Controle de constitucionalidade de lei ou ato municipal face à constituição federal

02/03/2013. Enviado por

O presente trabalho tem por escopo debater acerca da possibilidade de controle da constitucionalidade de lei e ato normativo municipal por intermédio da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo debater acerca da possibilidade de controle da constitucionalidade de lei e ato normativo municipal por intermédio da Ação Direta de Inconstitucionalidade. O tema em questão apresenta grande importância, tendo em vista a divergência doutrinária no que tange à matéria.

Para consecução desse objetivo, explanaremos, ainda que objetivamente, sobre a atividade de controle constitucional exercida pelos órgãos do judiciário, abordando as espécies de controle e, por fim, superada essa fase conceitual, abordaremos, especificamente, sobre a possibilidade do controle da constitucionalidade das leis e atos normativos municipais face à Constituição Federal.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Constitucionalidade das Leis

Sob a vigência do Estado democrático de direito, todas as espécies normativas do ordenamento jurídico devem se coadunar com a Constituição. Devem a esta obediência a seus princípios e mandamentos para serem consideradas como válidas. Através dessa observância é que se afere se as leis são ou não constitucionais, figurando, nesse momento, o controle de constitucionalidade, para observar se as leis e normas estão compatíveis com a Carta Magna. Essa verificação é denominada de compatibilidade vertical, pois é a CF quem rege todas as outras espécies normativas de modo hierárquico, tanto do ponto de vista formal (procedimental), quanto material (conteúdo da norma).

No dizer de José Afonso da Silva (2005, p.46),

“O princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a Constituição. Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais, quando a Constituição assim a determina, também constitui conduta inconstitucional.”

A inconstitucionalidade pode decorrer de algum vício ou irregularidade no procedimento de elaboração do ato, ensejando, dessa forma, no que se convencionou chamar de inconstitucionalidade formal.

Noutro norte, a inconstitucionalidade poderá, ainda, decorrer da própria matéria de que trata tal ato, numa incompatibilidade dessa matéria com os princípios e preceitos constitucionais.

Há, ainda, várias outras classificações de sobre as inconstitucionalidades, variando conforme os critérios adotados, porém, para o presente trabalho, importa ressaltar as já expostas e outras duas formas de atuação inconstitucional: a inconstitucionalidade por ação e a por omissão, que veremos a seguir.

2.2 Inconstitucionalidade por ação e por omissão

A inconstitucionalidade por ação decorre de uma conduta comissiva do agente com a produção, por exemplo, de atos legislativos ou administrativos que contrariem normas ou princípios da constituição. Seu fundamento resulta da compatibilidade vertical das normas, acima já referido.

Ainda nesse sentido, afirma Marcelo Alexandrino (2008, p. 696) que “Ocorre a inconstitucionalidade por ação quando o desrespeito à Constituição resulta de uma conduta comissiva, positiva, praticada por algum órgão estatal.”.

Já a inconstitucionalidade por omissão é verificada nos casos em que não sejam praticados atos requeridos pata tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais. Há uma previsão de efetivação de um direito pela Carta Política, mas aquele não é realizado por omissão do legislador.

Bem assim, preleciona José Afonso da Silva (2005, p. 47),

“Verifica-se nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais. Muitas delas, de fato, requerem uma lei ou uma providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se efetivem na prática.”

Sintetizando ambos os conceitos, assevera, finalmente, Pedro Lenza (2009, p. 160),

“Fala-se, então, em inconstitucionalidade por ação (positiva ou por atuação), a ensejar a incompatibilidade vertical dos atos inferiores (leis ou atos do Poder Público) com a Constituição; e, em sentido diverso, em inconstitucionalidade por omissão, decorrente da inércia legislativa na regulamentação de normas constitucionais de eficácia limitada.”

2.3 Classificação do controle de constitucionalidade

Para que se evite ao máximo a incidência de normas inconstitucionais, a própria Constituição estabelece preceitos a serem adotados para o controle dessas normas, visando, assim, a impedir que tais atos ingressem no mundo jurídico.

Vários são os critérios adotados para classificação dos diferentes controles. No presente trabalho, trataremos apenas dos controles: quanto o órgão responsável e quanto ao momento de exercício.

Quanto ao órgão responsável pelo controle, podem-se identificar três sistemas de controle: o político, o judicial e o misto.

O controle político é aquele exercido por órgãos de natureza política, como, por exemplo, o próprio legislativo; ou, ainda, a um órgão especial com essa atribuição. É comumente encontrado na Europa.

O controle judicial é aquele exercido por órgãos do poder judiciário que recebem, diretamente da Constituição, essa atribuição. Tem sua incidência principal nos Estados Unidos, por intermédio do Judicial Review. No Brasil, também é esse o modo controle adotado, apesar de parte da doutrina entender que, em certos momentos, é possível a incidência do controle político.

Por fim, o controle misto é aquele em que certas categorias de leis são submetidas ao controle político e outras ao controle judicial.

No que se refere ao momento do controle, podemos classificar o controle em prévio (ou preventivo) ou posterior (ou repressivo).

O controle é prévio quando a fiscalização da validade da norma incidir ainda sobre o projeto, antes de a norma estar pronta e acabada. Como exemplo, podemos citar o veto jurídico do Chefe do executivo. Nesse sentido, afirma Lenza (2009, p. 166) que “O controle prévio[...] é o controle realizado durante o processo legislativo de formação do ato normativo.”. Esse controle pode ser exercido nas três esferas de poder do Estado, dentro de seu papel normativo.

Noutro norte, o controle repressivo, a posteriori, ocorre quando a fiscalização da validade incide sobre a norma já pronta e já inserida no ordenamento jurídico. É o caso, em regra, do controle judicial no país. Tal controle será exercido sobre a Lei e não mais sobre o Projeto de Lei.

Com propriedade, sintetiza bem esses dois últimos controles, o professor Marcelo Alexandrino (2008, p. 710), que preleciona

“Como se vê, por meio do controle preventivo não é declarada a inconstitucionalidade da norma (que, na realidade, ainda não existe), mas, sim, evitada a produção de uma norma inconstitucional. Por sua vez, o controle de constitucionalidade repressivo tem por fim declarar a inconstitucionalidade de uma norma já existente, visando a sua retirada do ordenamento jurídico.”

2.4 Sistemas de controle

No que se refere ao sistema adotado para o exercício do controle, são conhecidos dois critérios: o controle difuso e o concentrado.

O controle difuso, ou por via de exceção, ocorre quando se possibilita a qualquer órgão do judiciário, que não o STF, exercer o referido controle na análise de um caso concreto levado a juízo. O decidido no exercício desse controle só vincula as partes litigantes.

O controle concentrado recebe essa denominação por ser o seu exercício de exclusividade do Supremo Tribunal Federal. Nesse caso, somente as pessoas legitimadas pela Constituição podem questionar a constitucionalidade de algum ato.

2.5. Controle de constitucionalidade das leis e atos normativos municipais face à Constituição Federal

Conceituados os institutos fundamentais que regem o tema do controle de constitucionalidade, passaremos, agora, a dissertar sobre o assunto tema central deste trabalho.

Dúvida muito corriqueira no meio jurídico refere-se à possibilidade ou não de incidência do controle de constitucionalidade sobre leis ou atos municipais face à Constituição Federal. Nossa Carta Política assevera em seu art. 102, inciso I, a, que,

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;”

Do exposto, vê-se que é inquestionável a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual em dissonância com a Constituição Federal. Não há, entretanto, no texto constitucional, menção ao controle direto da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tendo-se como parâmetro Carta Política.

E é dessa aparente lacuna no texto constitucional que surgem inúmeras discussões doutrinárias, tornando o respectivo assunto bem mais complexo de resolução. Diante dessas discussões, a doutrina tem-se dividido da seguinte forma: há os que vêem, apoiados em uma interpretação extensiva do texto constitucional, a possibilidade de incluir a lei ou o ato normativo municipal na expressão "estadual"; há os que entendem que, de acordo com o artigo 125, § 2° da CF, há a possibilidade de deferimento ao constituinte estadual da competência para o exercício desse controle; e há, finalmente, os que enxergam no texto constitucional, não uma lacuna, mas sim um interesse dirigido ao fim de não se permitir tal possibilidade de controle.

Diante de toda essa celeuma, grande parte da doutrina – e o próprio STF – entendem ser impossível o controle concentrado de tais atos. Para melhor sedimentação do tema, citemos, por exemplo, a jurisprudência do STF, assim dispondo:

"Não há ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, frente à CF" (RE 93.088, 20/05/81, Min. Rel. Soares Muñoz). "Argüição de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo municipal por contrariedade à Constituição Federal, mediante representação a Tribunal de Justiça do Estado - sua inadmissibilidade em face do sistema constitucional vigente" (RE 94.039, 02/06/81, Min. Rel. Moreira Alves), no voto "Isto ainda, porque se nem o Supremo Tribunal Federal pode julgar a inconstitucionalidade, em tese, da lei ou ato normativo municipal diante da Constituição Federal, como admitir que as Constituições Estaduais, sob pretexto de omissão, dêem esse poder, de natureza eminentemente política, aos Tribunais de Justiça locais e, ao próprio Supremo Tribunal Federal, por via indireta, em grau de Recurso Extraordinário".

"A Constituição de 1988, ao prever o controle concentrado de constitucionalidade no âmbito dos Estados-Membros, erigiu a própria constituição estadual à condição de parâmetro único e exclusivo de verificação da validade das leis ou atos normativos locais" (ADIn 409-3, Min. Rel. Celso de Mello, 06/12/90, RTJ 134, pág. 1066).”

No mesmo sentido, podemos citar as ADI: 1375-1, Min. Rel. Moreira Alves, 23/11/95 e 1536-2, Min. Rel. Marco Aurélio, 14/04/97.

Ainda nesse sentido, preleciona Lenza (2009, p. 221) que,

“Nesse caso, por falta de expressa previsão constitucional, seja no art. 102, I, “a”, seja no art. 125, § 2º, inexistirá controle concentrado por ADI. O máximo que pode ser feito é o controle via sistema difuso, podendo a questão levada ao judiciário, através do recurso extraordinário, de forma incidental, ser apreciada pelo STF e ter a sua eficácia suspensa, pelo senado Federal, nos exatos termos do art. 52, X.”

Na mesma linha de raciocínio também trilham, por exemplo, Marcelo Alexandrino, Leo Van Holthe e Alexandre de Moraes, apenas para citar alguns.

Dessa forma, é forçoso concluir que o legislador constituinte não previu o controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais face à Constituição da República.

No entanto, a moderna doutrina constitucional, em contraponto, admite a possibilidade de ação de controle de constitucionalidade concentrado de lei municipal, no Supremo Tribunal Federal em face da Constituição Federal, no caso de descumprimento de preceito constitucional fundamental. Trata-se, no caso, da Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF. Bem assim, assevera Marcelo Alexandrino (2008, p. 762) que,

“O direito municipal somente poderá ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle difuso, quando uma controvérsia concreta chega ao tribunal por meio do recurso extraordinário ou, excepcionalmente, por meio de argüição de descumprimento de preceito fundamental.”

3. CONCLUSÃO

Essa foi uma breve análise de como se dá o controle de constitucionalidade das Leis Municipais frente à Constituição Federal.

Vimos aqui, que a ausência de disposição constitucional federal relativa à competência para o controle concentrado em caso de conflito de norma ou ato municipal frente à norma Constitucional, apesar de aparentemente limitar a atuação desse controle constitucional, parece ter sido a intenção do constituinte originário que pretendeu permitir apenas o controle difuso para a resolução e eliminação do preceito supostamente inconstitucional.

Nesse diapasão, vê-se que o entendimento da doutrina e da jurisprudência majoritárias, baseadas nos preceitos constitucionais, é que, pela via direta, não é possível o exercício de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais face à Constituição Federal, por intermédio da ADI, nem aos Tribunais de Justiça e nem ao Supremo Tribunal Federal, por falta de expressa previsão constitucional. No entanto, como dispõe o art. 102, III, alínea “a” da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal, em via de defesa ou exceção, através de recurso extraordinário, pode exercer o controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo do governo municipal face à Constituição Federal ou, até mesmo, por intermédio da Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Não pretendemos aqui esgotar todo o assunto. O objetivo principal era o de lançar breves luzes sobre o tema com vistas à divulgação das correntes doutrinárias que debatem acerca do caso em questão. Bem como, tentar mostrar qual a majoritária corrente.

4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

ALEXANDRINO. Vicente Paulo e Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Método. 2008.

LENZA. Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Saraiva. 2009.

MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas. 2003.

SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros. 2005.

HOLTHE. Leo Van. Direito constitucional. 5. ed. revista, ampliada e atualizada. Salvador: Jus Podium. 2009.

Assuntos: Direito Administrativo, Direito processual civil, Direito Público

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