Terceirização do Sistema Penitenciário e o principio da dignidade da pessoa humana

27/05/2017. Enviado por

Este artigo tem como objetivo avaliar o sistema prisional brasileiro tradicional e outros sistemas prisionais público-privados, destacando o sistema prisional de Ribeirão das Neves, com enfoque na reabilitação social do preso.

O Sistema Prisional Brasileiro não se encontra em consonância com as normas de Execução Penal vigente e com o princípio da dignidade da pessoa humana. O déficit de vagas nas penitenciárias e a demora de julgamento dos presos provisórios resultaram num aglomerado de presos vivendo em condições sub-humanas. Desde a implantação do modelo celular de prisão, no início do século XX, já faltava vagas para os detentos.

Com início nos Estados Unidos, a Terceirização do Sistema Penitenciário se difundiu a outros países, inclusive no Brasil. Aqui são poucas unidades que já utilizam esse sistema, porém num formato diferente dos Estados Unidos, sendo a responsabilidade da terceirizada subsidiária ao Estado aos moldes da Lei de Execução Penal. Ao analisar o sistema prisional de Ribeirão das Neves se tem a justa compreensão de formação e administração desse modelo. Quanto à reabilitação social se norteia ao trabalho do preso e a oferta de condições físicas adequadas para a sobrevivência humana.

A terceirização administrativa do sistema brasileiro pode assegurar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana aos presos para consolidar o respeito à integridade física e moral?

Tirar o preso do ócio através da capacitação técnica e do trabalho, oferecer ao interno do sistema prisional as condições mínimas asseguradas na Lei de Execução Penal, é possível através da participação do setor privado com responsabilidade subsidiária ao Estado para a reabilitação e ressocialização dos condenados, durante e após o cumprimento da pena. Cumprir pena não é garantia de não reincidência ao crime, a atividade laboral pode qualificar o indivíduo para dar a ele uma profissão após sua saída do sistema prisional, diminuindo reincidências e cumprimento de novas penas.

Um sistema penitenciário que não consegue atingir totalmente suas finalidades mesmo com um custo alto demonstra a ineficácia da gestão pública e consequentemente, um alto número de reincidências dos apenados, abre espaço para discussões no sentido de solucionar tal problema, demonstra que para se resguardar o princípio da dignidade da pessoa humana, se faz necessária a parceria público-privada.

Contexto Histórico

A origem de prisão como pena teve início na Idade Média, para punir clérigos que faltava com suas obrigações e por este motivo eram recolhidos em suas celas para através da meditação e mais próximos de Deus, se arrepender das ações cometidas ou negligenciadas. A House of Correction, inspirada no modelo dos monastérios, foi a primeira prisão com destino de detenção para penalizar criminosos, foi construída entre 1550 e 1552. Esse sistema de prisão se difundiu no século XVIII. Em Roma, no Hospício de San Michel, encarcerava “meninos incorrigíveis”, denominava Casa de Correção, surge então, a “instituição penal” na antiguidade.

Nas civilizações antigas, egípcias, persas, babilônicas, gregas, a prisão servia de contenção e de tortura, devido suas batalhas e aprisionamento de escravos nas conquistas territoriais.

Até o século XVIII, não havia pena de privação de liberdade, a prisão era uma forma de manter o acusado detido para se obter provas, que geralmente por meio de tortura, e assegurar que o acusado aguardasse o julgamento e a pena, que geralmente era execução. O encarceramento era um meio de assegurar o cumprimento da pena, tinha finalidade diferente da atual que é a prisão como meio punitivo.

O Brasil, quando colônia portuguesa, submetia-se as Ordenações Filipinas, na qual elencava crimes e penas a serem aplicadas, entre elas, penas de morte, penas corporais, como açoites, mutilações, e penas de confisco de bens e multas, existiam também penas de humilhação pública do réu. As prisões nesse período histórico eram somente locais de custódia.

Somente a partir do século XIX, surgiu no Brasil prisão com celas individuais, no advento do Código Penal de 1890, surge novas modalidades de prisões, não havendo mais penas perpétuas ou coletivas, limitando as penas restritivas de liberdade individual com penalidade máxima de trinta anos, surge ainda prisão celular, reclusão e prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar. O sistema Progressivo, onde se considera o comportamento e aproveitamento do preso, verificando boa conduta e trabalho, sistema que surgiu na Inglaterra por volta do século XIX, onde o período de prisão se dividia por estágios e chegando até a liberdade condicional, muito próximo do sistema utilizado no Brasil.

Ineficácia da Execução Penal

Desde a promulgação do Código Criminal, já havia escassez de estabelecimentos para se cumprir as penas privativas de liberdade, havia enorme déficit de vagas, deste modo, o legislador fez se obrigado a inovar e criar penas alternativas para as devidas condenações.

A superlotação, já criava grave problema de deterioração do ambiente dos presídios. Em 1906, em São Paulo a população carcerária para prisão celular já apresentava déficit de 90,3%, onde 816 presos ocupavam 160 vagas disponíveis, cumprindo pena de forma diferente a prevista no Código Penal vigente.

O Estado, não conseguiu em momento algum da história brasileira equilibrar a população carcerária, em números, segundo dados do Geopresídio do Conselho Nacional de Justiça/ 2014, nos 2.773 estabelecimentos prisionais existe 376.669 vagas e uma população prisional de 607.731 presos, atingindo um déficit de 231.062 vagas. O sistema penitenciário no Brasil tem sido ineficaz tanto na função de ressocialização como na assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e também religiosa, disposta no artigo 11 da Lei de Execução Penal.

Desde 2000, a população prisional cresceu, em média, 7% ao ano, totalizando um crescimento de 161%, valor dez vezes maior que o crescimento do total da população brasileira, que apresentou aumento de apenas 16% no período, em uma média de 1,1% ao ano.

No Brasil, cerca de 41% das pessoas privadas de liberdade são presos sem condenação. Significa dizer que quatro a cada dez presos estão encarcerados sem terem sido julgados e condenados. Além da porcentagem de presos sem condenação, releva aferir o tempo médio que o preso sem condenação fica recolhido. Para uma constatação exata desse dado, seria necessária a análise individual dos processos judiciais das pessoas privadas de liberdade, o que foge do escopo de investigação do Infopen. No entanto, a fim de aferir esse dado a partir da metodologia do Infopen, incluiu-se no levantamento um questionamento sobre o contingente de presos sem condenação retidos há mais de 90 dias. Cerca de 37% das unidades prisionais informaram deter o controle da informação.

A ineficiência do Estado não está somente na administração prisional, conforme dados do sistema de informação penitenciário, a quantidade de presos sem condenação demonstra a lentidão do judiciário em julgar os presos provisórios, porém esses presos provisórios representam 41% da população carcerária e o déficit de vagas atinge 163%, resta, portanto 122% a falta de vagas a presos condenados. De cada 10 presos pelo delito de roubo, 7 reincidiram no Estado de São Paulo (dados de janeiro de 2001 a julho de 2013) e 41% são menores. O levantamento mostra que, dentre os reincidentes, 20,5% cometeram o primeiro roubo antes dos 18 anos e 20,6% com menos de 17. O método usado foi conservador, e o número dos que voltaram a roubar no período citado pode ser mais alto. Roubos cometidos na mesma área em curto intervalo não foram computados, por serem provavelmente arrastões, que entram na categoria de crime continuado. Pessoas diferentes com o mesmo nome – ou homônimos – foram excluídas, verificando-se o número do documento ou o nome da mãe. Foram examinados 14.699 autores de roubos, dos quais 10.200, ou 69%, cometeram roubos mais de uma vez, o que os técnicos chamam de “reiteração”. A amostra é bastante pequena, para o período: no ano passado (2013), a média mensal de BOs de roubos no Estado de São Paulo foi de 29.320 e, no período 2011-2013, de 27.440.

Os 1.598 presídios do país registraram 20.310 fugas de presos no período entre março de 2012 e fevereiro de 2013, mostra relatório "A Visão do Ministério Público sobre o Sistema Prisional Brasileiro”, do Conselho Nacional do Ministério Público. Ainda conforme os dados, entre as 20.310 fugas ou evasões, quando o detento liberado para saída temporária não retorna, 3.734 presos foram recapturados e 7.264 acabaram voltando espontaneamente no mesmo período da pesquisa, de um ano.

Em suma, o Sistema Prisional Brasileiro, em sua maioria, mantem uma estrutura de amontoado de pessoas vivendo de forma sub-humana sem o mínimo de condições de higiene, em celas lotadas e fétidas, o que fere o Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, ainda no mesmo diploma legal, no mesmo artigo: “Não haverá penas cruéis”, continua a Carta Magna no artigo 5º: “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Com alta reincidência e diversas fugas, o sistema Prisional Brasileiro Tradicional não tem atingido suas metas.

Assuntos: Direito Penal, Terceirização

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