente, sendo um importante mecanismo de prevenção, para, via de conseqüência, trazer maior equilíbrio à sociedade.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, André Gustavo de. Dano Moral e Indenização Punitiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral das Obrigações. 22a ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007.

FERRI, Enrico. Discursos de Acusação (ao lado das vítimas). São Paulo: Martin Claret, 2005.

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008.

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana, Uma Leitura Civil-constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

 


[1] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008, p. 71

[2] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana, Uma Leitura Civil-constitucional dos Danos Morais. Rio de janeiro: Renovar, 2004, p. 56.

Assuntos: Danos morais, Direito processual civil, Responsabilidade Civil

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