Regras de Aposentadoria. Previdência Pública e Complementar. Considerações essenciais.

29/05/2012. Enviado por

FHC reformou a previdência no setor privado. Aumentou tempo de contribuição, retirou direitos, bloqueando o acesso à aposentadoria a milhões de trabalhadores. Lula aumentou o tempo de contribuição do servidor e vedou a aposentadoria integral

“O alheamento é uma das formas pela qual se manifesta a banalidade do mal. As elites não mais se preocupam em legitimar os valores de sua cosmovisão. Consideram que a sociedade se converteu ao seu modus vivendi e, apostando nesse imaginário consenso, agem com o desembaraço daqueles que andam no fio da navalha, sem considerar os riscos que correm”. (Hannah Arendt & Jurandir Freire Costa).

O princípio da isonomia é um pilar constitucional. Pessoas são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza. É a igualdade material: a Carta Magna trata aos desiguais com diferenciação e aos iguais, igualitariamente.

As regras constitucionais exigem diferentes requisitos para a concessão de aposentadoria aos trabalhadores em idêntica situação profissional.

Empregados pela CLT aposentam com 35 ou 30 anos de trabalho, homens ou mulheres, respectivamente, enquanto servidores públicos estatutários, em média, contribuem por 7 anos mais, ainda que exerçam a mesma atividade, para ter direito a aposentadoria.

Objetiva-se mostrar neste estudo que a diferenciação das regras aplicáveis a empregados e servidores afronta a isonomia. A distinção, estranhamente, não foi questionada. O que estaria por trás dessa imensa incoerência?

O servidor público sofre desconto compulsório durante a vida laboral de 11% (onze por cento) da remuneração total para a Previdência Própria. A Lei 12.618/2012 que criou o Fundo de Previdência Complementar dará ao servidor federal o direito de decidir se quer ou não contribuir acima do teto da Previdência Social.

Sob as regras vigentes, ao passar para a inatividade, o servidor, à exceção dos admitidos até 16.12.1998, só terá direito ao benefício calculado pela média das remunerações que serviram de base à contribuição (Lei nº 10.887/2004), atualizadas. O valor do benefício, em regra, será inferior à última remuneração em atividade.

Os segurados do INSS recolhem contribuição máxima limitada a um teto, com base em alíquotas de 8 a 11%, não cumulativas, sobre faixas de valores distribuídas até esse limite máximo, ou seja, o teto de contribuição ou de benefícios.

O empregado que ganha acima do teto poderá contribuir para entidade previdenciária complementar, sobre a parcela recebida além do teto, facultativamente, para fazer jus ao benefício complementar, podendo obter o valor do salário ao aposentar, dependendo da modalidade do plano.

Ao ser aprovada a criação dos fundos de previdência complementar no serviço público, o deputado Chico Alencar lamentaria: “O Funpresp servirá só para alimentar a ciranda financeira!”. Disse aos servidores: “Vocês estão aqui para defender a dignidade do serviço público, que um projeto como esse destrói, pois acaba com a perspectiva de carreira”.

As regras previdenciárias dos trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público eram aproximadas até a vigência das EC nº 41/2003 e nº 47/2005 no Governo Lula, que mudaram regras só no serviço público, impondo duras perdas de direitos aos servidores.

A assimetria maior dos regimes está na idade mínima. Os servidores egressos após 16.12.1998 passarão à inatividade aos 60 anos, homens e 55 anos, mulheres. Exige-se um tempo mínimo de contribuição efetiva de 35 e 30 anos, respectivamente.

Para ilustrar, o servidor federal que começar a contribuir aos 18 anos, trabalhará por 42 anos; a servidora, 37 anos. São sete anos de contribuição além dos empregados, ainda que ambos tenham idênticas remuneração e profissão. Essa diferença entre regimes não parece ser consonante com o princípio constitucional da isonomia.

O RGPS (INSS) não exige idade mínima para aposentadoria. Basta comprovar tempo de contribuição. Para desestimular as aposentadorias mais precoces na Previdência Social, editou-se a Lei nº 9.876/99 (fator previdenciário) que reduziu substancialmente o valor dos benefícios.

Em empresas privadas e estatais, o empregado pode requerer benefício da aposentadoria por tempo de contribuição após contribuir por 35 anos, se homem, ou por 30, se mulher. Quem iniciar a labuta aos 16 anos e trabalhar por 35 anos pode aposentar aos 51 anos; a jovem que começar na mesma idade e contribuir 30 anos pode aposentar com 46 anos.

A aposentadoria especial dá direito ao benefício integral. Não há idade mínima nem fator previdenciário. Basta provar trabalho permanente em condições especiais e prejudiciais à saúde ou a integridade física, para que homens e mulheres possam aposentar após 15, 20 ou 25 anos, conforme o caso.

Dados indicam que houve elevação dos gastos previdenciários com pensões. A duração desses benefícios cresce. O segundo casamento é comum. 65% dos homens na faixa de 50 anos têm esposas mais novas. O percentual evolui para 70% nos homens de 60 a 64 anos. A diferença etária pode passar de 30 anos. É o “efeito Viagra”. Um benefício que durava 17 anos, no máximo, estendeu para 35 anos ou mais.

Pensionistas do INSS têm direito de receber valor de pensão idêntica ao do benefício de aposentadoria quando do óbito ou a que faria jus se fosse aposentado por invalidez.

A pensão no serviço público é menor que os proventos de aposentadoria. Equivale ao teto de benefícios da Previdência mais 70% da parcela dos proventos que exceder esse limite. Inativos e pensionistas são descontados em 11% sobre o valor além do teto do INSS.

Paulo Tafner, professor e pesquisador do IPEA, assinala que as pensões já estão em mais de um terço dos gastos com benefícios da Autarquia previdenciária e aduz: “Antigamente, as pessoas morriam mais cedo e, mesmo as mulheres vivendo mais (em média sete anos), a pensão durava pouco porque os casais eram da mesma geração”.

Para o especialista, o Brasil deve restringir as pensões e considerar idade, prazo da união ou casamento, existência de filhos menores e dependência econômica.

Dados da Previdência Social revelam que um terço das viúvas acumula pensão; quarenta por cento delas têm fonte de renda extra, sendo que a renda individual média destas supera a de não pensionistas. Pior: o novo casamento não interrompe a pensão.

Noutros países não é assim. Na Argentina, a viúva sem dependentes só recebe 70% do benefício; o valor integral é pago à viúva com dependentes. No Chile, as viúvas com filhos têm a pensão limitada a 80%, enquanto as sem filhos ficam só com 60%. Países europeus levam em conta, além dos dependentes, a idade da viúva.

Na Alemanha, a viúva com menos de 45 anos recebe 25% do benefício e acima, 55%. Na Itália, a pensão é integral para mulheres com duas ou mais crianças. Se não houver filhos menores, 60% do benefício, independente da idade. Na Rússia, recebem pensão só para viúvas sem trabalho, com 55 anos ou mais. Já no Japão, o benefício só é pago às viúvas que tem filhos.

Marcelo Leonardo Tavares, doutor em Direito Público, lembra que europeus raciocinam que, se o segurado morre, há menos um para comer e vestir. Por isso, a pensão cai para 80% ou 70% da remuneração do segurado.

A tendência na Europa é igualar idade de homem e mulher na aposentadoria. O autor, inclusive sustenta que, atualmente, no serviço público, não existe justificativa para que a mulher se aposente mais cedo. Ela não sofre discriminação nem ganha menos. A idade só é a mesma para ambos na aposentadoria compulsória: 70 anos.

Em razão da tradição da “dupla jornada”, a mulher tem o direito de aposentar cinco anos antes do homem. Trabalhar fora abre uma lacuna no lar. Filhos deixam de ter cuidados maternos. A questão envolve também aspectos familiares.

Assistência Social é confundida com Previdência Social. O trabalhador rural, que não contribui, faz jus a benefício. Basta provar idade e tempo de atividade rural. Isso é Assistência Social, não Previdência.

Marcelo Leonardo cita parâmetros que impulsionam o déficit previdenciário. No Brasil, pensa-se de forma imediatista; em países europeus, preveem-se problemas que virão no futuro e são criadas leis que antecipam soluções. “Nos outros países, há planejamento atuarial”, afirma.

Sobre os “rombos previdenciários”, Tavares mostra que faz diferença a época em que se propõe reforma e que serve à propaganda de Governo. O art. 8º da Lei nº 10.887/2004 estabelece que para cada real recolhido pelo servidor público para a Previdência, a União deve recolher dois reais. Porém, essa obrigação não é cumprida.

Se, por hipótese, a União gastar R$ 44 bilhões com a previdência dos servidores e estes recolherem R$ 14 bi, a União, pela lei, recolheria R$ 28 bi.

Dessa maneira, contabiliza R$ 42 bilhões de receita. O efetivo “rombo” é R$ 2 bi (R$ 44 bi – R$ 42 bi). Se o Governo decide reformar o sistema, pregará que o déficit na previdência pública é R$ 30 bi (R$ 44 bi - R$ 14 bi). Ocorre que a União não inclui sua parte na receita e distorce o “rombo” que é divulgado na mídia.

Suponha que a lei mudou e a União passe a contribuir com um real para cada real descontado do servidor, como previsto na proposta em aprovação no Congresso para criar a previdência complementar pública. Assuma-se que o nº de ativos e inativos e o déficit real de R$ 2 bi ficam constantes.

Se a União e o servidor público recolherem R$ 14 bi cada, a receita será, no limite, R$ 28 bi. De início, se manteria em R$ 42 bi (R$ 14 bi + R$ 28 bi), pois a regra vale para novos servidores. Ao longo do tempo, no limite, reduzir-se-ia de R$ 42 bi para R$ 28 bi (R$ 14 bi + R$ 14 bi).

Com isso, o déficit previdenciário do setor público divulgado junto à mídia, cairia, no limite, dos R$ 30 bi (R$ 2bi + R$ 28 bi) para R$ 16 bi (R$ 2 bi + R$ 14 bi). Esse corte de gastos de R$ 14 bi teria como contrapartida igual magnitude de redução na receita da previdência dos servidores.

No limite, a diferença entre RPPS e RGPS restringir-se-ia a critérios de aposentadoria de servidores públicos em relação a empregados pela CLT, com 7 anos mais de contribuição, em média, e menor tempo de recebimento de benefícios, em evidente falta de isonomia e afronta ao texto constitucional.

Paulo Tafner aponta que benefícios mais elevados são concedidos aos profissionais mais escolarizados que aposentam por tempo de contribuição, como empregados públicos (BNDES, ECT e CEF) e de estatais (BB, PETROBRAS, RFFSA, CBTU), beneficiados antes daqueles que fazem jus à aposentadoria por idade.

O regime de Previdência Oficial enrijeceu para o servidor público efetivo. Não se justifica diferençar os critérios entre trabalhadores (empregados e servidores). Igualar os regimes é uma meta política de difícil concretização.

Os aspectos aqui estudados revelam que há flagrante falta de isonomia entre trabalhadores por decisão política do Governo Lula, supostamente a favor do trabalho. O Governo utilizou-se de sofismas, contradições e falsas afirmações para impor mudanças no setor público, afrontando, com êxito e respaldo, a Constituição Federal.

Os comentários e observações aqui desenvolvidos podem e devem servir de reflexão e de parâmetro ao aperfeiçoamento e ajuste do modelo vigente.

 

Assuntos: Aposentadoria, Contribuição, Direito previdenciário, Direitos trabalhistas, Previdência

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