Estabilidade no serviço público é essencial à democracia

29/05/2012. Enviado por

Instrumento democrático, a estabilidade no Brasil, a partir dos anos 1990 foi atacada, a ponto de ser considerada benesse ou privilégio de quem não quer se esforçar e trabalhar. Foi mitigada. A corrupção cresceu! Serviço público deteriorou e piorou!

"O Brasil 'moderno' paga propina ao Brasil arcaico para poder existir". (José de Souza Martins, sociólogo).

A estabilidade é um instrumento democrático que assegura a garantia da permanência no serviço público ao servidor nomeado para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público, depois de cumprir estágio probatório de três anos e ser submetido à avaliação especial de desempenho por comissão instituída com esse fim[1].

O servidor estável está sujeito à perda do cargo por sentença transitada em julgado ou através de um processo administrativo que assegure ampla defesa. O objetivo institucional[2] era evitar exonerações arbitrárias, de sorte a permitir a continuidade do serviço, propiciar melhor exercício de funções e obstar os efeitos decorrentes das mudanças de governos.

O significado do instituto foi desvirtuado. Passou-se a entendê-lo como benesse e privilégio destinado a uma classe. Veio então a EC nº 19/1998, cujos principais objetivos eram reduzir gastos públicos e tornar o serviço público eficiente. Inseriu-se a avaliação de desempenho[3], que pode levar à perda do cargo, na forma de lei complementar, assegurada a ampla defesa (art. 41, § 1º, III, CRFB/1988).

De outro modo, se o Chefe do Executivo descumprir o limite das despesas de pessoal, também poderá haver perda do cargo (art. 169, § 4º, CRFB/1988). Neste caso, o servidor fará jus à indenização de um mês de remuneração por ano trabalhado (art. 169, § 6º, CRFB/1988).

Leis complementar e federal serão instrumentos aptos a regular os critérios e garantias especiais para a perda de cargo do servidor efetivo que exerce atividade típica de Estado, cuja insuficiência pode instaurar processo administrativo prévio à perda do cargo, assegurado o contraditório e a ampla defesa (art. 247, CRFB/1988).

No período entre 1990 e 2002, o cenário administrativo do Governo mudou. Coube a FHC “enxugar” a Administração Pública do Poder Executivo da União e impor o Estado mínimo. Os servidores federais foram duramente atingidos. Direitos e conquistas de décadas foram suprimidos. Incentivou-se o êxodo no serviço público federal.

O congelamento salarial imposto só aos servidores federais durante oito anos, salvo raras exceções, serviu de “incentivo” para que considerável parcela de servidores tentasse buscar opções melhores em órgãos do Judiciário, do Legislativo e de outros Executivos estaduais e municipais. 

O “enxugamento” de pessoal na União extinguiu inúmeros cargos efetivos. A redução dos gastos com servidores do Executivo da União é meta permanente. Nesse apuro, os cargos estatutários estáveis economizam no FGTS.

Em relação à previdência própria, a Lei 12.618/2012 (Funpresp) reduz a contribuição patronal de 22% para 8,5%, sendo palpável, doravante, a diminuição do gasto previdenciário.

Vale lembrar que o valor da aposentadoria não guarda consonância com a última remuneração na ativa. O Governo Lula, ao aprovar a EC nº 41/2003, impôs rígidas regras para a concessão de aposentadoria no serviço público. Paridade e integralidade são regras do passado.

Servidores que ingressaram após 16.12.1998, para ter direito a aposentar, recolherão à previdência própria por mais 7 anos, em média, além do tempo de contribuição do empregado pela CLT, em razão da idade mínima (60 anos, homem e 55 anos, mulher).

Deveria a estabilidade ser um marco principiológico de proteção à sociedade contra os abusos e os desmandos do Poder. Todavia, o princípio perdeu prestígio após a campanha de desmoralização do servidor público na mídia.

O servidor que tiver conhecimento de “malfeitos” e ilegalidades tem o dever legal de comunicar os fatos. E as “pressões”? Dependendo do cargo, pode até ser vítima de crime. A rotineira ocorrência de desvios de recursos públicos mostra que há interesses escusos hábeis em intimidar servidores honestos e seguidores das normas.

Grupos com interesses particulares tentam corromper para abrir caminho às ações desonestas. O servidor que representar contra um superior ou par “apadrinhado” que age em contrariedade às normas legais, dependendo dos interesses envolvidos, pode ser “transferido” para localidade distante ou setor que o prejudique, como punição, e ainda sofrer perseguição.

Vide gratia, o policial que investiga e descobre fatos e autorias que respingam em altos escalões e em autoridades influentes não dispõe de proteção contra atos arbitrários. Muitas lideranças ligadas à política portam interesses contrários à ética e à probidade. O servidor federal, em regra, litiga na justiça federal, que não protege, não na trabalhista, que, em tese, equilibra as partes.

Se a sociedade quiser mesmo extirpar a corrupção e minimizar os desvios de recursos públicos para bolsos privados e campanhas eleitorais, será preciso garantir o exercício da função pública por meio de regras que estimulem condutas probas e punam atos intimidatórios e persecutórios. A estabilidade deve ser reforçada e contemplar determinadas atividades públicas, não todas.

Ao contrário da equivocada política adotada por Chefes do Executivo eleitos, porém sem compromisso maior com o interesse público, a estabilidade não só pode como deve ser aperfeiçoada, reforçada e ser atribuição de cargos efetivos especificados na lei.

Ausente essa capa protetora, o crime organizado infiltrado na Administração Pública para apropriar-se dos recursos públicos orçamentários estará prestigiado e levará a sociedade ao total desamparo em uma nação cada vez mais aética, desigual e aristocrática!

É importante compreender que a estabilidade não é benesse, mas uma garantia fundamental do exercício da atividade estatal. É essencial não apenas à democracia e ao combate à endêmica corrupção, mas também à profissionalização e aos princípios[4] insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Há indagações pertinentes, ainda sem respostas.

A estabilidade, por si só, é hábil para oferecer garantias e estimular condutas éticas, isentas e profissionais? Admitindo-se que há imprecisão, deveria ser mais bem adequada às finalidades? Sendo assim, requer-se ampliação, restrição ou supressão? A aferição do desempenho envolve aspectos subjetivos. É possível evitar o uso como instrumento de intimidação e de perseguição? Seria a estabilidade garantia individual do servidor, portanto, cláusula pétrea protegida pelo princípio do não retrocesso? A EC nº 19/1998 fere a Constituição Federal?

Nada é absoluto! O advérbio sozinho não responde! O verbo é uma ponte! Tudo depende!


[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25 ed. – São Paulo: Atlas, 2012.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. atual. por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel – São Paulo: Malheiros, 2007.

[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25 ed. – São Paulo: Atlas, 2012.

[4] Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Assuntos: Concurso Público, Direito Administrativo, Funcionário público

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