A Lei de Patentes e a patente Pipeline: uma análise a partir do caso do HIV/AIDS no Brasil.

18/01/2017. Enviado por

Este artigo aborda os primeiros anos do HIV/AIDS no Brasil, a evolução da ideia de propriedade, a propriedade na Constituição, as tratados internacionais sobre a propriedade industrial, a lei brasileira de propriedade industrial e patente de pipeline

Introdução:

A descoberta dos primeiros casos de portadores do HIV/AIDS foi cerca inicialmente por certo preconceito relacionado aos primeiros infectados e a falta de conhecimento sobre a nova doença. Os primeiros infectados foram especialmente nos Estados Unidos foram pessoas consideradas a margem da sociedade como homossexuais, profissionais do sexo, “heroínados”, haitianos e hemofílicos. O desconhecimento em torno da doença deve-se ao seu agente causador ser um retrovírus que não era conhecido e é de difícil combate. Enquanto isso, o Brasil vivia o processo de redemocratização e o processo de construção de uma nova constituição.

Na década de 90, foi desenvolvido o tratamento através do chamado coquetel antirretroviral.  Neste mesmo período foi consolidado o do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs), criando a OMC. Com o surgimento deste organismo, os países integrantes foram obrigados a criarem leis locais sobre Patentes (Direito de Propriedade Industrial) até o ano de 2005, o qual o Brasil cumpriu em 1996. Neste mesmo ano, foi criado a partir de empréstimos internacionais o Programa Nacional de distribuição de medicamentos para o tratamento da enfermidade.

O texto além de abordar os primeiros 20 anos do HIV/AIDS, aborda também a ideia de propriedade ao longo da história e nas legislações, a lei de patente e a lei de distribuição de medicamentos pelo SUS e pipeline, ambas de 1996 e envolvem diversos ramos do direito como o direito internacional, direito constitucional, direito civil, direito comercial, direitos humanos, direito administrativo entre outros. 

Palavras-chaves:  HIV, AIDS, Constituição, propriedade e patentes.

  1. AIDS na primeira década[2]:

Este primeiro período será dividido em anos iniciais: quando o “mal” era conhecido apenas na mídia e em anos heroicos em que organizações se esforçavam para diminuir, atenuar ou prevenir a epidemia.

1.1 O mal de folhetim e os primeiros casos no Brasil:

O surgimento dos primeiros casos de pessoas infectadas pelo HIV/AIDS nos Estados Unidos teve ampla divulgação pela imprensa brasileira, pois, era uma nova doença que estava acometendo pessoas à “margem da sociedade” estadunidense, ou ainda, de grupos específicos[3]. Esta fase, segundo Galvão, ficou conhecida como “mal de folhetim”, que era uma espécie de novela que a sociedade estava assistindo, de camarote, o desenrolar dos capítulos  (GALVÃO, 2000, p. 45.).

O contexto histórico-social deste período é a reabertura política e o início da redemocratização do Brasil. Este fato dificultou ou desviou a atenção da população brasileira da importância da doença que surgia. Como expõe Pinel & Inglesi:

O aparecimento da AIDS no Brasil coincidiu com o fim de vinte anos de ditadura militar e o início de uma crise geral. Medo, repressão e censura haviam marcado uma geração que mal tinha conseguido recuperar o otimismo na luta pelas eleições diretas quando sua euforia se chocou com o declínio dramático da produtividade brasileira. (PINEL e INGLESI, 1996. P.26).

 

Parker também fala sobre este período histórico:

A resposta inicial à AIDS, de 1982 a 1985, só pode ser entendida completamente dentro do contexto do período de abertura, com a eleição de forças progressistas de oposição, abertas ao diálogo e dispostas a responder às preocupações da sociedade civil, no nível estadual, e com a continuidade do regime militar, com sua mentalidade fundamentalmente autoritária, no nível federal. De forma muito semelhante, a mudança na política federal, assim como a crescente resposta não-governamental à epidemia, de 1986 a 1992, está muito de com o espírito do governo Sarney e a gradual redemocratização da vida brasileira. (GALVÃO, 2000, p.42.).

          Por outro lado, a divulgação pela mídia no período inicial da AIDS favoreceu a criação um “pré-conceito” de que apenas homossexuais masculinos, usuários de drogas, hemofílicos, haitianos e profissionais do sexo estavam expostos a esta nova doença, ou seja, pessoas com práticas “amoral” e que a AIDS seria restritas a estes grupos, não levando em conta que a AIDS poderia infectar pessoas de diversas maneiras: o enfermo, a família, os profissionais de saúde e a sociedade como um todo.

Por paradoxal que pareça, as matérias da mídia nacional, e muitas podem ser classificadas como “preconceituosas” e “moralistas”, não somente conseguiram enxergar algo naquela nova doença que ia além dos números de pessoas doentes, como adiantaram, em alguns anos, às respostas de setores, sejam eles governamentais, ou não-governamentais, aqui incluídos tanto o setor público de saúde, quanto os profissionais de saúde, a área de saúde pública e movimentos sociais (GALVÃO,2000, p.50.)

 Os jornalistas aguardavam ansiosamente pelo primeiro caso confirmado infecção pelo vírus HIV. Muitos, segundo Galvão, já tinha as suas manchetes prontas. Os médicos também aguardavam a primeira vítima nacional da epidemia que foi verificado em 1983 na cidade de São Paulo. Acerca disso, afirma Pinel & Inglesi:

No início dos anos 80, alguns especialistas tratavam pacientes com a doença e concomitantemente preparavam evidências científicas para documentar o aparecimento da AIDS no país. Coube à médica dermatologista Valéria Petri, da Escola Paulista de Medicina, o primeiro registro dado à imprensa, em 1982 (PINEL e INGLESI, 1996, p.22.).

O trabalho da impressa nacional ajudou muito na informação e acompanhamento nos primeiros casos da doença quer fossem no exterior ou os primeiros casos no Brasil. Ela também influenciou na organização da sociedade civil a ajudar as pessoas infectadas com a nova enfermidade e na prevenção de novas contaminações pelo vírus. Porém, como nem tudo são flores, ajudou também negativamente na criação do estereótipo e do preconceito com relação à maneira da contaminação pelo HIV, provavelmente pelo desconhecimento geral a cerca da doença. Sobre as contribuições positivas, afirma Galvão:

Por paradoxal que pareça, as matérias da mídia nacional, e muitas podem ser classificadas como “preconceituosas” e “moralistas”, não somente conseguiram enxergar algo naquela nova doença que ia além dos números de pessoas doentes, como adiantaram, em alguns anos, às respostas de setores, sejam eles governamentais, ou não-governamentais, aqui incluídos tanto o setor público de saúde, quanto os profissionais de saúde, a área de saúde pública e movimentos sociais. ( GALVÃO, 2000, P.50.)

Em 1983, segundo Galvão (GALVAO,  2000, p. 57 e 58.), um grupo de homossexuais procurou a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo para solicitar ao governo uma posição em relação à nova epidemia e, assim, foi criado o primeiro programa de AIDS no Brasil, pois, no Estado paulista estava concentrado os primeiros casos, conforme expõem Pinel & Inglesi.

As primeiras respostas das instituições governamentais de saúde à AIDS surgem em São Paulo, o que foi o mais atingido pela doença. Como não se compreendia inteiramente suas causas nem sua dimensão, os esforços das pessoas infectadas e dos profissionais de saúde centrava-se na busca de resposta para cerceá-la. (PINEL e  INGLESI, 1996.  p. 27 e 28.)

Este programa desenvolvido pelo Estado de São Paulo serviu de modelo e acabou influenciando na criação do programa em outros Estados como Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Apesar do programa nacional DST/AIDS ter sido instituído em 1986, e em 1987 ter ocorrido um trabalho para definir as diretrizes nacionais, somente começou efetivamente o trabalho em 1988, como explica Galvão sobre esta criação:

Mas somente em 1988, quase cinco anos depois da criação do programa da criação do programa de São Paulo, é consolidado o programa nacional de AIDS. Em 1986, foi publicada a Portaria número 236/86, do Ministério da Saúde, que deu unidade às ações referentes à AIDS nos serviços de Saúde. (GALVÃO, 2000, p. 117.)

Uma das primeiras respostas da sociedade civil foi o surgimento de ONGs para trabalhar na prevenção contra a AIDS, fator que teve grande contribuição nas fases seguintes. Acerca deste surgimento afirma Da Silva:

Assim, as ONGs/Aids surgem como resposta aos preconceitos e discriminações gerados nesse contexto e contra uma onda de pânico que marcou o surgimento da epidemia. As lideranças na maioria das vezes não têm um histórico de participação política anterior. São formadas por pessoas atingidas direta ou indiretamente, inicialmente homens gays, e mesmo que haja alguns ex-militantes do movimento homossexual a temática gay não é uma “bandeira” das ONGs/Aids. (SILVA, 1998. p. 133.)

A luta das ONGs era no sentido de apoiar e tentar prevenir o crescimento da enfermidade. Apesar disso, a taxa de aumento do número de pessoas infectadas pelo HIV/AIDS na década de 80 crescia muito rapidamente e a maioria dos casos ainda estavam relacionados aos chamados “grupos de riscos”, como pode ser observador num trecho da revista Veja deste período.

PROPORÇOES MUNDIAIS - Para cientistas e pesquisadores que acordaram para as reais dimensões da moléstia há mais tempo, a posição do ministro, fiando-se unicamente nos números atuais, é ilusória e perigosa: o número de casos dobra a cada dez meses. "A ameaça aos heterossexuais está crescendo", diz o médico paulista Ricardo Veronesi, 60 anos, titular da cadeira de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).( Revista Veja de 14 de agosto de 1985).

1.2. Criação do programa nacional em 1986

            O AZT foi o primeiro medicamento utilizado para o tratamento da AIDS, porém ele não era um novo medicamento e sim, um antigo remédio ao qual foi dada uma nova aplicabilidade. Conforme Souza e Almeida.

Em 1964, o AZT (3’-azido-2’,3’-didesoxitimidina), também conhecido por azidotimidina, zidovudina ou retrovir, foi sintetizado pela primeira vez por Horwitz da Fundação contra o Câncer de Michigan, apresentando atividade anticancerígena. No início da década de 70 sua atividade antiviral foi descrita pela primeira vez sendo, em 1985, o primeiro composto a apresentar atividade anti-VIH. Em 1986, o AZT foi aprovado pelo órgão norte-americano de controle sobre produtos farmacêuticos FDA (“Food and Drug Administration”), sendo comercializado pelos laboratórios Burroughs-Wellcome em 1987. (SOUZA e ALMEIDA,  p. 397.)

Esta droga trouxe esperança aos doentes que receberam no resultado positivo uma sentença de morte e esta nova droga criou a expectativa de prolongamento de vida deles e diminuía as infecções oportunistas. Acerca disso, afirma a revista Veja:

Para os pacientes a Aids era ainda uma doença fatal, que matava em média em um ano. Os avanços científicos começaram a render frutos em 1986, com a descoberta do AZT, medicamento que prolongava a sobrevida dos pacientes. Essa foi à segunda fase da moléstia, que durou dez anos. (Revista Veja de 24 de setembro de 2003)

A AIDS começou atingindo rostos desconhecidos, ou seja, pessoas distantes da população e reforçava a ideia da doença ser inatingível a sociedade de modo geral, tornando a nova enfermidade longe das pessoas mesmo quando eram noticiados na mídia. Porém, ela passou a atingir pessoas famosas na segunda metade da década de 80 e inicio dos anos 90 conforme afirma Soares (SOARES, 2002, p. 45.), como Rock Hudson morto em 1985, Henfil em 1988, Lauro Corona que faleceu em 1989, Cazuza faleceu em 1990, Freddie Mercury em 1991, Renato Russo em 1994, Betinho em 1995. Todos faleceram antes do advento do chamado “coquetel”, a exceção foi Magic Johnson que assumiu a sua condição de soropositivo em 1991 e permanece ainda vivo.

1.3.          AIDS na Segunda Década (1990 -2000)

          Desde os primeiros casos de contaminação pelo HIV/AIDS, a proporção entre indivíduos infectados do sexo masculino e feminino foi diminuindo. Para Martinez (MARTINEZ,1998. p. 55.), referindo-se a realidade do Estado de São Paulo em 1984, a relação era de 84 homens para cada mulher soropositiva. A partir deste período, o percentual de mulheres contaminadas foi aumentando como explicam Diniz e Vilela, analisando dados do Boletim epidemiológico de 1998:

Até meados de 1998, 135.200 casos de AIDS haviam sidos notificados no Brasil, dos quais 29.718 eram de mulheres (Brasil,1998). Embora seja possível assumir que a epidemia já atinge praticamente todo o país, sua distribuição é bastante irregular, especialmente se considerarmos apenas a população feminina. O estado de São Paulo concentra aproximadamente a metade dos casos acumulados no país, exibindo a relação de 2,5 casos do sexo masculinos para um do sexo feminino no ano de 1998, com um coeficiente de incidência de 12 mulheres por 100 mil habitantes (AIDS Boletim Epidemiológico, 1998). (DINIZ. In: PARKER, Galvão, BESSA, (orgs.), 1999  p. 131.)

Carvalho, também fala sobre o aumento do número de infecções de mulheres:

A incidência da Aids no Brasil aumentou de 0,1 casos por cem mil habitantes, em 1984, para 20,0 em 1998/99, totalizando 179.541 casos acumulados até novembro de 1999. Embora deste total de casos, 75,4% corresponde ao sexo masculino, à razão homem/mulher que era 15/1 em 1984, vem decrescendo progressivamente, sendo 2/1 já em 1997. Este indicador (razão de sexo) revela que o incremento de casos de Aids nas mulheres ocorre de forma mais acentuada do que nos homens, com progressão da epidemia. (CARVALHO, 2003. p. 21.)

Em 1991, a AIDS passou a ser a principal causa de morte entre de pessoas na faixa etária entre 25 e 34 anos no município de São Paulo, e desde 1995, é a principal causa isolada de morte entre mulheres em idade reprodutiva (15 a 49 anos) no Estado de São Paulo (AIDS Boletim Epidemiológico, 1998).(CARVALHO, 2003. p. 21.)

Na década de 90, para Galvão, foi marcada pelo que ela chama de ditadura de projeto (GALVÃO, 2000, p. 106-111.), cooperação internacional (GALVÃO, 2000, p. 97-98.), participação maior dos poderes públicos  (GALVÃO, 2000, p. 98-103). e encontro entre entidades (GALVÃO, 2000, p. 84-95.). A AIDS neste período também esta enfermidade passou a atingir cada vez mais a pobres e mulheres.

          Apesar de todo o avanço que ocorreu na segunda década da epidemia, o temor em relação à doença já estava havia se instalado na mente da população: a discriminação. Entretanto, estes dados começaram a mudar com o advento do coquetel anterretroviral que aumentou a expectativa de vida dos soropositivos. Acerca do surgimento do “coquetel anti-HIV” afirma Sommer:

Foi, no entanto, a partir de 1996, na 12ª Conferência Mundial de Aids, realizada em Vancouver, no Canadá, com a divulgação dos estudos médico norte-americano David Ho, que a terapia tríplice ( ou “coquetel anti-AIDS”, como ficou conhecido) associando o uso de drogas como AZT com medicamentos denominados de anti-retrovirais, veio a modificar o panorama do tratamento da AIDS, aumentando as possibilidades de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS (SANTOS. In: SOMMER, 2006. p. 60.).

 Porém, a criação e implantação do programa nacional de distribuição da medicação antirretroviral, como previsto na Lei 9313/96, só se tornaram possível graças aos empréstimos do Banco Mundial. Para Trindade, o primeiro contrato de empréstimo com o Banco Mundial foi fundamental no desenvolvimento do programa de DST/AIDS no Brasil, pois, possibilitou a implantação do “Projeto de Controle da AIDS e DST” que ficou conhecido como AIDS I (TRINDADE, In: UZIEL, RIOS e PARKER (Orgs.). 2004. p. 172-173.) Galvão explica que este financiamento ajudou na atuação tanto nas respostas por parte do governo quanto pelas organizações não governamentais num momento de transformações no cenário da epidemia: fragmentação da resposta, diminuição de recursos, a perda do glamour, a pauperização e visão da AIDS como doença crônica (GALVÃO. In: ARILHA e CITELI (Orgs.).1998. p. 52-53.).

Quanto aos termos deste primeiro financiamento afirma Fontes:

Em 16 de maio de 1994, foi assinado o primeiro empréstimo do banco Mundial para o financiamento das políticas nacionais de prevenção e assistência à AIDS do governo brasileiro (Brasil, 1994). As linhas gerais do crédito foram negociadas entre CN DST/AIDS e o Banco, sendo que o governo brasileiro se comprometeu a dar uma contrapartida no valor de 32% do empréstimo (Brasil, 1994).( FONTES,. In: PARKER, Richard. Galvão, Jane.  p. 109.)

Esta ajuda do Banco Mundial contribui para a distribuição dos medicamentos que compõem o coquetel antirretroviral, como exposto na revista veja:

Em 1996, foi descoberto o coquetel de drogas que dificulta a proliferação do HIV no organismo. Os remédios do coquetel vêm recebendo aperfeiçoamentos a cada ano. Com os cuidados necessários, a Aids pode ser cuidada e mantida sob controle como uma doença crônica qualquer, como, por exemplo, o diabetes. (Revista Veja de 24 de setembro de 2003)

Em 1995 foi criada a UNAIDS, pelas Nações Unidas com o intuito de ajudar os países pobres a enfrentarem a epidemia de HIV/AIDS. Sobre a mudança de WHO/GPA para UNAIDS afirma Parker & Aggleton:

Em 1995, o WHO/GPA foi substituído pelo Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV/AIDS (UNAIDS), que reúne seis órgãos diferentes das Nações Unidas com o objetivo explícito de reconhecer as dimensões múltiplas da epidemia. (FONTES, 1999, p. 119.)

A Unaids segundo Fontes(1999, p.119), a falta de recursos e os compromissos já assumidos pela CN DST/AIDS com o Banco Mundial dificultaram a entrada da instituição no Brasil, pois, a CN já possuía autonomia financeira diferente de outros países que dependiam de recursos internacionais para os programas combaterem e prevenirem a contaminação pelo HIV.

  1. O direito de propriedade na história

          Nas primeiras civilizações a primeira propriedade da humanidade que a terra era coletiva, a propriedade era familiar e o interesse individual não tinha valor e sim o da comunidade. A religião teve um importante papel na visão referente ao patrimônio coletivo.

A propriedade coletiva das comunidades gentílicas foi a forma de propriedade que predominou  nas  antigas  civilizações.  No  Egito,  Síria  e  Mesopotâmia,  as  comunidades gentílicas  estavam  organizadas  basicamente  em  grupos  familiares,  clãs  e  tribos,  em  que  a propriedade  coletiva  tinha  em  sua  base  o  entendimento  de  que  a  comunidade  predominava sobre  o  indivíduo.  O  que  conta  é  a  comunidade,  e,  sendo  assim,  a  terra  pertence  ao  grupo todo, tanto aos vivos quanto aos mortos, visto que a  crença, nesses tempos, sustentava que os mortos permaneciam de certa forma ligados às condições terrenas. (Wolkmer, 2009, p.158)

          A visão da propriedade como um bem coletivo não era compartilhado por todos os povos antigos. Para os romanos e gregos existia a propriedade privada que pertencia a elite e a posse da terra a qual era dada aos pobres por um ano para plantio e colheita, ou seja, para que fosse trabalhada pelos mais pobres. Os tártaros admitiam a propriedade individual em relação ao rebanho.

Ao tratar-se das antigas populações da Itália e da Grécia, sempre houve a propriedade privada da terra em contraste com as populações que teriam tido a terra em comum, como os  germanos,  entre  os  quais  cada  membro  da  tribo ganhava  um  lote  numa  partilha  anual  dos  campos  para  cultivo,  sendo  assim  proprietários apenas da colheita e não da terra; ou entre os tártaros, que admitiam o direito de propriedade apenas no tocante ao rebanho. (Gassen In: Wolmer. 2008, p.158).

            Entre os judeus existia a propriedade individual como exposto no livro de Êxodo: "Não roubarás, Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a sua mulher, nem o seu escravo nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próximo." (Ex 20, 15, 17).  Entretanto a propriedade da terra era da família ou clã (Josué 13 a 22).  Sobre o bem particular individual e a propriedade coletiva expõe Martins:

Sendo a propriedade da terra coletiva, pertencendo  ao  grupo  social  em  sua totalidade,  os  objetos  que  o  homem  fabrica  para  seu  uso  pessoal  começam  a  receber  uma conotação de propriedade individual, privada. A relação que se estabelece entre o proprietário e tais utensílios particulares, bem como entre o grupo e a terra, é recheada por um vínculo místico limito forte, conferindo à propriedade a característica de ser algo sagrado. (Gassen In: Wolmer. 2008, p.157).

Para Max e Engels a propriedade teve a seguinte evolução histórica: (1) propriedade  tribal;  (2)  propriedade  comunal  e  estatal  antiga;  (3) propriedade  feudal,  ou  de Estados, ou de ordens sociais; e (4) propriedade moderna burguesa. (apud Gassen In: Wolmer. 2008, p.163). Esta última surge com as mudanças ocorridas a partir da Revolução Industrial que aos longos dos anos foi evoluindo. Acerca disso do aparecimento afirma Gassen:

A nova forma de propriedade que ganha destaque nessa fase, principalmente com a Revolução Industrial, responsável pelo  câmbio  do  período  manufatureiro  ao  período  do maquinismo,  é  a  propriedade  Industrial,  que  vem  se  juntar  à  propriedade  imobiliária. Representa também o fim da supremacia  da  propriedade  fundiária,  visto  que  esta  forma  de propriedade, assentada em economias de base predominantemente agrícola, reinava quase que exclusiva em relação às outras lúrmas de propriedade até então. (Gassen In: Wolmer. 2008, p.168).

Neste mesmo período da revolução industrial, a burguesia já havia juntado dinheiro e querendo ganhar poder político, influenciou a independência de diversos países e com isso, o direito de propriedade foi materializado em algumas novas constituições.

  

2.1.         O direito de Propriedade nas Constituições

A Primeira constituição a tratar do direito de propriedade intelectual foi a Constituição dos Estados Unidos de 1787, sendo seguida pelas constituições europeias e por países latino americanos, como afirmam Adolfo e  Wachowicz

A chamada “constitucionalização” da Propriedade Intelectual é um fenômeno antigo que vem se consolidando em diversos países. Desde sua a adoção em 1788, a Constituição dos Estados Unidos estabelece que, para promover o progresso da ciência e das artes, o Congresso pode conceder aos autores e inventores direitos exclusivos sobre seus escritos (art. I § 8, cl. 8). Na Europa, o direito  autoral têm bases constitucionais, por exemplo, em Portugal, Espanha, Suécia, Suíça e Alemanha. Na América Latina, as Constituições da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e do Chile igualmente contemplam a matéria, sendo na Argentina inicialmente em 1819 e, depois em 1853. (Santos in: Adolfo e  Wachowicz, p.11, 2006.)

Seguindo o exemplo de outros países a constituição brasileira, a primeira Constituição brasileira também previu o direito de propriedade intelectual, porém só em 1927 que foi criada uma legislação especifica sobre a temática:

A Constituição Imperial brasileira de 25.03.1824 estabelecia, no inc. 26 do art. 179 que “os inventores terão a propriedade de suas descobertas ou das suas produções. A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou que lhes remunerará em ressarcimento da perda que haja de sofrer pela vulgarização”. Embora a gênese do direito de Autor nacional se encontre na lei que criou os cursos jurídicos no Brasil, em 11.08.1927, a primeira Lei Autoral surgiu com a denominada “Lei Medeiros e Albuquerque” (Lei 496) de 01.08.1898 após um longo periodo de discussão sobre o assunto. Por essa razão, apenas a partir da Constituição Republicana de 1891 passou ele a desfrutar de proteção constitucional. (Santos in: Adolfo e  Wachowicz, p.12, 2006.)

Este constitucionalização do direito de propriedade continua por várias Cartas Magnas no Brasil. Para Padilha, ao tratar sobre o art. 5º da CRFB/88 e dos seus 78 incisos que abordam sobre direitos e garantias fundamentais, o autor divide estes em 5 grupos: a vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. O sobre o direito de propriedade (inc. XXII ao XXXI da CRFB/88), função social (inc. XXII), Intervenção do Estado – desapropriação (inc. XXIV), intervenção do Estado – requisição administrativa (inc. XXV), Bem de Família (inc. XXIV), Propriedade Imaterial – direito autoral (inc. XXVII, XXVII, a e b), Propriedade Industrial (inc. XXII ao XXXI) e Propriedade Hereditária (inc. XXX e XXXI) (PADILHA, p. 209 E 228).

 

2.2 Direito de propriedade na Constituição: regra ou principio.

O artigo 5º da CRFB/88 ao tratar sobre propriedade pode passar uma ideia equivocada que esta norma constitucional é um direito absoluto, porém não é. Isso acontece porque é dada a ele uma interpretação como regra e não como um princípio. Gomes ao abordar sobre norma difere regras e princípios:

As normas se exprimem por meio de regras ou princípios. As regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as regras vale a lógica do tudo ou nada (Dworkin). Quando duas regras colidem, fala-se em "conflito"; ao caso concreto uma só será aplicável (uma afasta a aplicação da outra). O conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc..Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver "colisão", não conflito. Quando colidem, não se excluem. Como "mandados de otimização" que são (Alexy), sempre podem ter incidência em casos concretos (às vezes, concomitantemente dois ou mais deles). Gomes, 2005.

A Carta Magna traz diversos princípios que devem ser observados na aplicação das normas dentre eles o da ampla defesa, contraditório, dignidade, democracia, acesso ao judiciário, da simetria, da presunção de inocência, da igualdade, liberdade, isonomia, da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Gomes traz um exemplo de aplicação de princípios em caso concreto:

O inquérito policial destina-se a apurar a infração penal e sua autoria – CPP, art. 4º. Os princípios norteiam uma multiplicidade de situações. O princípio da presunção de inocência, por exemplo, cuida da forma de tratamento do acusado bem como de uma série de regras probatórias (o ônus da prova cabe a quem faz a alegação, a responsabilidade do acusado só pode ser comprovada constitucional, legal e judicialmente etc.). (Gomes, 2005)

Em relação à propriedade a CRFB/88  traz um principio que esta o qual deve obedecer: 5º  XXIII - a propriedade atenderá a sua função social. O Novo Código Civil no Capitulo sobre Patrimônio traz uma observação sobre esta previsão:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Outro exemplo deste previsão constitucional está na lei 9279/96, conhecida como lei de patentes, traz no caput no artigo 2º que a patente industrial deve obedecer os interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico:

Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante:

        I - concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade;

        II - concessão de registro de desenho industrial;

        III - concessão de registro de marca;

        IV - repressão às falsas indicações geográficas; e

        V - repressão à concorrência desleal

 

          Esta lei será analisada mais a frente, mas antes será abordada a evolução histórica até a edição dela.

 

2.3. A evolução das Leis de Patentes e a Criação de Organismos Tratados Internacionais.

 

Para Kinsela a propriedade é dividida em bens tangíveis (corpóreos) e intangíveis, e é neste último que esta a confusão, pois é de difícil descrição.  O autor, explica os direitos de PI (propriedade industrial):

A propriedade intelectual é um conceito amplo que cobre diversos tipos de direitos legalmente reconhecidos sobre algum tipo de criatividade intelectual, ou que estão de alguma forma relacionados a ideias. Direitos de PI são direitos sobre coisas intangíveis – sobre idéias, conforme expressas (direitos autorais), ou conforme materializadas numa aplicação prática (patentes). (Kinsela, 2010. p. 9.)

Portanto, os direitos autorais são um direito concedido a autores de “trabalhos originais” e não para qualquer trabalho intelectual. Mas isso não é um conceito novo na sociedade como expõe Barcelos (In: Avancini & Barcelos, 2009, p. 150), a primeira lei a abordar sobre Patentes foi a Lei de Veneza, de 14 de março de 1474 ela criava um privilégio temporário “aos homens com intelecto muito aguçado capazes de inventar e descobrir vários artifícios engenhoso”, os quais, para garantia,  deveriam depositar o seu “invento ou descoberta” nos Escritórios dos Administradores Municipais.

 Este autor destaca outras leis sobre obtenção e garantia da patente: o Estatuto de Jacques Primeiro, de 1623, na Inglaterra; a Lei norte-americana de 1790 e o próprio Alvará do nosso Príncipe Regente de 28 de abril de 1809.

As barbaries praticadas pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial  influenciaram na criação da Organizacao das Nacoes Unidas (ONU). Esta visando evitar a expropriação de patrimônio, na edicao da Declaracao Universal dos Direitos do Homem que prevê:

Art. XVII:

1º –  Todo homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outro.

2º– Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

A convenção de Paris de 1883 foi o primeiro acordo internacional a versa sobre propriedade intelectual tendo como origem o fato que 1873, vários comerciante se negaram a participar da Exposição Internacional de Exibições, em Viena. Acerca da convenção expõe Mazzuoli & outros:

No ano de 1883, restou promulgada a Convenção de Paris, qual seja a “Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial”. Pela realização de uma Conferencia no ano de 1880, ocorreram as primeiras discussões que viriam a gerar, três anos mais tarde, a Convenção. Este ato internacional foi desenvolvido para auxiliar pessoas de um país a obterem em outros países sobre suas criações intelectuais, na forma de direitos da Propriedade Industrial. A convenção de Paris ganhu força em  1884, contando com 14 estados membros, sendo o Brasil signatário desde o início, e atualmente conta com 171 países. Foi revista diversa vezes, sendo que a última foi 1967, em Estocolmo.  A finalidade das revisões é o aperfeiçoamento dos mecanismos do sistema da União.  (Mazzuoli & outros, 2008, p. 165)

 

          Outra convenção que se destacou foi a Convenção de Berna, pois ela teve uma preocupação com o direito autoral para obras literárias, artísticas e cientifico.

.        Da mesma forma que a Convenção de Paris, a Convenção de Berna constituiu-se na forma de União, no ano de 1886. Com o nome oficial de “Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas”, seu objetivo é estabelecer os fundamentos de defesa e proteção ao direito do autor. Os objetivos de proteção da Convenção abrangem as obras literárias, artísticas e aquelas de caráter científico, independente do modo de expressão. (Mazzuoli & outros, 2008, p. 165).

Com o fim da 1ª Guerra Mundial e com a crise 1929, os Estados Unidos criou barreiras alfandegárias numa tentativa de proteger o mercado interno, porém o mercado não reagiu como esperado por eles. Houve uma desvalorização de outras moedas frente ao dólar e uma estagnação do comércio mundial.

No final da Segunda Guerra mundial, a postura dos Estados Unidos foi diferente da anterior. Com a criação da ONU, este país enxergou a oportunidade de criar um organismo internacional de comércio (OIC), neste intuito criou o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (sigla em inglês, GATT) para reduzir barreiras alfandegárias e tinha caráter temporário, porém durou cerca de 50 anos. Sobre este acordo, afirma Rêgo:

Foi sob seus auspícios que o Conselho Econômico e Social da recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) convocou uma Conferência sobre Comércio e Emprego, onde foi apresentado o documento intitulado Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), que, escrito basicamente pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, propunha regras multilaterais para o comércio internacional, com o objetivo de evitar a repetição da onda protecionista que marcou os anos 30.

Segundo Rêgo, o principal objetivo do GATT era a diminuição das barreiras comerciais e a garantia de acesso mais equitativo aos mercados por parte de seus signatários e não a promoção do livre comércio. A autora cita também as reuniões que ocorreram até a criação da OMC:

Após a Rodada Genebra de negociações multilaterais em 1947, foram realizadas mais sete sob a coordenação do Gatt: Rodada Annecy (1949), Rodada Torquay (1950/51), segunda Rodada Genebra (1955/56), Rodada Dillon (1960/61),3 Rodada Kennedy (1963/67), Rodada Tóquio (1973/79) e Rodada Uruguai (1986/93). As primeiras trataram apenas de promover reduções tarifárias. Somente a partir da Rodada Kennedy começaram a ser discutidos as barreiras comerciais não-tarifárias (NTBs) e os problemas relacionados com o comércio de produtos agrícolas, que, desde a entrada em vigor da Política Agrícola Comum da Comunidade Européia, estava sujeito a inúmeras excepcionalidades. Também foram negociadas, além de um acordo antidumping, várias disposições em favor dos países em desenvolvimento, com a criação da chamada parte IV do Acordo Geral.

No Brasil, uma lei de 1971 havia acabado com o direito de patentes para remédios, segundo o CREMESP – permitindo o surgimento dos chamados medicamentos similares, regulamentados pela nova lei 6360 promulgada em 1976. Afirma também que até 1996 a maioria dos países não aceitavam as patentes de medicamentos por considerá-los essências. Com a criação da OMC (Organização Mundial do Comércio) que aconteceu na metade dos anos 90, os países passaram a ser pressionados para reconhecer as patentes de medicamentos especialmente pelos países desenvolvidos.

A OMC foi criada oficialmente em 01 de janeiro 1995 a partir do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio em inglês Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS), que foi assinado por diversos países na chamada Rodada do Uruguai.

Em 1994, o TRIPS foi assinado apesar da resistência dos países em desenvolvimento, politicamente mais fortes.  No primeiro semestre de 1995, a lei brasileira foi também aprovada. O texto final do GATT prevê que todos os países membros têm a obrigação de proteger a patentes, os processos e produtos farmacêuticos.  Sem nenhuma dúvida, a ação dos Estados Unidos nos dois planos, domésticos e internacional, muito contribuiu para aprovar normas mais extensivas no âmbito da OMC. O dispositivo não é expresso, ao contrário, os medicamentos não fazem parte dos produtos para os quais a exclusão de patentes é permitida.

Com a criação da OMC, todos os países foram obrigados a concordar com a TRIPs e consequentemente a aceitar patentes de produtos farmacêuticos, foi dado o prazo de 10 anos para que este fizessem leis locais que abordasse a questão do Direito de Propriedade.

2.4 A Universalização do Tratamento Antirretroviral, a Lei de Patentes e o Criação do Pipeline

 

A lei 9313/96 trata sobre a distribuição de medicamentos para tratamento antirretroviral que compõem o chamado “coquetel” pelo SUS tem basicamente 2 artigos:

 Art. 1º Os portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento.

        § 1° O Poder Executivo, através do Ministério da Saúde, padronizará os medicamentos a serem utilizados em cada estágio evolutivo da infecção e da doença, com vistas a orientar a aquisição dos mesmos pelos gestores do Sistema Único de Saúde.

        § 2° A padronização de terapias deverá ser revista e republicada anualmente, ou sempre que se fizer necessário, para se adequar ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos medicamentos no mercado.

Art. 2° As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com recursos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme regulamento.

Entretanto o Brasil se apressou para cumprir a determinação da OMC e em 1996 criou uma legislação nacional sobre a Propriedade Industrial sem uma analise detalhada das possíveis consequências. Sobre a iniciativa de “vanguar” afirma a Abia:

O Brasil não aproveitou o período de transição de 10 anos que foi dado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) para reconhecer patentes na área de medicamentos. Este período foi oferecido aos países em desenvolvimento que não reconheciam patentes nesta área. Uma das principais vantagens desse período seria permitir o fortalecimento dos laboratórios nacionais para enfrentar a concorrência com as empresas transnacionais de medicamentos intensivas em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). O Brasil utilizou o período de transição por menos de dois anos, tendo alterado sua lei em 1996, com aplicação a partir de maio de 1997. (ABIA, 2006. p. 2).

Todos os países para entrar na OMC tinha que concordar com o TRIP, a qual foi imposta pelos países desenvolvidos da União Europeia, Estados Unidos e Japão, pois caso discordasse estaria impedido fazer parte deste organismo internacional. Países como a Índia só criou uma lei sobre direito autoral em 2005, no fim do prazo, o que favoreceu a indústria farmacêutica daquele país a desenvolver medicamentos genéricos.

O legislador brasileiro ao criar a lei de patentes foi benéfico com as indústrias farmacêuticas internacional ao criar o pipeline que está previsto nos artigos 230 e 231(caputs e parágrafos) da lei 9276/96:

Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente.

        § 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior.

        § 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se, no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caput deste artigo.

        § 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único.

        Art. 231. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias de que trata o artigo anterior, por nacional ou pessoa domiciliada no País, ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido.

        § 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei.

        § 3º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção de 20 (vinte) anos contado da data da divulgação do invento, a partir do depósito no Brasil.

A consequência deste pipeline foi segundo o Jornal Folha de São Paulo:

"A lei de patentes tem que ser entendida dentro do espírito em que ela foi criada, e não podemos admitir tentativas de prorrogar vencimentos de patentes para manter uma reserva exclusiva." Medicamentos como Viagra ou Lípitor, protegidos no Brasil por conta do "pipeline", são vendidos legalmente na versão genérico nos demais países da América do Sul, por exemplo.

            Segundo a Abia ao analisar as patentes pipeline isso representou a proteção no Brasil de pelo menos 340 medicamentos que não seriam protegidos caso o Brasil não tivesse adotado o mecanismo pipeline. A concessão deste tipo de patentes não ocorreu em nenhum outro país membro da OMC. Estes concederam o MAILBOX que permitia que as empresas dessem entrada aos processos de pedidos de patentes porém este só  seriam analisados quando a nova lei a ser criada entrasse em vigor. A consequência deste segundo Abia:

Ao permitir a exploração de um produto por apenas um produtor (com a exclusividade permitida pela patente), o sistema de proteção patentária se coloca como um obstáculo ao princípio da livre concorrência. A diminuição da concorrência, conforme amplamente disseminado pela literatura especializada, impacta diretamente nos preços e no acesso a medicamentos. (Abia, 2009. p. 11)

O mesmo texto aborda a diferença de valores por conta das patentes em uso:

No caso do tratamento da AIDS, por exemplo, o preço da terapia tríplice de primeira linha (estavudina, lamivudina e nevirapina) caiu de US$ 10.439 por paciente/ano em 2000 (menor preço dos produtos de referência) para US$ 87 por paciente/ano em 2008 (menor preço internacional dosprodutos genéricos). Ou seja, uma redução de mais de 99% no preço do tratamento, possível devido ao fato destes medicamentos não estarem protegidos por patentes em determinados países, permitindo a produção de versões genéricas.

Com esta diferença de custo e para atingir o objetivo da universalização, o governo brasileiro resolver utilizar o fenômeno da “quebra de patente” esta previsto na TRIPs e na lei de Patentes brasileira na secção III da lei 9276/96, nos art. 68 a 75. Explica Ley refere a licença:

A licença compulsória é uma das formas utilizadas para essa prática. Esse mecanismo é previsto no acordo de propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (TRIPs – Trade-Related Aspect of Intellectual Property Rights ) e consiste no rompimento dos direitos de exclusividade do inventor nos casos previsto em lei. Esse rompimento se dá pela concessão pela concessão pelo Estado do uso do privilégio a um terceiro, sem que haja a concordância do titular. (Ley in: Avancini & Barcelos, 2009, p. 185)

A lei 9276/96 no art. 68 traz as possibilidades da licença compulsória:

          Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.

 

§ 1º Ensejam, igualmente, licença compulsória:

I - a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação; ou

II - a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado.

          O poder executivo no caso da “quebra de patentes” dos antirretrovirais durante o governo do presidente  Fernando Henrique Cardoso editou o decreto 3201/99 para define o art. 71 da lei. Durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi editado o decreto 4830/03 para tomar a mesma medida.

Considerações Finais:

O surgimento do HIV/AIDS foi uma quebra de paradigma em vários aspectos dentre este no social, cultural e até mesmo jurídico. Durante a década e 90, foi desenvolvido o tratamento com coquetel antirretroviral. O Brasil editou a lei 9313/96 com intuito de promover a distribuição gratuita destes medicamentos e contou financiamentos de organismo internacionais. Neste mesmo período aconteceu a criação da UNAIDS com intuito de ajudar os países a enfrentar a nova pandemia.

          Outro organismo internacional ligada a ONU também surge que é a OMC com o objetivo de fomentar o comércio internacional, porém este é dominado pelas ideias dos países desenvolvidos como os integrantes da União Europeia, Estados Unidos e Japão. Estes exigiram que os demais criassem leis para defender os direitos de propriedade internacional, instituindo o direito de propriedade farmacêutico o qual não era aceito pelos menos favorecidos.

          Aos países signatários foi dado o prazo de 10 anos para criarem as respectivas leis nacionais, porém o Brasil o fez no ano seguinte e ainda instituto o pipeline, que era a previsão legal de aceitar patentes sem o quesito de inovação desde que houve sido reconhecida por outro pais tendo o prazo de um ano para deposito, sendo concedia a licença por vinte anos, ou seja até 2017.

          A licença compulsória de produtos farmacêuticos, que é conhecida como “quebra de patente”, instituída pelo governo brasileiro no fundo é um tentativa de correção por um erro gerado pelo próprio governo nacional ao se apresar para criar a Lei de Direitos de Propriedade que beneficiou as industrias farmacêuticas internacionais, pois o Brasil dispunha de muitos dinheiro para adquirir remédios oriundo de financiamento internacional.

 

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BRASIL. Lei nº 9313 de 13 de novembro de 1996.
Dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. Brasília, DF, 1996. 

BRASIL. DECRETO No 3.201, DE 6 DE OUTUBRO DE 1999. Dispõe sobre a concessão, de ofício, de licença compulsória nos casos de emergência nacional e de interesse público de que trata o art. 71 da Lei no 9.279, de 14 de maio de 1996. Brasília, DF, 1999. 

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Assuntos: Direito Autoral, Direito Médico, HIV, Patente, Propriedade Industrial

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