A entrevista semanal aborda a lei das cotas.

08/03/2013. Enviado por

Até 2016, todas as universidades federais terão de reservar 50% das suas vagas para cotistas.

Em agosto do ano passado, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que institui o sistema de cotas raciais e sociais para universidades federais de todo o país. A lei prevê que as universidades públicas federais e os institutos técnicos federais reservem, no mínimo, 50% das vagas para estudantes que tenham cursado todo o ensino médio em escolas da rede pública, com distribuição das vagas entre negros, pardos ou indígenas.

 

Meu Advogado: Quais as principais proposições do Estatuto de Igualdade Racial e da Lei de Cotas?

Dr. Carlos Eduardo: O objetivo maior do Estatuto de Igualdade Racial é efetivar igualdade de oportunidades para a população negra. Assim, tem como plano de fundo o combate ao preconceito, questão bastante arraigada na cultura brasileira e nunca combatida de forma corajosa, como acontece agora. O Estatuto, que é uma norma mais geral, em seus artigos, defende os direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica, além da igualdade de oportunidades, como consta no artigo 1º da Lei nº 12288/2010. Com esta Lei, fica mais legítimo o direito de exigir do Estado políticas públicas para inclusão da população negra, sempre a mais excluída nos quesitos sociais do Brasil. E aqui entra a Lei de Cotas, que visa possibilitar o acesso dos alunos negros e índios da escola pública nas universidades e institutos federais. É uma ação afirmativa que tem como escopo fazer justiça social às raízes que formam a base cultural do nosso país. A Lei de Cotas como braço do Estatuto da Igualdade Racial, irá ajudar a resolver um erro histórico da política nacional, que deixou como legado para os negros e índios o descaso público. Ela irá ajudar o Brasil a se assumir como um país multirracial.

M.A.: As medidas propostas pela Lei são legais aos olhos da Constituição? O fato de tratar brancos e negros, por exemplo, de forma diferente, não seria motivo de ilegalidade perante a constituição brasileira?

Dr. Carlos Eduardo: De forma alguma! As medidas são legais justamente em respeito ao Princípio da Igualdade. Afinal, como disse Aristóteles, “a verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualem”. É o caso em tela. Sempre os negros e índios foram excluídos da vida social do nosso Estado. Ao fim da escravidão, por exemplo, foi negado à população negra o sistema de ensino e restou a ela os morros e os piores trabalhos, que duravam horas a fio e eram mal-remunerados, não deixando os negros nem mesmo pensar na possibilidade de estudar. E os brancos? Estes tinham melhores situações. Ora, o Brasil sempre tratou diferente os negros e brancos, beneficiando estes últimos, e agora, em respeito ao Princípio da Igualdade, os desiguais são tratados de forma desigual para fazer um resgate histórico. Os negros, com abolição da escravatura, continuaram na miséria, sem escolaridade e sofrendo com a discriminação de uma sociedade preconceituosa e racista, como é a população brasileira até hoje. Eles permaneceram excluídos da cidadania. Havia poucas oportunidades para eles. Por isso hoje a população afro-descendente possui os índices sociais que o IBGE aponta: em todas as faixas de escolaridade a renda por hora de pretos e pardos é pelo menos 20% inferior a dos brancos; entre as famílias 1% mais rico apenas 16% são pretos e pardos; entre empregados domésticos sem carteira assinada, 21,3% são pretos e pardos, enquanto os brancos são apenas 6%.
As ações afirmativas são um conjunto de políticas públicas destinadas a resgatar uma dívida social aos grupos que tenham e ainda são vítimas de discriminação. Esse tipo de política afirmativa não é coisa nova no Estado brasileiro. Em 1968, foi aprovada a Lei nº 5.465/1968, que era intitulada lei do boi. Esta garantia vagas nos cursos de agronomia e veterinária para os filhos dos fazendeiros, mesmo para aqueles que não tinham o chamado ensino médio. Não há relatos de revolta na época das cotas para os filhos ricos e brancos dos grandes propriedades de terra, enquanto atualmente se discutem de forma feroz as cotas para negros. Outro exemplo de política afirmativa é a lei eleitoral, que garantiu 30% das candidaturas para as mulheres em cada partido e também não houve forte oposição. Outra ação afirmativa se refere a vagas de concurso público para portadores de necessidades especiais, que foi bem aceito pela sociedade.
As políticas afirmativas que garantam cotas para negros nas universidades não são apenas um direito deles, mas um dever de uma sociedade que os excluiu e os abandonou a própria sorte. O argumento de que as cotas raciais ferem o princípio da igualdade é balela.

M.A.: Caso um negro, pardo ou indígena, que tenha cursado todo o ensino médio em escola pública não queira se beneficiar das cotas, o que ele pode fazer? O que está previsto em lei para as pessoas que se sentirem discriminadas com alguma classificação racial que não condiz com o seu próprio julgamento de cor da pele?

Dr. Carlos Eduardo: Os negros, índios ou pardos, que estudaram em escola pública, não são obrigados a participarem do sistema de cotas. É só declarar isso, optar por não fazer parte das cotas. Na Lei nº 12.711/2012, entende-se que 50% das vagas são para alunos oriundos da escola pública. As vagas para pretos, pardos e indígenas será proporcional ao “mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas” da população de cada unidade federativa. Basta se autodeclararem pretos, pardos e indígenas para poder disputar a vaga, sendo que algumas instituições realizam entrevistas para evitar equívocos. Se alguém não concordar com a autodeclaração, a Lei referida acima e o Decreto nº 7.824/2012 não diz nada, mas na impede que essa pessoa entre na Justiça para contestar aquele cotista.

M.A.: Os estudantes que se sentirem prejudicados pelo não ingresso numa universidade federal em virtude da reserva de 50% das vagas aos negros, pardos e indígenas, podem tomar alguma atitude legal, respaldada pela lei?

Dr. Carlos Eduardo: Para todos existe a possibilidade de entrar no Poder Judiciário e requerer o que achar que é direito. Muitos, nesse caso, entram com Mandado de Segurança, mas a Lei nº 12711/2012 foi aprovada pelo Congresso Nacional e o STF entendeu que as cotas são necessárias para reduzir a desigualdade social existente, ou seja, declarou constitucional o sistema de cotas. Logo, o Mandamus acaba sendo denegado.

M.A.: O ingresso de estudantes que cursaram todo o ensino médio em escola pública pode contrastar com o ensino dos demais estudantes, que sempre estudaram em escolas particulares. A defasagem do ensino público frente ao particular pode diminuir a qualidade do curso, levando a um ritmo menos acelerado de professores e da instituição, para que todos possam acompanhar as aulas?

Dr. Carlos Eduardo: Isso era um dos principais argumentos da oposição da Lei de Cotas. Acontece que foram realizadas pesquisas em institutos superiores que comprovam que os cotistas estão no mesmo patamar dos não-cotistas, e isso sem diminuir ritmo dos professores e sem modificar a qualidade de ensino. Em muitas dessas pesquisas os cotistas ficaram como os melhores alunos. Foi mais uma falácia desmascarada.

 

 

Assuntos: Cota racial, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito processual civil

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