Do estupro ao vulnerável

22/12/2013. Enviado por

Este trabalho tem por escopo abordar a evolução histórica dos crimes sexuais, levando em consideração seus aspectos normativos e punitivos, considerando o princípio da culpabilidade, além de abordar a análise sobre a personalidade do criminoso, sob a

1 INTRODUÇÃO

Sendo o Direito, uma ciência regulatória das relações em sociedade, é imprescindível que caminhe paralelamente com a evolução social. A evolução social, por ser dinâmica, vive em constante modificação, não podendo simplesmente aguardar o surgimento de legislações inócuas e que acabam perdendo sua eficácia perante os fatos cotidianos.

Um dos campos responsáveis pelo acompanhamento das mudanças no sistema penal, sob o ponto de vista analítico, é a política criminal, a qual tem uma amplitude enorme, descabendo reduzi-la à função de simples “conselheira da sanção penal”, função esta que se limitaria a induzir o legislador a criar normas com a finalidade única de onde e quando criminalizar determinadas condutas humanas. Alguns autores denominam a política criminal como o conjunto de princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação, em decorrência do incessante processo de mudança social, dos resultados advindos das modificações anteriores e posteriores feitas no direito penal, e dos avanços consideráveis da criminologia.

Portanto, o direito de punir do Estado, entendido como última ratio, constituído por um leque de normas jurídicas, objetiva a imposição de limites e consequentemente de punições aos infratores da lei, criando o tipo penal sobre o qual uma conduta humana irá se subsumir. Atua sobre aqueles que caminham à margem da lei, baseando-se na ideia de para cada infração, uma sanção correspondente.

Daí a importância da criação de leis efetivas diante do dinamismo social, visto que aquelas não podem e nem devem retrair-se perante as transformações sociais. Verifiquemos a realidade fática e percebemos que determinados crimes que, no passado, eram tidos como tal, atualmente deixaram de ser ilícitos ou ilegais. Chega-se a conclusão de que não há sentido em manter uma situação que não mais perdura na atualidade, ou seja, se a sociedade modificou sua forma de ver as coisas, seus valores morais, não considerando mais determinadas condutas como criminosas, como por exemplo, o adultério, não tem sentido punir, tendo em vista a perda do objeto, do bem jurídico a ser protegido.

Contudo, é importante que as penas dos crimes contra a dignidade sexual sejam efetivamente suficientes para punir os delinquentes. A este respeito se manifesta Michel Foucault (1999) no capítulo a punição generalizada, ressaltando o valor da punição:

 

Que as penas sejam moderadas e proporcionais aos delitos, que a de morte só seja imputada contra os culpados assassinos, e sejam abolidos os suplícios que revoltem a humanidade. O protesto contra os suplícios é encontrado em toda parte na segunda metade do século XVIII: entre os filósofos e teóricos do direito; entre juristas, magistrados, parlamentares; nos chaiers de doléances e entre os legisladores das assembleias. É preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física entre soberano e condenado; esse conflito frontal entre a vingança do príncipe e a cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e do carrasco. O suplício tornou-se rapidamente intolerável. Revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela a tirania, o excesso, a sede de vingança e o “cruel prazer de punir”. Vergonhoso, considerado da perspectiva da vítima, reduzida ao desespero e da qual ainda se espera que bendiga “o céu e seus juizes por quem parece abandonada”.

A respeito dos crimes sexuais, o tratamento dispensado no Código Penal encontra-se no título VI, Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual. A Lei nº 12.015/09 trouxe algumas modificações referentes a estes crimes, antes disso, o Código Penal os tratava como crimes contra os costumes. A respeito de costumes, seu conceito a partir de Nelson Hungria, (1956, p. 103) é o seguinte:                

Hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o mesmo, a conduta sexual adaptada a conveniência e disciplina sociais. O que a lei penal se propõe a tutelar, in subjecta matéria, é o interesse jurídico concernente a preservação do mínimo ético reclamado pela experiência social em torno dos fatos sexuais.

Os costumes podem ser vistos como regras sociais originadas de práticas repetidamente aplicadas de maneira geral e frequente, denotando obediência e obrigatoriedade, manifestamente encarada de acordo com cada civilização.

Atualmente, a norma visa proteger não mais os costumes, como já foi anteriormente, mas o contexto da liberdade sexual do indivíduo e por conseguinte a sua dignidade humana, princípio constitucional basilar de todos os demais.

A proteção da dignidade sexual, portanto, decorre do princípio da dignidade humana, que mantém influência sobre todo o ordenamento jurídico e com ele deve guardar compatibilidade, sob pena de ser expurgado da legislação brasileira, podendo, nos casos determinados pela própria lei, ser mitigado, como por exemplo, no caso de guerra em que é passível a possibilidade da pena de morte.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem traz em seu artigo 1º o seguinte: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.  No âmbito da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica, pacto do qual o Brasil é signatário, aduz em seu artigo 11 que: “Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade”.

Referido princípio, dentre tantas outras funções, limita a determinação das sanções, visto que deve ser analisado sob diversos ângulos, especialmente no que tange o direito à vida digna. Como coibir a prática de crimes e manter a dignidade da pessoa, ou para o criminoso, como sancioná-lo e trazê-lo ao convívio social, é possível a ressocialização?

São essas e outras críticas que envolvem o estudo do direito penal, em especial, nos crimes sexuais, as quais trazem em seu bojo um prequestionamento sobre a (in)sanidade mental dos abusadores.

Portanto, o respeito e a proteção dirigida à dignidade sexual são inerentes à liberdade e a própria determinação sexual das pessoas, deve-se à tutela em sua carga psicológica, física e moral, de forma a manter a sua integridade.

Para o Código Penal, até o ano de 2009, o seu artigo 213 caracterizava o estupro pela conjunção carnal, sendo esta a penetração do pênis na vagina. De acordo com este artigo, alterado pela Lei nº 12.015/09, somente as mulheres seriam sujeitos passivos do crime de estupro. Portanto, inexistia o estupro contra o homem, bem como aquele ato que não se subsumisse à conjunção carnal, sob o ponto de vista estrito, não sofreria estupro diante da lei, outro exemplo seria o da mulher que sofresse algum diferente tipo de violência sexual, estaria, neste caso, sendo vítima de atentado violento ao pudor.

Com a modificação realizada pela Lei nº 12.015/09, o estupro, artigo 213 e o atentado violento ao pudor, artigo 214, passaram a fazer parte de um mesmo tipo penal, essa já era uma reivindicação antiga da doutrina. O estupro então englobou todo e qualquer ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, portanto, não se fala mais em constranger mulher, podendo o homem, também ser sujeito passivo do crime.

É importante salientar que não houve abolitio criminis da conduta prevista no artigo 214, apenas houve uma incorporação ao artigo 213. Conforme aduz Luiz Flavio Gomes (2007, p. 09): “A isso se dá o nome de continuidade normativo-típica. O que era proibido antes continua proibido na nova Lei”.

Por toda a história da humanidade, há evidências de relacionamentos sexuais de adultos com crianças e adolescentes, sendo cometidos pelos mais diversos povos e etnias, em certo tempo remoto, tendo sido considerado com tolerância por algumas religiões. Contudo, atualmente tal conduta constitui crime hediondo, de acordo com a Lei nº 8.072/90. Atecnicamente, denominam este crime de pedofilia[1], mas, contudo, esta palavra refere-se a um grave desvio da sexualidade que leva um adulto a sentir desejo sexual por crianças ou adolescentes, e pode ter direcionamento homossexual ou heterossexual.  O crime de estupro de vulnerável é caracterizado pela prática de atos libidinosos ou de conjunção carnal com menor de 14 anos, o que diferencia um do outro.

Em relação aos crimes sexuais envolvendo menores de 14 anos, incluso no artigo 217-A, este se consuma no exato momento em que se tem conjunção carnal ou se pratica outro ato libidinoso com menor de 14 anos, com sanção de reclusão de 8 a 15 anos. Inclui-se neste crime aquele que pratica o ato acima descrito, com alguém que, por enfermidade ou doença mental, não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.

Ao contrário do antigo regime, este considera vulnerável apenas aqueles que, fora os casos de vulnerabilidade por enfermidade ou doença mental, tiverem, na data do ato, menos de 14 anos, pois se o ato tiver se realizado no dia do 14º aniversário, já não se tem mais a vítima como vulnerável, e se esta tiver consentido com o ato nesta data, o ocorrido será um fato atípico, mas se o fato aconteceu mediante violência ou grave ameaça, o agente responderá por estupro qualificado, do artigo 213, §1º, do Código Penal.

2 ASPECTOS HISTÓRICOS

A maneira de definir o crime, incluindo seus limites, percorre durante o transcurso do tempo, angariando, a cada mudança da sociedade, um novo paradigma. A forma de punir condenados já foi um tanto desproporcional, gerando no decorrer da história da humanidade, a necessidade de criar normas e suas respectivas sanções num patamar orientado pela proporcionalidade e razoabilidade, deixando de lado também o caráter apenas punitivo, buscando a ressocialização do preso à sociedade. Por fim, as regras normativas seguem as transformações sociais, visando a elas se adequarem, de acordo com seus anseios e necessidades, submetendo-se a uma generalidade moral coletiva.

Michel Foucault (1987, p.87), diz que: “é a sociedade que define, em função de seus interesses próprios, o que deve ser considerado como crime”, portanto, certas condutas são consideradas crimes como forma de repúdio do próprio grupo social em resposta aos comportamentos ilícitos praticados.

Tendo como parâmetro os crimes sexuais, desde os tempos antigos, o manter relação sexual à força é uma prática repudiada. A cada século, a delimitação destes crimes sofreu algumas modificações, seja afetando o tipo penal, como também a sua punição, existindo hoje diversas formas de praticá-lo, tendo uma tipificação de acordo com a idade, a incapacidade da vítima, bem como os resultados da agressão, entre outros.

Por algum tempo existiu a ideia de que a mulher poderia ser parcialmente culpada pelo crime, por insinuosas investidas sensuais, sendo este um motivo da própria vítima sentir-se culpada, de acordo com especialistas. As leis eram mais severas que atualmente, por volta dos séculos XVI e XVII, em relação à repressão do estupro, contudo, na via judicial esta conduta era pouco penalizada, por na maioria das vezes não haver queixas, ou as investigações não serem concluídas. Diante disso, é possível afirmar que havia pouco interesse em desvendar estes crimes e punir os infratores, em especial quando a vítima era adulta e sem a ocorrência de morte. Contudo, isso não quer dizer que reinava a impunidade, visto que a justiça acontecia através de atos de piedade.

O estupro era considerado um ato abominável, sendo-lhe atribuídos diferentes agravantes de acordo com a gravidade, podendo o acusado ser mais ou menos punido na proporção da inocência da vítima. O abuso contra uma jovem virgem é mais condenável do que o de uma prostituta. Esta proteção se dava em razão da honra da família. A qualidade da vítima era importante. Mas, não só a pureza da vítima agravava a pena, também a classe social tanto da vítima, quanto do abusador, influenciava na punição. Desta forma, quando uma escrava sofria violência considerava-se de menor gravidade do que quando cometida em desfavor de uma mulher rica, assim como a realidade de pobreza do criminoso piorava a sua situação perante a justiça.                                    

O crime de estupro manchava a reputação das vítimas, as quais ficavam marcadas pela indignidade, deixavam de ser puras aos olhos da sociedade, isso decorre da valorização que se dava a este fato, se protegia mais a moral do que a própria integridade física. Significava um ato de lascívia, e consequentemente voltava os olhares para o pecado, o satisfazer o prazer, operando-se a indignidade, coisa que nem a pior e maior punição humana pode regenerar. 

O crime era analisado sob uma visão promíscua, a qual minorizava a agressividade da conduta, em que por vezes a vítima tornava-se incluída na culpabilidade do agente, associando a causa do crime a conduta desvalorativa da vítima. A partir deste ponto de vista, no enfoque dado ao estupro como ato/pecado, formava-se uma barreira impermeável para a informações sobre a sua ocorrência, as denúncias não aconteciam, as investigações eram abandonadas, e então direcionava-se todas as atenções para a vítima, que terminava suprimida e deprimida com a indiferença da situação de desgaste físico e principalmente psicológico que a agressão lhe causava. Frequente era o entendimento de que a mulher teria forte participação na causa, por provocação, por seduzir o homem, assim induzindo aquele a praticar tal conduta criminosa.

Esta tese era bastante arguida em sede de defesa, orientando os julgamento na maioria das vezes, utilizada para absolver os agressores, inclusive mais facilmente quando as agressões não deixavam vestígios.

Diante desta situação, tinha-se que quando não houvesse a comprovação da violência física, mediante vestígios, esta se dava em consequência da participação consensual da vítima, que tornava-se, automaticamente, suspeita sendo acusada de criar uma situação de falsa acusação de estupro. Quando da ocorrência deste episódio o seu testemunho não tinha credibilidade, pois acreditava-se que se a mulher tivesse resistido a um ataque violento haveria no mínimo alguns hematomas para comprovar a sua resistência.

Portanto, a ausência de marcas denotava aceitação pela vítima e liberava o autor da violência da culpa.

É válido salientar que no passado, havia uma crença de que um homem sozinho não conseguiria violentar uma mulher que se negasse a praticar sexo com ele, pois ela dispunha de força e meios suficientes para afastar a agressão. Para a justiça da época, entendia-se que o estupro consumado, nestes moldes, era por livre consentimento da suposta vítima.

Infelizmente, o que acabava entrando em análise nos julgamentos era a apenas a boa ou má reputação da vítima, ou seja, se sua conduta subsumia-se aos padrões comportamentais considerados naquela sociedade como adequados para as mulheres honestas. Do contrário, lhe era negado o acesso à justiça, tratando o fato como um indiferente penal. 

Pode-se concluir da análise do contexto social da época que a mulher não era dado o status de sujeito de direitos. A história da mulher é marcada pela opressão, sendo-lhe por vezes negado o direito de livremente acusar seu abusador e proteger sua integridade física e moral.

A partir da segunda metade do século XVIII, com o surgimento de novos pensamentos acerca da violência, foram surgindo algumas mudanças na lei penal. Com a separação do Estado da igreja, as infrações criminais dissociaram-se da ideia de pecado, foi o primeiro passo para a evolução da política criminal. Entretanto, uma cultura não se modifica com o direito e sim o contrário, a mudança cultural não foi imediata e nem a prática jurídica do crime, que mantiveram por certo tempo, o entendimento tradicionalista de suspeita de consentimento da mulher.

Ainda surge uma nova perspectiva a respeito da impunidade, nasce a critica contra os homens da alta classe privilegiada que abusavam de sua peculiar condição para abusar das mulheres menos favorecidas na convicção de que jamais seriam punidos. É evidente que a impunidade é algo difícil de se controlar, tendo continuado a existir, pois nem mesmo a mudança de opinião cultural do povo não implicou em modificação nos processos judiciais, tendo em vista a ínfima quantidade de condenações.

Contudo, a mudança de pensamento aos poucos surtia efeito no âmbito dos demais crimes de menor gravidade que o estupro. Surgiu, portanto, a necessidade de delimitar determinadas condutas, por exemplo, o atentado violento ao pudor, com a finalidade de separá-los por categorias, facilitando a ordem das sentenças, tudo isso para se evitar condutas arbitrárias dos julgadores, equilibrando a quantidade da pena ao delito.

Também foi relevante a melhora nos relatórios médicos, os quais demonstravam mais maturidade e melhor descrição das agressões sofridas, passaram a pesquisar sobre o rompimento do hímen. Mais um passo foi dado, pois tais pesquisas passaram a ser instrumentos efetivos para se levar a uma condenação ou a absolvição, principalmente em referência a estupro contra mulheres virgens e as crianças, ficando as mulheres adultas não virgens com algumas dificuldades para apurar a materialidade do crime,visto que nem sempre restava provas.

Em favor da vítima, o lado obsceno deixou de fazer parte integrante do crime de estupro, houve um distanciamento da visão de pecado, conduzindo ao abandono da religião como referência no seu tratamento. Ocorre uma reanálise sobre a imagem da vítima, da sua sensibilidade.

As mudanças, contudo, não desencadearam aumento na quantidade de queixa ou de condenações, sendo insuficiente para diminuir o trauma sentido pela mulher.

Em tempos atuais, ainda há resquícios de suspeita que recaem sobre a mulher, apesar de hoje não ser o único sujeito passivo deste crime, tendo simplesmente tornado-se um tanto indireta.

No século XIX houve algumas transformações que marcaram o escalonamento do crime sexual, passando a analisar o nível de violência, com o objetivo de tipificar diferentes formas do estupro ou até sendo menos graves que este, como o atentado ao pudor, a consideração da violência moral como forma de manipular a vítima para a configuração do estupro, também houve o aumento de queixas, as quais passaram a ser quantificadas pela estatística criminal.

Foi então a partir do início deste século que a violência sexual teve uma definição ampliada, incluindo determinadas condutas que até então permaneciam à margem dos tipos penais, ficando sem punição, mesmo sendo consideradas moralmente repugnantes. Então, foram criados novos crimes, com o fim de hierarquizar os delitos de acordo com a sua gravidade.

Desta feita, existiu a violência sexual diversa do estupro, chamada de atentado ao pudor, antes tipo autônomo, a qual, hoje, fora incluída ao tipo de estupro. Neste crime se enquadrava aquele que cometesse qualquer violência sexual diferente e menos grave do que o estupro, um beijo lassivo, um toque nas partes íntimas do corpo.

A finalidade de tal tipificação era enquadrar não somente as mulheres, enquadrando uma possível chance de homens serem vítimas desta violência, diversificou-se os crimes, estabelecendo diversas penas. Contudo, é mister destacar que, a compreensão da lei foi um tanto difícil, pois achar um conceito determinado e concreto para a palavra pudor foi conturbada, deixando uma  indefinição e às vezes uma ampla gama de significados interpretados diversamente por cada juiz.

Analisando a amplitude e diversificação dos crimes sexuais, vê-se que a sua gravidade não se encontra mais incutida no sentido religioso, do pecado, mas sim na noção de perigo à sociedade.

Incrivelmente, apesar de todas as modificações ocorridas na lei, não foi possível inovar o tratamento para com as mulheres, visto que continuava a dependência delas para prestarem queixa, necessitando da autorização de seu esposo, ou de seu pai, afirmando-se ainda mais a falsa ideia de inferioridade feminina.

Aduz que até a primeira metade do século XIX, para se caracterizar o crime de estupro era necessária a utilização da força física contra a vítima, para satisfazer-se sexualmente, entretanto, com o surgimento do novo pensamento a respeito do tema, percebeu-se que a liberdade e principalmente a dignidade da pessoa humana supera as fronteiras de ordem física, atingindo, por via transversal, o psicológico, o humor, gerando uma sensação de mal estar e medo intensos, afetando a mente como um todo, enfraquecendo a vítima de maneira a deixá-la retraída pela vergonha.

Com o passar dos tempos, as queixas de crime estupro, no século XIX, vieram a acontecer com mais frequência, tudo porque a violência sexual tornou-se mais visível, e a intolerância a este crime aumentou. A partir de estudos científicos de estatística incentivou a um considerável alcance na visualização das denúncias, trazendo em detalhes, até então nunca colhidos, denotando a dimensão, flutuações, progressividade, e os possíveis índices de aumento ou diminuição no número de casos.

Em consequência, este estudo quantificado possibilitou uma melhor compreensão da criminalidade sexual. Enquanto tais mudanças ocorriam, o reconhecimento de que havia uma violência moral contra a vítima aumentava, paulatinamente.

Enfim, levando em conta as transformações citadas, o século XX trouxe uma nova visão sobre o crime de estupro: inicialmente, o dano moral e psicológico causado à vítima é utilizado como parâmetro para se verificar a gravidade do ato; e, a posição que a vítima toma diante da violência sofrida, com o fim de encontrar novos indicativos para tornar mais plausível o debate sobre os crimes sexuais.

3 CONCEITO DO CRIME DE ESTUPRO

Consta do artigo 213, do Código Penal Brasileiro (CPB) que constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, pratica estupro. Trata-se de crime hediondo, nos termos da Lei nº 8.072/90.

Na redação original do CPB, somente o homem poderia ser o sujeito ativo deste crime, pois só ele poderia praticar a conjunção carnal, tendo em vista as suas condições físicas. Atualmente, com a reforma implementada pela Lei nº 12.015/09, a qual fez a junção dos artigos 213 e 214, formando um único tipo no artigo 213, inovou rompendo com o velho modelo e trazendo o estupro para um crime comum, podendo ser cometido por homens e mulheres, uns contra os outros.

O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, não se exigindo qualidade especial para ser vítima deste crime, se virgem ou não, casada, viúva, divorciada, recatada. Não se exige a compreensão por parte da vítima do caráter libidinoso do ato praticado, bastando a ofensa com conotação sexual para se subsumir ao tipo.

Não houve abolitio criminis da conduta prevista no artigo 214, tendo sido apenas incorporada ao artigo 213. Então os que cometeram atentado violento ao pudor continuarão tendo cometido um crime, apenas terão redução na pena. Em consonância com a Constituição Federal, a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, podendo a lei neste caso ter efeitos retroativos para reduzir a pena dos condenados, já que entende-se que, assim sendo, cometeram um crime único.

Com este entendimento, a aplicação desta nova roupagem do crime de estupro atinge somente os infratores atuais, sendo que aqueles que respondem processos ou os que já foram condenados pelo antigo crime do artigo 213 e 214, por não serem beneficiados com a novidade continuam no mesmo patamar jurídico.

Anteriormente, somente a mulher poderia ser objeto deste crime, atualmente, o termo mulher foi substituído por alguém, referida supressão trouxe uma enorme mudança, mais abrangente, envolvendo todo e qualquer indivíduo que pratique o verbo do tipo. A partir disso a sexualidade da vítima tornou-se um indiferente para a caracterização do crime.

Portanto, não se leva em consideração se a vítima é absoluta ou relativamente incapaz, ou mesmo se prostituta ou homossexual, sendo, algumas de tais circunstâncias, determinantes para qualificar o crime.

A nova Lei trouxe qualificadoras nos §§ 1º e 2º do art. 213 e art. 217-A, do CPB, este último tratando-se do crime de estupro de vulnerável.

O estupro simples, trazido no caput do art. 213, comina pena de 6 a 10 anos de reclusão, caso sua conduta resulte em lesão corporal grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos, terá pena de reclusão de 8 a 12 anos. E se de sua conduta resultar na morte da vítima, § 2º do art. 213, a pena sobe indo ao patamar de 12 a 30 anos de reclusão.

Em se tratando do crime de estupro de vulnerável, tipifica o Código Penal, em seu art. 217-A:

Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Sem dúvidas, o texto atual deste artigo é  bem mais inteligível que o anterior. Tal artigo foi readaptado a uma nova sistemática social, modificando a antiga presunção de violência, a qual foi revogada pela atual lei.

O estupro presumido constava do art. 224 do CPB, denotava uma presunção de violência, inclusive, incluindo neste artigo, os crimes contra os costumes. Sua aplicação se dava nos casos de vítimas menores de 14 anos, bem como nos casos de alienação mental, partindo da premissa de que o agressor tivesse conhecimento desta condição, sendo ainda aplicado quando a vítima não tivesse condições de opor resistência. Vê-se que a aplicabilidade sofria de pluralidade de interpretações, pois dependia da subjetividade de cada julgador. Por isso a importância de sua revogação, pondo fim a esta celeuma.

Hoje, o entendimento que envolve o estupro de vulnerável é mais objetivo, buscando a punição de todo aquele que praticar relação sexual ou qualquer ato libidinoso, mesmo que ocorridos com o consentimento do menor de 14 anos, ou com aquelas pessoas que se enquadram nas circunstancias acima citadas. Mesmo que não haja violência, ameaça, fraude ou consentimento da vítima, haverá o crime em comento na ocorrência do ato sexual ou qualquer ato libidinoso.

O § 2º deste artigo foi vetado, trazendo no § 3º que se da conduta criminosa resultar lesão corporal de natureza grave para a vítima, o agressor sujeita-se a uma pena de reclusão de 10 a 20 anos. Enquanto no § 4º encontra-se implícito que no caso de o ato criminoso resultar em morte da vítima, o seu agressor estará sujeito a uma pena que varia de 12 a 30 anos de reclusão.

Ainda consta da lei, mais precisamente no art. 234-A, o aumento da pena de metade, se do crime resultar gravidez; e de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador.

É notório que não se verificou mudanças em relação ao termo estupro, em relação ao descrito antes da lei, evidenciando uma diferenciação quanto ao termo ato libidinoso, que agora passou a ser considerado também estupro. Inexiste, no tipo penal, qualquer característica de natureza moral, de ataque ao pudor da coletividade, mas unicamente a consideração que houve uma violação no que tange a liberdade individual na sexualidade da vítima.

Portanto, não há que se valorar o ato libidinoso analisando a partir de conceitos moralistas, é suficiente que seja libidinoso, independente do impacto que causará aos bons costumes. Para o autor Fernando Capez o ato libidinoso é aquele que se destina a alcançar a satisfação lasciva, o apetite sexual. Trata-se de um conceito amplo, na proporção que inclui qualquer ato de natureza sexual com o objetivo de satisfazer a libido, excluindo-se as palavras e os escritos eróticos, tendo em vista que o tipo é claro ao definir, não podendo haver expansão interpretativa para alcançar casos que a lei não abarcou.

Para alguns autores, como Cezar Bittencourt, atos libidinosos não devem ser confundidos com beijos lascivos, pegadas, apalpadas, interpretando tais atitudes como contravenção penal.

Por oportuno, a Lei nº 8.072/90, lei dos crimes hediondos, sofreu modificações no que se refere a inclusão dos tipos estupro simples e de vulnerável, respectivamente no art. 1º, inc. V e VI. Com essa atualização sucumbiu definitivamente a divergência na doutrina, pois restou-se claro que o estupro simples é sim um crime hediondo, oportunamente o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), em consonância com os princípios constitucionais, refletindo os seus julgados, tenha reconhecido o caráter hediondo deste crime.

Podemos concluir que, com as modificações advindas da criação da nova lei, muitos questionamentos serão feitos em sede dos tribunais, a medida que, agora é possível que ambos os sexos sejam sujeitos ativos e passivos destes crimes.

Sabemos que, em grande parte dos casos, os agressores têm, aproximadamente, os moldes indicativos que podem ajudar a família a evitar o estupro, principalmente contra crianças, visto que os criminosos são pessoas próximas à família, são confiáveis, até parentes, vizinhos, companheiros, padrastos, em fim, são sujeitos que não levantam suspeitas, sendo as vítimas na grande maioria crianças e mulheres, e que estas acabam não denunciando o fato à polícia, por diversos motivos, inclusive medo de represália.

De acordo com o levantamento realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), 47% das mulheres declaram que tiveram sua primeira relação sexual mediante o uso da força e que 70% dos homicídios praticados contra mulheres foram praticados por seus companheiros.

Conforme a estimativa dos dados da anistia internacional, publicados no boletim 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres, estes denotam que a cada cinco mulheres, pelo menos uma será vítima ou sofrerá uma tentativa de estupro até o fim de sua vida. Referido boletim traz quantitativos do United Nations Children's Fund (Unicef) apontando que aproximadamente um milhão de crianças são agredidas sexualmente, a cada ano.

A conclusão que se chega é que as punições advindas da nova lei são mais severas para o crime contra menores e vulneráveis e o estupro, pois apesar do legislador ter unificado os crimes de atentado violento ao pudor e o estupro em um único tipo, ele cominou uma pena de reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos, quando resultar em lesão grave ou quando atingir vítima menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos. Sendo que quando o estupro for seguido de morte a pena é a mesma do homicídio qualificado, com pena oscilando de 12 a 30 anos de reclusão.

Quanto à tentativa de estupro, a nova lei pôs um fim nesse debate. De acordo com Rogério Greco (2009, p. 484), boa parte dos doutrinadores se posicionavam no entendimento de que, se o fato não fosse consumado por circunstâncias alheias a sua vontade, configuraria o atentado violento ao pudor, não enquadrando-se em estupro. Mas para o autor, a tentativa era algo perfeitamente possível de ocorrer. Analisava a tentativa da seguinte forma: a diferença entre a tentativa de estupro e o atentado violento ao pudor era o elemento subjetivo com o qual atuava o criminoso, se seu dolo era de constranger mulher à conjunção carnal, e esta não ocorria por causas externas à sua vontade, configurava-se a tentativa. Caso contrário, se seu desejo era de praticar atos libidinosos, deveria ser enquadrado no tipo atentado violento ao pudor. Como o estupro, hoje, engloba qualquer ato libidinoso, a partir do momento em que é praticado tal ato, configura-se o estupro, independentemente de introdução do órgão sexual do agressor na vítima.

Conforme todo o exposto, desde a vigência da nova lei, foi incluído no sentido de abrangência subjetiva tanto os homens, quanto as mulheres, como agentes ativos ou passivos do crime de estupro. Aplica-se indefinidamente o verbo constranger para se fazer referência à vítima. Conclui-se que alguém pode se dar indistintamente a quem quer que seja.

Fazendo uma análise sistemática dos crimes sexuais, além da prática da conjunção carnal, considera-se atos libidinosos os atos que implicam manipulação erótica dos órgãos sexuais, masturbação individual ou recíproca. É necessário constatar que, para que um ato libidinoso configure crime de estupro é indispensável que seja praticado com violência ou sob grave ameaça, entendendo como violência não apenas a física, mas principalmente psicológica.

Argumentando ainda sobre o ato libidinoso, este pode ser praticado também sem distinção de sexo, podendo uma mulher praticá-lo em relação a um homem, e entre o mesmo sexo também. Antigamente, se uma mulher realizasse um ato desta natureza, enquadrava-se no crime de constrangimento ilegal.

Apesar de todas as explanações, que envolvem as modificações ocorridas no código penal, se voltarem a uma reestruturação punitiva mais objetiva e dura, por outro lado o legislador não teve a atitude sensível de modificar o artigo 217-A, conforme critica a melhor doutrina, sendo considerado por ela, ultrapassado, o que induz a necessidade de adequação.

Senão analisemos a falta de proporcionalidade da pena, tendo em vista que a atividade sexual dos jovens inicia-se cada vez mais cedo, ao manter a atual punição de 08 a 15 anos de reclusão, da conjunção carnal com menor de 14 anos, temos um desequilíbrio punitivo, visto que é atribuída uma pena mais elevada para aquele que mantém relação sexual com menor de 14 anos mesmo de forma voluntária com a sua permissão, do que para aquele que praticou estupro ou ato libidinoso utilizando-se da violência ou da grave ameaça, a qual comina pena que não ultrapassa 10 anos de reclusão.

O objetivo do art. 217-A é exercer uma punição mais rigorosa sobre aqueles que praticam o tipo contra menor de 14 anos, pessoas vulneráveis, pessoas portadoras de deficiência mental, as quais não tem discernimento do ato, ou as que, por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência.

A prática violenta dos crimes sexuais está no alto índice das piores e mais cruéis formas de assassinatos. O prazer doentio se constitui muitas vezes do sadismo, onde a vítima é brutalmente assassinada e por vezes mutilada, pois só assim o criminoso se satisfaz, o ápice do seu prazer se dá pela violência empregada e pelo sofrimento demonstrado pela vítima.

Através da psicologia e da sexologia se descobriu a existência do crime sádico serial, sendo este um homicídio prazeroso, posto que a motivação tem conotação sexual. São nestas áreas que podemos encontrar o reflexo da personalidade de tais criminosos.

A personalidade do sádico[2] não deve ser analisada isoladamente, é importante verificar o contexto social em que viveu. Sendo assim, deve-se buscar a real valoração que o agressor dá para a sua realidade, qual seu juízo de valor, se é capaz de se autodeterminar diante de suas práticas.

Para a psiquiatria, havendo claramente uma dificuldade do agente em seguir regras legais, isso pode indicar um distúrbio de adaptação no desenvolvimento da personalidade. Contudo, embora se tenha esta perspectiva, é inexpressiva a quantidade de agressores que apresentam alienação mental franca.

O termo alienação mental total se dá tendo em vista que, grande parte desses infratores é definida por sujeitos com transtornos da personalidade, antissociais, psicopatas, sendo que dentre estes transtornos, nenhum se enquadra numa ordem que garanta a sua inimputabilidade.

Existem criminosos que, em sua minoria, apresentam neuroses[3], predominantemente na forma obsessivo compulsivo. Menor ainda é o grupo composto por graves problemas psicológicos, os quais são considerados inimputáveis. O que se demonstra que para que o agressor seja beneficiado com uma medida de segurança e não a prisão é menor do que se pensa. As causas psicóticas que os levam a praticar tais crimes são muitas e das mais diversas, mas isso não quer dizer que todas elas carregam o poder de declará-los inimputáveis, visto que na grande maioria, os transtornos não retiram de si totalmente a possibilidade de autodeterminação.

Diversamente dos assassinos em série, devemos ter cautela ao pensar que o estuprador em série sempre age compelido por animalescos desejos sexuais ilimitados e enfreáveis, nem classificar tais criminosos como deficientes mentais alienantes. O que se percebe é que, na maior parte dos casos, não se trata de doença mental alienante, mas sim de indivíduos que apreenderam condutas desviantes sociais, no seu contexto de vida.

Existe uma diferença entre o desvio sexual e o crime sexual. No crime sexual temos uma transgressão da lei, o agente pratica uma conduta contrária à legislação em vigor, enquanto no desvio sexual, não é necessário que a lei seja desrespeitada. Por isso não se pode generalizar, taxando tais criminosos sexuais de deficientes mentais, tão somente por apresentarem um comportamento diferente do padrão do homem médio, sem definir cientificamente caso a caso. O expert não pode se deixar levar pela falta de tolerância comportamental.

Há diversos fatores que influenciam a prática dos crimes sexuais, para se chegar ao resultado criminoso, o agressor agiu com violência, ação integrada pela personalidade deste, o estado emocional em que se encontrava, a intenção e o contexto social, no qual foi praticado o fato criminoso.

Por fim, se o ato sexual praticado chega a causar dano a alguém, afetando sua sexualidade, ou mesmo que com o consentimento do menor, quando for o caso, será este ato definido como crime sexual, por se constituir assim o tipo penal.

3.1 ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA SEXUAL

No Brasil, não há dados registrados para declarar com propriedade os crimes sexuais, existindo a necessidade de se realizar investigações qualitativas e quantitativas para compreender o alcance do problema. Conforme ocorre em países de primeiro mundo, esbarramos no impasse da subnotificação. De acordo com pesquisas do Departamento de Medicina Legal da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em São Paulo, esclarece que somente de 10 a 20% das vítimas efetivamente denunciam a ocorrência.

Os criminosos em série podem tratar-se de jovens, adultos ou até idosos, apesar de neste último em menor escala. Há a predominância de enquadramento de pessoas solteiras, notadamente entre aqueles que denotam possuir personalidade um tanto instável, são sensivelmente dependentes da mãe e de certa forma encontram-se classificados entre filhos únicos.

De acordo com o ginecologista, Jefferson Drezett, entre aproximadamente 1.200 pacientes vítimas de violência sexual atendidas no serviço do Hospital Pérola Byington, constatou-se que de 86,6% das adolescentes e 88,1% adultas, o violentador era desconhecido, contudo, na grande maioria dos casos envolvendo crianças, o abusador foi identificado frequentemente entre parentes, pessoas próximas e aparentemente de confiança, o que dificulta o descobrimento do abuso.

Não existe limite para o agressor sexual, até que seja detido ou morto. Tratando-se de um criminoso em série, é comum que as agressões reflitam um ritual homicida, quase sempre o corpo da vítima serve de testemunho do crime, permitindo uma análise psicodinâmica do abuso. Como já dito, na medida em que as agressões resultam apenas em lesões ou apenas atentam contra a liberdade sexual, é natural que os sujeitos passivos do crime ou até mesmo as testemunhas não propaguem o fato, seja por medo ou por ameaças de vingança.

A definição de crime sexual em série envolve o uso da violência para a prática de ato sexual, sem a obrigatoriedade de resultar no óbito da vítima. É a prática mais comum na sociedade, falando em crimes desta natureza. Na medida em que, durante ou após a prática criminosa, se verifica atos de mutilação ou morte, estaremos diante de um assassino sexual em série, tipo serial killer[4], o qual busca a satisfação sexual incondicional, disseminando vidas em prol dos mais inescrupulosos desejos.

Estudiosos da psiquiatria afirmam, em relação ao serial killer, existirem pelo menos dois tipos deles: os do "tipo organizado", os quais normalmente esbanjam uma inteligência padrão e normal, conseguindo se integrar com facilidade na vida em sociedade, estes estão fora de qualquer suspeita, sendo considerados menos suscetíveis de serem punidos, pois são espertos e calculistas, analisam todas as possibilidades, por isso não costumam deixar rastros, isso dificulta a descoberta do crime. Em geral levam a vida normalmente, constituem família, se relacionam bem no trabalho, estudam, tendo até mesmo casos de graduados e professores de nível superior. Por outro lado, existem os do "tipo desorganizados", agem impulsivamente, não respeitam limites, ordens ou planejamentos, operam os atos do crime de maneira desastrosa, deixando, muitas vezes, objetos do crime no local, facilitando a identificação do autor.

Não se pode garantir que um criminoso sexual em série ou não se adeque a um fenótipo[5] específico. Em geral são pessoas do convívio social das vítimas, pessoas aparentemente confiáveis, de bom comportamento, às vezes sedutores, e mais, são inteligentes, se valem de sua astúcia. Desta forma, torna-se quase impossível apontar um modelo típico deste crime, passando despercebido na sociedade com a que convive, e muito mais para aqueles que não o conhecem.

Concomitantemente a esta personalidade, convive outra, quando atua na delinquência, o criminoso incorpora a que realmente lhe é própria, a que se sente liberto e identificado, já que a primeira serve apenas de disfarce. Podemos, desta maneira, observar o ponto comum que os interliga, senão tais características especiais que acabam por os identificar.

A maneira como se comporta um criminoso em série na prática do crime sexual reflete suas frustrações referentes à sua vida amorosa e sexual convencional, parece tentar compensar as falhas sexuais que com frequência apresenta. Por esse motivo, sempre demonstra agressividade, mostra superioridade perante a vítima, tentando se sentir maior e melhor, já que de outra forma não consegue.

Normalmente esses criminosos, quando apreendidos e presos, passam a sofrer abusos dentro do presídio, geralmente pelos mesmos meios empregados pelo abusador. Os próprios detentos e reclusos não admitem tal prática, possuindo eles um próprio código de conduta, o qual poucos deles se arriscam a infringi-lo.

Na verdade é raro que os abusadores em série sejam psicóticos, podendo ser enquadrados entre aqueles com transtornos da personalidade, os quais por não se sentirem inseridos no meio social, tentam a fuga, mediante o uso da agressão afetando as pessoas que fazem parte do grupo que o “excluiu”. De fato são pessoas aparentemente bem equilibradas, demonstram ser conhecedoras do correto e do errado, a partir de um parâmetro de adequação social/moral em que fazem parte.

3.1.1 Patologia e Psicopatia do Instinto Sexual

A conduta do indivíduo representa a maneira como expõe seu comportamento, como age e reage às atitudes em meio social. É um retrato da sua personalidade, onde estão presentes o temperamento e o caráter.

Tem-se como indivíduo de conduta normal quando este respeita as normas e os padrões da sociedade onde vive. Nas lições de João Farias Júnior, (2012, p. 311):

A anormalidade é o desvio dos padrões de comportamento na sociedade aceitos, caracterizada pela ineficiência do desempenho das funções biopsicológicas e da interação social, mas é preciso que essa ineficiência seja persistente e o comportamento seja inerente a todas as pessoas.

Os atos sexuais estão intrinsecamente ligados com os sistemas orgânico e nervoso, podendo sofrer desvios que ora adquirem o caráter de anormalidade, ora de feição mórbida.

De acordo com Cesare Lombroso (apud Chrysolito de Gusmão, 2001, p. 19), este sustenta que, as ligações que há na psicopatia sexual, a precocidade e obscenidade com a epilepsia. O referente autor, a quem se deve a criação da base da escola antropológica no Direito Criminal, sustentara que “as psicopatias sexuais, levadas à conta de paranoias, de melancolias e manias impulsivas, têm, ao invés, base epiléptica”.

Existem anomalias sexuais que atingem determinadas pessoas, tais como o fetichismo, sendo esta uma anomalia na qual um objeto, estranho à esfera genital normal ou tendo só por si, tão somente, um papel secundário nessa esfera da atividade sexual, tem o poder exclusivo de estimular ou despertar as sensações e os desejos sexuais.

Existem alguns critérios específicos que diagnosticam o psicopata, sendo dentre eles: problemas de relacionamento e más condutas na infância; a impulsividade; a incapacidade de demonstrar ou ter sentimentos de amor, compaixão, culpa; as mentiras e ausência de arrependimento.

3.1.1.1 Um panorama da criminogênese

A criminogênese explica as causas que levaram o indivíduo a praticar atos sexuais violentos em série, indica quais fatores o induziram a delinquência, portanto, advém da pesquisa a respeito da origem biológica e do resultado do convívio social do delinquente.

Frequentemente, é possível observar algumas alterações de ordem psicopatológicas que carregam uma razoável significação. Encontram-se nesta situação aqueles indivíduos pouco desenvolvidos psicologicamente, são instáveis e a imaturidade impera, acabam por se inclinarem, como resposta às frustrações, à agressividade, demonstrando grosseria e hostilidade. A autoestima é impotente, o que causa insegurança, timidez, medo.

Particularmente, o criminoso serial típico possui personalidade forte e agressiva, é sádico, age com grande hostilidade em relação à mulher, pois frente a ela, é inseguro. O violentador se difere do sádico porque tem a pretensão de submeter a vítima à penetração de seu órgão sexual, o que não necessariamente acontece com o sádico, o qual alcança o prazer pelo uso da violência sobre a vítima, embora não se realize a penetração. 

4 O LOCAL E O TEMPO DO CRIME

O lugar do crime pode ser dos mais diversos, oportunistas, a depender da ocasião ou, na maioria das vezes, são pontos estratégicos, previamente pensados de acordo com o dinamismo do criminoso. Os lugares oportunos tendem a ser aqueles em que a vítima surge de repente, quando o agente não visualizou a sua ocorrência, sem preparo, mas em razão do momento e das circunstâncias, este a violenta no local que achar mais conveniente a seu intento. Em se tratando de lugares estratégicos, estes são analisados cuidadosamente pelo agente, faz parte integrante para a concretização do crime. Podem ser a própria casa da vítima, áreas abandonadas, becos escuros, áreas em reformas, banheiros de escolas, elevadores, etc.

Em relação ao tempo do crime, verifica-se que pode ter relação com o dia da semana mais apropriado, se final de semana ou durante ela, quando todos estão ocupados. Este momento pode ter um significado lógico para o criminoso, como um ritual para a satisfação das necessidades do agressor, podendo servir de revivência de um fato ocorrido no passado, bem como, com a finalidade de cumprir com uma vingança, entre tantos motivos.


4.1 OS TRAUMAS

Aqueles que sofrem algum tipo de ataque sexual podem carregar durante toda sua vida uma carga de culpa, além do mais grave que são os efeitos psíquicos que estas agressões podem causar. São perturbações mentais, disfunção sexual, falta de libido, as quais devem ser tratadas por profissional psiquiátrico.

Ao efetuarem a denúncia, as vítimas, que já se encontram numa situação delicada, sofrem secundariamente com a prática burocrática por que devem passar, quando declaram os fatos, relembrando todo o sofrimento, além da realização de exames, perguntas da família, de curiosos, tendo, inclusive, que reconhecer o criminoso entre os suspeitos. Tudo leva a um trauma ainda maior.

Na descrição do criminoso, a vítima que não se encontra bem psicologicamente, pode descrever com ineficiência o agressor. As declarações da vítima são de suma importância para se chegar ao verdadeiro autor, acerca das suas características físicas, a forma como atuou antes, durante e depois do crime, sendo estes elementos essenciais para identificá-lo.

Após a violência sexual, a vítima tende a apresentar um estado emocional confuso, apresenta sinais de desorientação, não sabe o que fazer, se preocupa com as consequências que virão se denunciar o agressor. Surge o sentimento de vingança, de vergonha, o        que depois se convertem em constrangimento. É no constrangimento que se reserva o silêncio da vítima, que prefere calar que sofrer ainda mais.

Existe ainda um mecanismo de defesa que afeta a vítima, o chamado “negação”. Este reside na recusa a aceitar a existência do fato, também pode ser por sentimento de culpa, relembrando e analisando os acontecimentos para verificar se vale a pena denunciar, se poderia ter evitado ou feito algo que mudasse o rumo dos fatos. São estes motivos que levam a vítima a sofrer uma decadência em sua autoestima.

Esta autoestima baixa tornar-se-á cada vez mais baixa na medida em que o sentimento de culpa for corroborado por aqueles que entendem ter sido a própria, com suas ações sensuais, a provocadora do crime. Se após um longo prazo do fato a vítima ainda apresentar insônia, retroagir constantemente ao ocorrido e ter pesadelos relacionados ao crime é provável que se esteja diante de um estresse pós-traumático.


4.1.1 A fase de recuperação

Nesta fase a vítima passa a conviver com outra realidade, é uma situação de adaptação ao novo, ao diferente. Naturalmente, surgirão alguns sentimentos de relance, os quais se distanciam com o passar dos anos. Ainda há medo e receio de que tudo possa acontecer novamente, as pessoas ainda comentam e isso é ruim para a sua recuperação.

Nos casos em que esses sintomas pós traumáticos ainda persistem, pode-se estar diante de um transtorno delirante agudo e transitório. O ideal é que a pessoa encare os fatos racionalmente, se desvinculando da emoção. A resposta positiva ao crime consiste na capacidade da vítima em aceitar iniciar novas atividades, se oportunizar a outra chance.

Em suma, não é comum a recuperação psicológica integral da vítima, as marcas da agressão se vão, mas a experiência traumática fica.

A violência sexual, em geral, corresponde a uma necessidade do autor de autoafirmação, de seu poder de superioridade perante da vítima, de elevar sua autoestima, faz parte da compensação entre sua insegurança e seu suposto poder. Alcançar o prazer máximo submetendo a vítima a qualquer sofrimento, a agressão se torna sinônimo de orgasmo e o uso da força é necessário e intimidador, lhe traz excitação. A necessidade de ser aceito e fazer parte da sociedade machista faz parte de sua identidade sexual superior.

O criminoso hostil, por exemplo, pratica o ato sexual empregando mais violência que o necessário na sua empreitada, de maneira que a excitação sexual se confunde com a demonstração de sua força, ou seja, para chegar ao ápice do prazer é indispensável o emprego de sofrimento através de dano corporal à vítima.

4.1.1.1 A incidência no Brasil

De acordo com um levantamento feito pela escritora e especialista em criminologia, IIana Casoy, a respeito da incidência dos crimes sexuais em solo brasileiro, mais de 30 serial killer já aterrorizaram os brasileiros. Entre os casos mais antigos, registrado em 1926, foi o de José Augusto do Amaral, o “Preto Amaral”, descendente de escrava, o qual foi condenado pelo assassinato de quatro garotos e ainda por atentado violento ao pudor.

Considerados os maiores assassinos seriais do Brasil, conforme a autora, Ilana Casoy, o auxiliar de enfermagem, Edson Isidoro Guimarães, com 45 anos, de alcunha o Enfermeiro da Morte, e Laerte do Patrocínio Orpinelle, com 56 anos de idade. Edson Isidoro é réu confesso de pelo menos 05 (cinco) assassinatos, embora a polícia aduz que a quantidade real chegue ao patamar de 153 (cento e cinquenta e três) mortes, o que faz com que ele seja o maior serial killer da história policial brasileira. Sua ação consistia na aplicação de injeções mortais de cloreto de potássio, ou ainda, desligando aparelhos que mantinham as pessoas vivas. Laerte, por sua vez, preferia garotos e garotas como vítimas. Foi identificado pela polícia paulista, o desaparecimento de 99 (noventa e nove) crianças, nos 25 (vinte e cinco) locais por onde Laerte passou, entre os anos de 1996 e 1997. Sua atuação consistia no estrangulamento das vítimas, e só depois as estupravam.

Assuntos: Criminal, Direito Penal, Direito processual penal, Estupro, Estupro de vulnerável

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