Cessão de Créditos

10/09/2012. Enviado por

O presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre a situação do devedor-cedido em caso de cessão daquele crédito a que ele está obrigado a solver.

O instituto da Cessão de Créditos vem disciplinado, na Parte Especial, Livro I (Do direito das Obrigações), Título II (Da transmissão das obrigações), Capítulo I (Da cessão de crédito) do Código Civil de 2002, nos artigos 286 a 298, nos mesmos moldes do Código anterior (1916), tendo como diferencial a inovação da Assunção de Dívida, exposto no Capítulo II, que “passou a integrar o ordenamento jurídico pátrio a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002”[1].

O artigo 290 dispõe que “a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita”.

Pela simples leitura do artigo, vemos que não é necessário que o devedor-cedido consinta com a cessão do crédito entre cedente e cessionário. Entretanto, para que o mesmo possa cumprir sua obrigação com o credor cessionário, ou seja, para com aquele que adquiriu os direitos daquele crédito o qual o devedor-cedido estava obrigado, há que haver, necessariamente, a notificação do devedor.

O que o legislador pretendeu foi que o devedor tomasse conhecimento do negócio cedido, para que, desta forma, pudesse adimplir sua prestação junto ao credor e pudesse, assim, ser liberado de sua obrigação.

É o quanto estipulado o art. 308 do Código Civil: “o pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito”.

Desse modo, concluímos que, para que o contrato de cessão de crédito possa produzir efeitos junto ao devedor-cedido, imprescindível sua notificação.

O curioso é que o legislador não deixou claro de forma deveria ser essa notificação. Assim, surgem diversas interpretações sobre a forma como se deverá cumprir o quanto estipulado no artigo 290 do NCC.

Na doutrina de PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, encontramos ensinamento no sentido de que apesar do devedor não precisar autorizar a cessão, “isso não quer dizer, todavia, que não deva ser notificado a respeito do ato, até para saber que, a partir daquela comunicação, não pagará, mas a dívida ao credor primitivo (cedente), mas sim ao novo (cessionário)” (Novo Curso de Direito Civil, vol. II, Obrigações, 7a ed. rev., atual. e reform., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 250).

Continuam explicando que trata-se de um dever de informação sob o enfoque da boa-fé objetiva nos contratos. Para melhor esclarecer a questão trazem as palavras de Cristoph Fabian: “um exemplo de dever de informar como dever à prestação encontra-se na cessão de créditos: para ser válida a cessão em relação ao devedor, ela deve ser notificada a esse (art. 1069 do CC de 1916). Se o cedente não notificar a cessão, ele pode ser responsável por danos ao cessionário. Nesta perspectiva, a notificação é um dever anexo que assegura a realização da cessão em relação a devedor (O Dever de Informar no Direito Civil, São Paulo, RT, 2002, p. 64)” (ob. e pág. cit.)

A doutrina tem diversas interpretações a respeito da notificação. Entretanto, mostra evidente a necessidade desta notificação ao devedor sob pena de ser considerado válido o pagamento feito ao cedente (credor primitivo).

Nos ensinamentos de CARLOS ROBERTO GONÇALVES vemos uma passagem bastante curiosa, no qual ele menciona que “Antunes Varela, refutando opinião contrária de Mancini, destaca esse aspecto da notificação ao devedor, dizendo que não constitui ela um requisito de validade da cessão, como poderia depreender-se da interpretação literal do texto, mas apenas uma condição da sua eficácia em relação ao devedor. Se, este, ‘ignorando a cessão, pagar ao credor primitivo, o pagamento considera-se bem feito, em homenagem à boa-fé do devedor, que se considera definitivamente desonerado. Como, porém, a cessão é válida entre as partes, independentemente de notificação ao devedor, o credor primitivo que recebeu a prestação dispôs de direito alheio, enriquecendo-se ilicitamente à custa do cessionário. E terá, conseqüentemente, que restituir ao lesado tudo quanto indevidamente recebeu do devedor (Direito das Obrigações, Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. II, p. 318-319)” (Direito Civil Brasileiro, vol. II, Teoria Geral das Obrigações, 2a ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 207).

Não discrepa a respeito o entendimento da jurisprudência:

“Ação declaratória de inexistência de débito com pedido de indenização por danos morais. Cessão de créditos. Ausência de notificação. Pagamento da dívida ao credor primitivo. Quitação anterior que desobriga o devedor. (...) Cessão de créditos. Dívida quitada perante o credor primitivo, co-demandado não apelante. Pagamento efetuado pelo devedor antes de tomar ciência da cessão. Por força do disposto no artigo 292 do Código Civil, desobrigado está o devedor que realiza o pagamento da dívida diretamente ao credor primitivo antes de tomar conhecimento da cessão de crédito. Declaração de inexistência de débito mantida (...)” (Ap. Cível Nº 70022668115, 12ª Câm. do TJRS, rel. Dálvio Leite Dias Teixeira, j. 13/08/2009, m.v., g.n.)

“Direito privado não especificado. Ação monitória. Cheques. Cessão de crédito. Ausência de notificação do devedor. Ineficácia. Ilegitimidade ativa do cessionário. Extinção do feito sem resolução de mérito. Consoante o disposto no art. 290 do Código Civil de 2002, constitui pressuposto de eficácia da cessão de crédito, perante o devedor, a sua prévia notificação acerca da cessão. Hipótese em que o embargante não foi notificado acerca da cessão de crédito, não possuindo o cessionário, assim, legitimidade para postular a satisfação da obrigação incorporada nos cheques que fundamentam a ação monitória. Por maioria, extinguiram o feito sem resolução de mérito” (Ap. Cível Nº 70029584950, 16ª Câm. Cível do TJRS, rel. Paulo Sérgio Scarparo, j. 18/06/2009, m.v., g.n.)

“Não havendo prova de que o cessionário de um crédito notificou o devedor, não há que se falar na ineficácia do pagamento feito a um terceiro que comprovou a qualidade de credor do título” (Ap. Cível Nº 2.0000.00.506863-1/00, 9ª Câm. Cível do TJMG, rel. Osmando Almeida, j. 10/10/2006, v.u., g.n.).

Para melhor esclarecer, entendemos que esta notificação deva ser, no mínimo, INEQUÍVOCA.

A doutrina de DÉBORA GOZZO em seu artigo intitulado Cessão de Direitos, ensina que “como a lei silenciou, conclui-se que ela poderá ser judicial, extrajudicial ou, até mesmo, informal, por exemplo, na hipótese de envio de carta com aviso de recebimento” (artigo pub. in Direito dos Contratos, vol. I, coordenação de Antonio Jorge Pereira Júnior e Gilberto Haddad Jabur, São Paulo, Ed. Quartier Latin, 2006, p. 369, g.n.).

Importante, ressaltar, que grifamos a passagem acima, pois não há dúvida da notificação inequívoca quando se trata de notificação judicial ou extrajudicial. Caso contrário, se depararmos com uma notificação informal, simples encaminhamento de uma carta, restará dúvida quanto à inequívoca ciência do devedor.

Nesses casos, verificar-se-á que apesar da comunicação, esta não foi inequívoca, pois ao optar por realizar um comunicado sob a denominação de notificação extrajudicial (exemplo de carta simples), sem qualquer comprovação de que o devedor recebeu essa notificação, é, no mínimo, ser desatento e extrapolar os limites da boa-fé exigida nos contratos.

A doutrina pode deixar lacuna, como a própria lei deixou, ao tratar dessa notificação de forma inequívoca. Por outro lado, a jurisprudência resolveu a questão, pois não é incomum vermos julgados interpretando dessa forma. Vejamos:

“Em que pese haja se demonstrado a cessão de crédito operada entre o Banco do Brasil e a Ativos S/A relativamente ao débito do autor, não foi este notificado do negócio, razão pela qual não lhe pode ser oponível. Dessa forma, ainda que existente a dívida, mostram-se ilícitas as medidas de cobrança levadas a efeito antes da inequívoca ciência do devedor, a exemplo da anotação em órgãos restritivos, que não se confunde com ato conservatório do próprio direito. Inteligência do art. 290 do Código Civil” (Apelação Cível Nº 70027224153, 9a Câmara Cível do TJRS, rel. Tasso Caubi Soares Delabary, j, 26/11/2008, g.n.).

“É bem de ver que o art. 290 do Código Civil prevê que a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. In casu, a demandada Ativos S/A Securitizadora de Créditos Financeiros não se desimcumbiu satisfatoriamente do ônus de provar a notificação do devedor sobre a cessão de crédito realizada. Portanto, dessume-se que o autor não foi cientificado de forma inequívoca da cessão realizada, o que acarreta a ausência de eficácia da mesma com relação a ele” (Ap. Cível Nº 70021498183, 9a Câm. Cível do TJRS, rel. Odone Sanguiné, j. 20/02/2008, g.n.).

Em conclusão, fica evidente a desnecessidade que o devedor-cedido consinta com a cessão do crédito entre cedente e cessionário, havendo, por outro lado, a necessidade da notificação inequívoca do devedor para que este possa cumprir sua obrigação com o credor cessionário.


[1] Conforme explica DÉBORA GOZZO em seu artigo intitulado Cessão de Direitos, pub. in Direito dos Contratos, vol. I, coordenação de Antonio Jorge Pereira Júnior e Gilberto Haddad Jabur, São Paulo, Ed. Quartier Latin, 2006, p. 364. Explica, ainda, que: “esta espécie de cessão não havia sido, até então, objeto de interesse do legislador. Isso talvez se deva ao fato de, na prática, não ser comum a celebração de negócio jurídico que envolva a transferência só do passivo da relação jurídica obrigacional”.

Assuntos: Consumidor, Crediário, Direito do consumidor, Direito processual civil

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