Emprego flexível prejudica relações de amor e amizade

28/01/2014. Enviado por

A ideia do emprego flexível foi ‘vendida’ como tendência moderna. De início, foi exigida uma maior qualificação de quem procura emprego. Desempregos estruturais afinam com políticas recessivas. Relações duradouras de amor e de amizade diminuíram.

“Democracia, liberdade, segurança e o labor influenciam relacionamentos. Na medida em que os cidadãos não vislumbram futuro certo, tendem a reduzir as relações duradouras e os compromissos de longo prazo. E isso modifica a forma de se encontrar a felicidade. Queremos isso? É esse o futuro almejado?”.

A forma e o avanço da democracia definem o modo de viver e de ser feliz. Dependemos de decisões políticas. A estabilidade das regras tem relação direta com o modo de viver. Políticos eleitos decidem as prioridades e o que deve ser estimulado. Tudo depende da boa gestão e da correta decisão sobre os rumos do país.

A mídia brasileira disseminou a ideia do emprego flexível como se fora tendência moderna do trabalho qualitativo. De início, passou-se a exigir uma série de requisitos para os que procuravam emprego. O desemprego era estrutural e afinado com a política recessiva originada pela crise da dívida externa. Caracterizou-se assim a distância crescente entre a realidade e a aspiração.

Trabalhadores foram vitimados pela política recessiva e a má gestão dos negócios do país. Foram conduzidos à política crescente de inferno e precarização, cujo começo remonta à política neoliberal iniciada pelo confisco da poupança. A gênese dessa ideologia sobre a esfera do trabalho se deu nos estudos sobre a consciência do sentimento comum de insegurança.

Pessoas que temem perder o emprego se tornam inseguras, tensas e frustradas. Podem até ter raiva, mas é passiva. A insegurança se alimenta do medo e a motivação é o medo. Há reações como engano, ilusão, baixa autoestima, sentido de engajamento constante e a sensação de estar isolado no meio de uma multidão solitária.

Psicólogos evolucionistas veem no ser humano uma predisposição natural de confiar e cooperar. Ambientes de instabilidade e insegurança, entretanto, colocam em risco cooperação e solidariedade. No ambiente de trabalho flexível há receio de assumir um compromisso de prazo longo, pois envolve esforço com escassa ou nenhuma reciprocidade. O corolário desse receio é a atrofia do acordo tácito de solidariedade entre as gerações.

Ficam afetados relacionamentos pessoais e afetivos. Relações entre homem e mulher e amizades se tornam menos duradouras. A instabilidade desfavorece os compromissos duradouros. Se o futuro é incerto e a incerteza, crônica, as pessoas tendem a se sentir inseguras ao ponto de desistir ou adiar o nascimento de filhos e a constituição de famílias. Isso explica o porquê de a política neoliberal inserir um viés de redução demográfica.

Não por acaso as relações em geral se tornam efêmeras, descartáveis. O namoro romântico cedeu lugar à relação tipo “ficar”. Há um trabalho premeditado, a priori. Prestigiou-se o supérfluo e a descartabilidade. Pasmem! O namoro se transfigurou e se tornou objeto de consumo. Trocou-se a essência pela aparência!

A classe média segue na espiral descendente do genocídio do emprego, mercados hipertrofiados, plantas industriais corroídas, anemia de investimento e colapso de serviços públicos e investimento estatal. O insuspeito Wall Street Journal publicou reportagem com números do esmagamento da classe média no primeiro mundo, antes da crise.

Segundo o periódico americano, dados compilados pela Universidade da Califórnia e pela Escola de Economia de Paris apontam o desmonte social em curso nos países mais ricos. Em 2012, os 10% mais ricos da população dos EUA ficaram com mais de 50% da renda gerada naquele país, cujo percentual foi o mais elevado desde 1917. O ovo regressivo da serpente, porém, vem sendo chocado bem antes.

O trabalho flexível induz mudanças. A mobilidade social assume um viés limitado e em franco declínio. Pior. A seguridade e a previdência social deslizam sob essa mesma esteira. O enfraquecimento dos vínculos e das relações sociais foi acentuado pela crise global de 2007/2008.

Empresários aumentaram as exigências sobre o trabalhador, com redução de salários, para melhorar a lucratividade e poder competir com a China e os países asiáticos, cujo trabalho é semiescravo. O aumento da exploração e a informática acentuaram o desemprego. Houve concentração de tarefas sobre menor número de pessoas.

A concepção neoliberal no Brasil encontrou uma sociedade com poder político e econômico concentrado; profunda desigualdade social e vertical; pouco ou nenhum interesse público; não reconhecimento do direito a exercer direitos; noção de direitos desiguais culturais; elites distantes do restante da população e a falta de controle social. Atos de corrupção põem a nu o desrespeito generalizado pelo patrimônio público.

O governo atual aplicou uma política de aumento real do salário mínimo. No governo anterior, mal atingia U$ 100. Ultrapassa U$ 500 (R$ 724,00). A geração de empregos com salário mínimo ou pouco mais originou a dita ‘classe média emergente’, nomenclatura que trouxe status social à classe pobre, que tem emprego e acesso a empréstimos.

A classe média tradicional foi prejudicada. Só os aposentados federais recolhem contribuição para a previdência do serviço público após contribuir por 40 anos. Regras generosas, inexplicavelmente mantidas, prestigiam pensionistas jovens, em condições de trabalhar e se sustentar.

Admitindo que a tônica moderna é emprego flexível e instrumental com salário insuficiente para a subsistência socialmente respeitável e estilo de vida digno, é difícil para o profissional se adequar ao engajamento na empresa e manter padrões elevados, códigos éticos e respeito mútuo entre colegas, baseado na competência e no respeito às normas de comportamento consagradas.

A perspectiva de vida dependente de trabalho é sombria. Há incerteza e difícil mobilidade social ascendente. As políticas de estímulo à flexibilidade do emprego desgastam os processos de interação relacional e de pares, vitais para a reprodução de habilidades e atitudes construtivas no trabalho.

Se a regra é mudar o que se faz, mudar de “empregador”, de colegas e a forma de se autorreferir sempre, a ética de trabalho se torna contestável e oportunista. O regime flexível recusa tacitamente a ética que se fundamenta na corporação laboral forte e amparada no saber.

Relacionamentos entre pessoas guardam forte correlação com o estilo de vida e a perspectiva de futuro. Relações duradouras pedem estabilidade, segurança e previsibilidade. Muita pressa e excesso de informações compõem o cotidiano da subordinação e do medo da perda dos empregos. Destarte, relações e compromissos longos estão desestimulados. Incentivou-se a efemeridade e a descartabilidade de pessoas e objetos.

A depressão é um dos principais sintomas da solidão política e econômica instalada. Vidas descartáveis perdem o sentido e a razão de ser. Saber que a glória do agora em breve é o desespero do amanhã deprime. Tudo é urgente, para ontem. O que vale hoje, amanhã não vale. Pede-se às pessoas que sejam submissas, obedientes, e trabalhem sem reclamar. O próximo da fila é... Você.

E olha... Dê graças a Deus por ter emprego... Aí fora... Está pior. Essa a ameaça. Mas não se desespere. Corra atrás de ajuda na religião. Tenha fé no pastor. No ramo da fé, há os experts e os muito espertos.

Não há como se sentir parte de uma vida em perene transição e olhar sob o horizonte de mudança e instabilidade. Teme-se o que acontece com os amigos e as famílias. A "flexibilidade" preocupa, pois já não ocorre só com os mais humildes. É impossível supor que estamos confortáveis e imunes. Estamos inclusos e precisamos agir como um camaleão. As relações e as famílias mudaram... E muito!

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BIBLIOGRAFIA

ILLOUZ, Eva tradução Vera Ribeiro. O amor nos tempos do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

STANDING, Guy: tradução Cristina Antunes. O precariado: a nova classe perigosa. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

NOBRE, Marcos. Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

PINTO, Céli Regina Jardim. A banalidade da corrupção: uma forma de governar o Brasil. Editora UFMG, 2011.

Assuntos: Direito do Trabalho, Direito previdenciário, Direitos trabalhistas, Trabalho

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