Imunidade Recíproca

02/05/2019. Enviado por

A fim de demonstrar, por intermédio de uma abordagem teórica, analisaremos a imunidade tributária recíproca prevista pelo artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal, bem como, os recentes entendimentos jurisprudenciais.

IMUNIDADES RECÍPROCAS

1. IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

 

A imunidade tributária é uma norma constitucional de exoneração de tributos, que, se justifica pela finalidade contida nos valores assegurados pela Constituição, impedindo a atribuição de competência impositiva, desse modo, Eduardo Sabbag assevera que é creditado “ao beneficiário o direito público subjetivo de 'não incomodação' perante ao ente tributante[1](SABBAG, 2017).

À vista dessa premissa, podemos extrair que a norma imunizante possui sede na Constituição Federal, onde concede a exoneração tributária (não incidência) para assuntos escolhidos como de relevantes valores, tal como a preservação ao pacto federativo, a liberdade religiosa, política, de expressão e sindical, por isso, a norma imunitória também pode ser classificada como a face negativa da competência tributária.

De modo que, ninguém poderá contrariar os limites impostos por essa norma imunizadora, por exemplo, podemos citar o poder executivo por meio de seus auditores fiscais, poder legislativo através dos representantes do povo, na edição de leis ou normas, bem como o poder judiciário por intermédio dos magistrados, em suas sentenças.

Insta salientar que, o beneficiário dispõe de um direito de não incomodação perante os entes tributantes, a saber, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e estes não poderão exigir impostos sobre determinados itens ou pessoas.

 Assim, não é mais correto afirmar que imunidade afasta somente impostos, não obstante os casos mais comuns sejam de imunidades que excluam somente a incidência de impostos, há caso de norma imunizante atingindo outra espécie tributária, tal como a prevista no (art. 195, §7º da CF/88).

Portanto, devemos analisar as imunidades sob a ótica das proteções constitucionais, as imunidades possuem natureza jurídica dúplice ao passo que são, ao mesmo tempo, limitações constitucionais ao poder de tributar, restringindo o poder do Fisco de instituir e majorar tributos, e também garantias fundamentais do contribuinte.

A natureza das limitações constitucionais ao poder de tributar está declarada na Seção II do Sistema Tributário Nacional que, ao tratar das imunidades, autodenominada como "Das Limitações do Poder de Tributar".

Já o status de garantias fundamentais dos contribuintes é decorrente do disposto no (art. 150, caput, da CF/88), segundo o qual:

 

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

 

Ao levar em consideração a natureza das imunidades tributárias, como limitação ao poder de tributar e garantia fundamental, é possível analisar as seguintes consequências decorrentes desse fato.

 

1.1. Imunidades tributárias são cláusulas pétreas

 

Imunidades tributárias não podem ser reduzidas ou suprimidas por emenda constitucional, em virtude do (art. 60, §4º, I e IV, da CF/88), cujo artigo aduz que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado e os direitos e garantias individuais.

Na interpretação da Constituição é possível identificar institutos e direitos importantes que não foram consagrados como cláusulas pétreas, mas que diante de sua relevância também deveriam receber um tratamento especial pelo constitucionalismo pátrio. Nesse caso, a doutrina classifica como uma limitação material implícita.

O Supremo Tribunal Federal, já se manifestou acerca do tema, a saber:

 

Ainda que não se trata tecnicamente de direitos e garantias individuais, as imunidades, constituem, todas elas, instrumentos de salvaguarda fundamentais de princípios, liberdades e direitos básicos da Constituição, como liberdade religiosa, de manifestação do pensamento, pluralismo político do regime, a liberdade sindical, a solidariedade social, o direito à educação e assim por diante – (ADIn 939-7 / DF, voto do rel. Min. Sepúlveda Pertence)[2].

 

Por conseguinte, o Mestre Aliomar Baleeiro[3] diz que:

 

Convém observar que há certas imunidades que, por serem logicamente dedutíveis de princípios fundamentais irreversíveis, como a forma federal de Estado e a igualdade-capacidade contributiva, independem de consagração expressa na Constituição (BALEEIRO, 2010).

 

Assim, temos como exemplo as imunidades recíprocas e imunidade das instituições de educação e assistência social sem finalidade lucrativa.

 

1.2. A aplicabilidade das imunidades

 

O norte será a doutrina do professor José Afonso da Silva[4], que classifica as normas constitucionais em três grupos, a saber, normas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada.

As normas de eficácia plena seriam aquelas capazes de produzir todos os seus efeitos essenciais simplesmente com a entrada em vigor da Constituição, independentemente de qualquer regulamentação por lei. São, portanto, dotadas de aplicabilidade imediata, direta e integral.

Por seu turno, as normas de eficácia contida[5] são aquelas que também estão aptas para a produção de seus plenos efeitos desde a promulgação da Constituição (aplicabilidade imediata), mas que podem vir a ser restringidas.

O direito nelas previsto é imediatamente exercitável, com a simples promulgação da Constituição. Contudo, tal exercício poderá ser limitado no futuro. São, portanto, dotadas de aplicabilidade imediata, direta e não-integral.

Diante dessa consideração e considerando que as imunidades se constituem de direitos fundamentais, conforme orientação adotada pelo STF, consolidado no (§1°, do artigo 5°, da CF/88), o qual estabelece que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata."

O código tributário nacional em seu (art. 9º), assevera vedações aos Entes tributantes, sendo certo que a referida regulamentação se encontra prevista no (art. 14 do CTN), que apesar de formalmente não ser uma lei complementar, foi recepcionada pela CF/88 com status de lei complementar, logo, é capaz de dispor acerca da disciplina, por atender o disposto no art. 146 da Carta Magna.

Compete ao legislador complementar, regulamentar as condicionantes fáticas, definidas pela norma imunizadora, quando a norma em questão é de eficácia limitada. As condicionantes de fato, evidentemente, integram a hipótese da norma imunizantes, sem os quais não há que se falar em sua aplicação e, por isso, encontram-se diante de preceito que depende de regulamentação, ou seja, são regras de eficácia limitada.

Deste modo, para alguns autores, existem preceitos imunitórios de eficácia limitada com base no (art. 150, VI, c, CF/88), porque suas finalidades ficam dependendo da edição de lei complementar para a sua regulamentação, conforme estipula o (art. 146 da CF/88).

Todavia, o existem posicionamentos tal como, o Ilmo. Aliomar Baleeiro cuja compreensão é de que as normas imunizantes, assim como os princípios que estabelecem o que se chama de "Limitações do Poder de Tributar", seriam de eficácia plena e aplicação imediata. Entretanto, admitem exceções, ao fundamento de que haveriam normas imunizatórias de eficácia contida, ou contível, contudo, seriam exceções, que viriam a confirmar a regra.

Por conseguinte, é mais cristalino o entendimento citado acima pois estabelece a regra de que as limitações são normas de eficácia plena e imediata, cujo seu efeito independe da instituição de lei complementar, a título de exemplo temos a imunidade recíproca. Entretanto, a exceção da imunidade está na norma de eficácia limitada (art. 150, VI, c, da CF/88). Ao passo que com a inobservância de certos requisitos, permanecerá o preceito imunitório, que é vedação no sentido amplo.

Portanto, reiteramos, a Constituição determinou todos os casos de imunidade, e à vista disto as minúcias estabelecidas pelo legislador não podem suprimir a norma imunizante estabelecida na Constituição Federal.

1.3. Distinção entre imunidade e isenção

 

As duas figuras, partindo de um ponto de vista extrajurídico, possuem uma grande semelhança, isso ocorre porque na prática ambas liberam o contribuinte de efetuar o pagamento do tributo. Entretanto, do ponto de vista do Direito Tributário, a imunidade e isenção são institutos jurídicos inconfundíveis.

Assim, a imunidade opera no plano constitucional interagindo com as regras que definem a competência para instituição de tributos antes que o fato gerador ocorra.

Sendo que, a isenção é um benefício legal concedido pelo legislador que, excluindo o crédito tributário, libera o contribuinte de realizar o pagamento do tributo após a ocorrência do fato gerador, conforme previsão do (art. 175, inciso I, do CTN).

A destarte, enquanto a imunidade é uma hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, a isenção é uma hipótese de não incidência legalmente qualificada.

No que tange ao nível hierárquico a imunidade é uma norma constitucional e a isenção tem previsão em lei. A natureza jurídica da norma imunizadora limita a competência tributária, ou seja, antes da ocorrência do critério material, consequentemente antes do nascimento da obrigação tributária, já a isenção é a dispensa do pagamento, logo, após a ocorrência do critério material.

A interpretação das imunidades genéricas por possuírem uma garantia fundamental devem ser compreendidas no sentido ampliativo, contudo, a isenção interpreta-se de modo literal, à luz do (art. 111, II, do CTN).

No que se refere a interpretação da isenção, não pode o Poder Judiciário estender o benefício fiscal sem que haja previsão legal específica, ainda que seja alegado como pretexto para tornar efetivo o princípio da isonomia tributária.

Hugo de Brito Machado, a define como:

 

A exclusão, por lei, de parcela da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da isenção a parcela que a lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de tributação[6].

 

A regra é que o alcance das imunidades atinge os impostos, no entanto, as isenções podem alcançar todos os tributos. De modo que os efeitos das imunidades excluem a competência tributária, e as isenções são manifestações da competência tributária.

 No que tange a revogabilidade e permanência, é cediço que, as imunidades são irrevogáveis pois são cláusulas pétreas, por isso, as imunidades tendem a eternidade, já as isenções por serem benefícios podem ser revogáveis.

 

2. IMUNIDADES RECÍPROCAS

 

A imunidade tributária recíproca também conhecida como imunidade intergovernamental, imunidade das entidades políticas ou imunidade mútua, está prevista no (art. 150, VI, “a”, da CF/88), e veda a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios de instituírem impostos sobre o patrimônio, renda e serviços uns dos outros.

Trata-se da imunidade intergovernamental recíproca, assim nomeada por Sacha Calmon Navarro Coêlho[7]:

 

Como a mais antiga exoneração tributária, tendo surgido com a 1ª Constituição Republicana de 1891 (art. 10, § 1º), por iniciativa de Ruy Barbosa, que, sob a influência do constitucionalismo norte-americano, deliberou inserir em seu anteprojeto a proibição expressa à tributação, por meio de imposto, entre as pessoas políticas.

 

 Posteriormente, todas as Constituições Federais passaram a trazer uma disposição em seus textos, com aperfeiçoamentos redacionais, de modo que afeta ao preceito proibitivo da incidência de impostos que viessem a ser exigidos mutuamente entre as entidades, quais sejam, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

Como resultado da coexistência de três esferas governamentais, próprias do sistema federativo brasileiro, nossas Constituições vêm contemplando o princípio da imunidade recíproca, de sorte que nenhuma entidade política poderá exigir imposto sobre o patrimônio, a renda ou os serviços de outra.

O elemento teleológico que justifica a norma em observação atrela-se ao princípio federativo (art. 60, § 4º, I, CF), como cláusula pétrea (ADI 939), à luz do postulado da indissolubilidade do pacto federativo, que prevê uma “convivência harmônica das entidades políticas componentes do Estado Federal Brasileiro”[8] (HARADA, 2017).

Outrossim, segundo Kiyoshi Harada[9]:

 

O estudo histórico comprova que a tributação foi a causa direta ou indireta de grandes revoluções ou grandes transformações sociais. No Brasil, o genuíno movimento de afirmação da nacionalidade, a Inconfidência Mineira, teve como fundamental motivação a sangria econômica provocada pela metrópole com o aumento da ‘derrama’[10].

 

É preciso, ainda, considerar que o princípio da imunidade tributária recíproca, por compor o cerne do pacto federativo e decorrer da própria natureza do federalismo, é garantia da Federação, sendo, pois, uma “cláusula pétrea decorrente”.

A construção jurisprudencial dessa imunidade é decorrente do julgamento, na Suprema Corte americana, em McCulloch vs. Maryland, do ano de 1819, que teve a marca da genialidade do juiz John Marshall e sua célebre frase: “no poder de tributar está o poder de destruir[11].

Deste modo, jamais uma emenda constitucional poderá suspender, suprimir ou afastar a imunidade recíproca dos componentes do Estado federado, porque, se o fizer, ofenderá o pacto federativo, enfraquecendo-o significativamente, pelo que é tendente a aboli-lo.

No plano classificatório, a imunidade recíproca pode ser estabelecida como, imunidade subjetiva ou pessoal, uma vez outorgada em função da condição de certas pessoas, no caso, as pessoas políticas de direito público interno. Ou como imunidade ontológica, uma vez decorrente da força dos princípios que edificam o texto constitucional, revelando-se uma consequência necessária destes[12].

No caso, a imunidade recíproca é ontológica por ser retirada do princípio da capacidade contributiva, que falta às pessoas políticas, bem como, através da autonomia exercida pelos Entes, a fim de preservar o princípio federativo.

Para a ilustre tributarista Regina Helena Costa, a imunidade recíproca, tida como “a mais importante das imunidades tributárias[13], fundamenta-se em dois pilares, a saber, a supremacia do interesse público sobre o privado e, ausência de capacidade contributiva das pessoas políticas.

Quanto a este último fundamento, dever ser entendido que na Federação as pessoas políticas são iguais, uma vez não há capacidade contributiva, por isso seus recursos destinam-se à prestação de serviços públicos. Sua influência sobre a imunidade recíproca deve ser destacada, porém em caráter subsidiário.

Na verdade, os entes políticos apresentam-se, instintivamente equivalentes, e não hierarquizados. Essa forma de organização das entidades, afasta a cobrança mútua do imposto, pois este gravame, como arrecadação unilateral, segundo o Mestre Eduardo de Moraes Sabbag:

 

Presume um poder de sujeição que une aquele que o exige àquele de quem se cobra, refletindo uma postura genuflexa inconciliável com a estrutura de parificação imposta pelo pacto federativo[14].

 

Conforme já ressaltado, a imunidade recíproca somente se aplica aos impostos, não impedindo, a título de exemplo, que um Município institua taxa pela coleta domiciliar de lixo, cobrando-a, também, pelo serviço prestado nas repartições públicas federais e estaduais localizadas em seu território.

Segundo as lições de Regina Helena Costa[15], também “não há, à evidência, impedimento à exigência de taxas, contribuição de melhoria e contribuições sociais”. Isto posto, seria viável a normal incidência das taxas uma vez que o seu ônus não se rege pelo princípio da capacidade contributiva e quanto à contribuição de melhoria, também deveria haver a normal incidência. Porém, normalmente, esse campo desonerativo é atribuído à eventual isenção (art. 177, I, CTN).

Nessa medida, o dispositivo literalmente interpretado, alcançaria vários impostos, quais sejam: IGF, ITR, ITCMD, IPVA, IPTU, ITBI, IR e o ISS. A contrário sensu, possibilitando a incidência, dos ‘impostos sobre o comércio exterior’ (II e IE), além dos ‘impostos sobre a produção e circulação’ (ICMS, IPI e IOF).

Juristas conceituados como Regina Helena Costa e Ricardo Lobo Torres[16] não parecem concordar quanto à adoção dessa limitada dimensão exonerativa, que reduz a abrangência desse benefício constitucional, impondo-se a incidência de um determinado imposto e a exoneração de outro.

O STF, seguindo a mesma linha crítica dessa restritiva explicação, houve por bem dar ao mencionado rol classificatório uma interpretação lata ou ampliativa, desconsiderando a inofensiva classificação do CTN e afastando quaisquer impostos que possam onerar economicamente as finanças dos entes federados, recebido pela regra imunitória.

Sendo assim, por exemplo, não incidirão o imposto de importação sobre máquinas importadas por Município, nem mesmo o IOF nas operações financeiras realizadas por Município.

 

2.1. Imunidades das entidades autárquicas e fundacionais

 

A proteção imunizante denominada por muitos doutrinadores como imunidade recíproca, tem o seu alcance ampliado pelo (art. 150, §2º da CF/88), a regra imunizadora se estende às autarquias e fundações públicas, em razão da personalidade jurídica de direito público, de que são possuidoras as referidas entidades.

Entretanto, essa imunidade recíproca só é extensiva às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes (§ 2º do art. 150).

Ressalto que a finalidade essencial é presumida, bem como cabe ao fisco ônus da prova para infirmá-la:

 

DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ÔNUS DA PROVA RELACIONADO AO AFASTAMENTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PREVISTA NO § 2º DO ART. 150 DA CF. O ônus de provar que o imóvel não está afetado à destinação compatível com os objetivos e finalidades institucionais de entidade autárquica recai sobre o ente tributante que pretenda, mediante afastamento da imunidade tributária prevista no § 2º do art. 150 da CF, cobrar IPTU sobre o referido imóvel. Isso porque, conforme orientação jurisprudencial predominante no STJ, presume-se que o imóvel de entidade autárquica está afetado à destinação compatível com seus objetivos e finalidades institucionais. (STJ, AgRg no AREsp 304.126-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 13/8/2013 - Informativo nº 0527).

 

Assim sendo, esse princípio não será aplicado quando se tratar de exploração, pelos poderes públicos, suas autarquias ou fundações, de atividades econômicas regidas por normas próprias de empreendimentos privados.

Ademais, quando houver contraprestação ou pagamento de tarifas pelo usuário, bem como não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar o imposto relativamente ao bem imóvel (§3º do art. 150, da CF/88).

 

2.2. Imunidade recíproca aplicada as Empresas públicas e Sociedades de economia mista

 

Segundo o STF, o intuito lucrativo da operação (distribuição de lucros, ainda que ao Estado) e a lesão à livre iniciativa e à concorrência, desequilibradas artificialmente por tal benefício são as características determinantes para afastamento dessa proteção constitucional.

Dessa forma, a imunidade tributária recíproca não se aplica, por exemplo à Petrobrás, tendo em vista que a Petrobrás se trata de uma sociedade de economia mista com a sua finalidade voltada para à exploração econômica e benefício de seus acionistas, pessoas de direito público e privado. De modo que a imunidade em voga não possui o condão de resguardar o aumento patrimonial separado do interesse público originário.

A Petrobrás tem capacidade contributiva para participar do apoio econômico aos entes federados, pois sua finalidade é a partilha de lucros. Ademais, sua atividade econômica lucrativa não implica risco ao pacto federativo, conforme decisão do STF no julgamento do (RE 285716).[17]

Entretanto, merece destaque a importante decisão tomada pelo STF no (RE 407.099), o qual estabelece uma distinção entre as empresas públicas que prestam serviços públicos daquelas que são instrumentos de participação do Estado na economia, assim, foi reconhecida a imunidade recíproca (art. 150, VI, a, da CF), a favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que é uma empresa pública.

 Através de interpretação sistemática dos textos constitucionais, a Corte Suprema equiparou a referida empresa pública a uma autarquia, para fins do (§2º do art. 150 da CF/88) e afastou, ao mesmo tempo, as restrições de seu parágrafo terceiro. Afastando, também, as restrições dos (§§1º e 2º do art. 173 da CF/88), porque a imunidade abrange o serviço público postal, e ECT presta de serviço público, sendo um monopólio da União que não se identifica como empresa privada, por isso, integra o conceito da fazenda pública.

Assim, não caberia falar em quebra do princípio da livre concorrência, motivadora das restrições impostas as empresas estatais (art. 21, X, da CF/88) e, o resultado do julgamento, no STF, da (ADPF 46), bem como serviços em concorrência com o setor privado.

Nesse ponto, o Pleno do STF (RE nº 601.392/PR) firmou entendimento no sentido de que à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT deve ser estendida a imunidade tributária recíproca, sendo irrelevante, para tanto, o fato de que exerça simultaneamente atividades em regime de exclusividade e atividades em concorrência com a iniciativa privada.

A Ementa do v. acórdão, adiante transcrito é, por si só, bastante esclarecedora:

 

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO.

I. As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a;

II. RE, conhecido em parte e, nessa parte, provido. (RE no 407.099-RS, 2a T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6-8-2004, Ata no 21/2004).

 

Vale a pena ressaltar que em tempos recentes, muitos veredictos garantiram a imunidade recíproca a ECT, como podemos observar nos seguintes julgados, IPTU (STF: RE 773.992, de out. 2014), IPVA (STF: ACO 879, de nov. 2014), ICMS (STF: ACOs 958/865 e RE 627.051, de nov. 2014 – circulação de mercadorias e ACO 1.095, de out. 2015 – transporte de encomendas). Aliás, desde 2013, passamos a ter a extensão até para os serviços não tipicamente postais[18].

Ademais, outros julgados garantiram a imunidade recíproca para outras empresas públicas ou sociedades de economia mista, por exemplo:

 

  1. INFRAERO (empresa pública), conferindo a imunidade recíproca no tocante ao ISSQN - Imposto sobre serviços de qualquer natureza (AgR-RE 363.412/BA, em ago. de 2007);
  2. CAERD - Cia. Águas e Esgotos de Rondônia (sociedade de economia mista) (Ação Cautelar 1.550-2, em fev. de 2007);
  3. E, para quatro hospitais gaúchos, a saber: Nossa Senhora da Conceição, Cristo Redentor, Fêmina e Conceição (sociedades de economia mista) cujasprestações são de ações e serviços de saúde de capital majoritariamente estatal (RE 580.264, em dez. de 2010).

 

2.3. Necessidade do cumprimento da obrigação tributária (acessória)

 

Consoante previsão do art. 113 do CTN, a obrigação tributária pode ser principal (obrigação de dar) ou acessória (obrigação de fazer, não fazer e tolerar).

A obrigação principal tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 113, §1º, do CTN): consiste em dar dinheiro, pagar. Já a obrigação acessória refere-se, na verdade, aos deveres formais e instrumentais que o sujeito passivo está obrigado, a fim de facilitar a arrecadação e a fiscalização. À luz do (art. 113, §2º, do CTN), são prestações positivas ou negativas que irão facilitar a arrecadação e a fiscalização dos tributos.

Por prestações positivas, tem-se como obrigação acessória do sujeito passivo o dever de “emitir nota fiscal”, “escriturar livro”, “declarar impostos” etc. Quanto às prestações negativas, cita-se o dever de não receber mercadorias desacompanhadas da devida documentação fiscal bem como, o dever de tolerar uma fiscalização no estabelecimento.

Esse entendimento vai de encontro com o do professor Hugo de Brito Machado[19], para quem as obrigações acessórias devem ser “meros deveres instrumentais” – adequados, necessários e não excessivos –, empregados no intuito de fiscalizar se as obrigações principais (estas, sim, previstas em lei) estão sendo adimplidas.

Dessa forma, a multa pelo descumprimento de obrigação acessória deve se sujeitar à lei tributária (art. 97, V, CTN), mas não à própria obrigação acessória.

Vale a pena destacar que, a inobservância de uma obrigação acessória pelo sujeito passivo implica o surgimento de uma obrigação principal referente à penalidade tributária. Assim, por exemplo, se o sujeito passivo deixar de declarar o imposto de renda, terá que declará-lo com atraso e, por esse motivo, deverá pagar uma multa. Essa multa é uma obrigação principal, de acordo com o disposto no (§3º do art. 113 do CTN).

O fato de o sujeito passivo não ter uma obrigação principal, por gozar de imunidade ou isenção tributária, por exemplo, não afasta a sua obrigação acessória, vez que essa obrigação é autônoma em relação à obrigação principal. Logo, o sujeito passivo que goza de imunidade ou isenção, ainda assim deve manter suas obrigações acessórias em dia.

Vejamos o seguinte julgado relacionado a autonomia das obrigações acessórias:


Recurso extraordinário com repercussão geral. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Peculiaridades do Serviço Postal. Exercício de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com particulares. Irrelevância. ICMS. Transporte de encomendas. Indissociabilidade do serviço postal. Incidência da Imunidade do art. 150, VI, a da Constituição. Condição de sujeito passivo de obrigação acessória. Legalidade. 1. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade econômica. 2. As conclusões da ADPF 46 foram no sentido de se reconhecer a natureza pública dos serviços postais, destacando-se que tais serviços são exercidos em regime de exclusividade pela ECT. 3. Nos autos do RE nº 601.392/PR, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes , ficou assentado que a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, CF, deve ser reconhecida à ECT, mesmo quando relacionada às atividades em que a empresa não age em regime de monopólio. 4. O transporte de encomendas está inserido no rol das atividades desempenhadas pela ECT, que deve cumprir o encargo de alcançar todos os lugares do Brasil, não importa o quão pequenos ou subdesenvolvidos. 5. Não há comprometimento do status de empresa pública prestadora de serviços essenciais por conta do exercício da atividade de transporte de encomendas, de modo que essa atividade constitui conditio sinequa non para a viabilidade de um serviço postal contínuo, universal e de preços módicos. 6. A imunidade tributária não autoriza a exoneração de cumprimento das obrigações acessórias. A condição de sujeito passivo de obrigação acessória dependerá única e exclusivamente de previsão na legislação tributária. 7. Recurso extraordinário do qual se conhece e ao qual se dá provimento, reconhecendo a imunidade da ECT relativamente ao ICMS que seria devido no transporte de encomendas.

 

O entendimento também é conferido no STJ quando abordou sobre o tema (Res. n. 8/2008-STJ), no (REsp 1.116.792-PB), Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24/11/2010 cuja seção ressaltou que a obrigação acessória é autônoma e pode ser instituída pelo ente legiferante no interesse da arrecadação ou da fiscalização tributária, nos termos do § 2º do art. 113 do CTN, ainda que a obrigação principal não exista, obedecendo-se aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ressalto que com base no (art. 111, III, do CTN), deve ser realizada a interpretação literal no tocante a dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Ocorre que, a reserva legal relativa do (art. 5º, II, CF) cujo dispositivo estabelece o mandamento constitucional que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, é suprido pelo preceito legal do (art. 113, §2º c/c art. 96, ambos do CTN) que prevê a suficiência de legislação tributária, ou seja, nesse caso não é somente a lei em sentido estrito mas os demais atos normativos que cuidam das relações jurídico-tributárias.

Conforme explicação acima, todos devem observar o cumprimento das obrigações acessórias, vez que o (art. 113, §3º do CTN) estabelece que o simples fato de sua inobservância gera a conversão da obrigação tributária acessória em principal, cujo pagamento é decorrente da penalidade pecuniária.


Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

...

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

 

2.4. Imunidade tributária e contribuinte de fato

 

Nas palavras de Aliomar Baleeiro[20], deve-se observar que:

 

A repercussão de tributos que se integram nos preços, sobretudo quando há pagamento de compra e venda ou de prestação de serviços, mostra que uma coisa é quem foi designado por lei e recolheu à repartição o gravame; outra é quem de fato o suportou pela transferência econômica do encargo.

 

Entretanto, preliminarmente, por impostos indiretos, assim considerados aqueles relativamente aos quais o próprio legislador estabelece que sejam destacados no documento fiscal de venda e que componham o valor total da operação, como é o caso do IPI, do ICMS e, via de regra, também do ISS, aplica-se o (art. 166 do CTN). À vista disso, teremos duas figuras a considerar, a do contribuinte de direito e a do contribuinte de fato.

O conceito de contribuinte é de suma importância para compreensão do tema, pois o contribuinte é a pessoa, física ou jurídica, que tenha relação de natureza econômica, pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador (art. 121, parágrafo único, I, do CTN). Assim, o contribuinte é sujeito passivo direto.

Destarte que a sua responsabilidade é originária, existindo uma relação de identidade entre a pessoa que deve pagar o tributo (e/ou a multa) e a que participou diretamente do fato imponível, dele se beneficiando economicamente.

Logo, evidenciando-se a natureza econômica na relação entre o contribuinte e a situação que caracteriza o fato gerador, o CTN adotou como critério econômico de incidência: cobrar de quem auferiu vantagem econômica na ocorrência do fato imponível, desconsiderando o critério territorial e de cidadania.

Dessa forma, constituindo o fato gerador um índice da capacidade contributiva do cidadão, nada mais normal que seja o contribuinte a pessoa obrigada ao pagamento do tributo (e/ou a multa). Destaca-se que o fato gerador é um critério econômico com relevo no mundo jurídico, servindo de índice de medida da capacidade contributiva do cidadão.

Assim, normalmente a lei confere a obrigação de pagar o tributo à pessoa que tenha relação econômica com a situação que constitua o fato gerador respectivo, ou seja, à pessoa que dela auferiu uma vantagem patrimonial, isto é, o contribuinte.

A relação jurídico-tributária referente aos impostos indiretos consiste na existência do contribuinte de direito (de jure), sendo aquele que deve recolher o tributo, por ter praticado o fato gerador, ou porque a lei tenha atribuído essa condição. Já o contribuinte de fato, é aquele que suportou o encargo financeiro, geralmente esse é o consumidor final.

Por conseguinte, o industrial que realiza a operação de industrialização do produto deve recolher o imposto por ter praticado o fato gerador, ele é o contribuinte de direito.

Contudo, o industrial embute no imposto que teve que recolher no valor do preço do produto industrializado, repassando esse ônus para o consumidor final, que suporta o encargo financeiro do imposto sendo denominado como contribuinte de fato.

Nessa esteira, o STF possuiu o entendimento que o Ente Federativo somente terá direito à imunidade tributária se estiver na condição de contribuinte de direito, caso seja contribuinte de fato, não gozará desse benefício constitucional.

 

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. ICMS. MUNICÍPIO. CONTRIBUINTE DE FATO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. INAPLICÁVEL. AGRAVO IMPROVIDO.I - O acórdão recorrido decidiu a questão com base na legislação ordinária e na jurisprudência do STJ. A ofensa à Constituição, se ocorrente, seria indireta. Incabível, portanto, o recurso extraordinário. II - A imunidade de que trata o art. 150, VI, a, da Constituição somente se aplica ao imposto incidente sobre serviço, patrimônio ou renda. III - Como não é contribuinte de direito do ICMS relativo a serviços de energia elétrica e telefonia, o Município não é beneficiário da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição. Precedentes. IV - Agravo regimental improvido. No mesmo sentido, menciono, ainda, as seguintes decisões, entre outras: RE 344.729/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa; AI 652.207/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia. Isso posto, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Brasília, 24 de junho de 2010.Ministro RICARDO LEWANDOWSKI- Relator - (STF - AI: 805295 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 24/06/2010, Data de Publicação: DJe-149 Divulgado em 12/08/2010. Publicado em 13/08/2010).

 

Isto posto, se o Ente Federativo industrializar o produto, terá imunidade, ou seja, não precisará pagar o imposto, ainda que pudesse repassar o encargo financeiro para outra pessoa.

Inobstante, quando o Ente é o consumidor final, não poderá alegar sua imunidade para eximir-se do pagamento com o tributo embutido, pois nesse caso ele estará atuando na relação jurídico-tributária como contribuinte de fato.

Nesse sentido, deve se observar a aplicação da súmula 591 do STF, a saber:

 

A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto sobre produtos industrializados.

 

Conforme o entendimento definido em sede de repercussão geral, o ministro Dias Toffoli[21] assevera que a imunidade tributária se aplica a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido. 

 

2.5. Distinção entre imunidade tributária recíproca e isenção recíproca

 

Como se pode observar, através do que já foi abordado, a imunidade é instituto de sede constitucional enquanto a isenção revela-se como dispensa legal, no campo da tributação. Assim, superadas as distinções basilares e técnicas entre a imunidade e a isenção, partimos para uma análise um pouco mais profunda acerca do tema.

A regra, é que a imunidade recíproca é a hipótese de não incidência dos impostos (patrimônio, renda e serviços). Todavia, nada impede que a isenção dispense a incidência de outros tributos, tais como taxas, contribuições de melhoria.

Partindo dessa lógica, de que seria possível a dispensa legal de outros tributos, surge o conceito da isenção recíproca, que muito se assemelha ao da imunidade recíproca, pois no contexto aparece numa relação jurídico-tributária entre Entes tributantes, desde de que observadas a peculiaridades relativas as isenções.

O tratado de Itaipu versado entre a República Federativa do Brasil e a República do Paraguai para o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do Rio Paraná, pertencentes em condomínio aos dois países, estipulou em seu Artigo XII as seguintes hipóteses:

 

As Altas Partes Contratantes adotarão, quanto à tribuição, as seguintes normas: a) não aplicarão impostos, taxas e empréstimos compulsórios, de qualquer natureza, à ITAIPU e aos serviços de eletricidade por ela prestados; b) não aplicarão impostos, taxas e empréstimos compulsórios, de qualquer natureza, sobre os materiais e equipamentos que a ITAIPU adquira em qualquer dos dois países ou importe de um terceiro país, para utilizá-los nos trabalhos de construção da central elétrica, seus acessórios e obras complementares, ou para incorporá-los à central elétrica, seus acessórios e obras complementares. Da mesma forma, não aplicarão impostos, taxas e empréstimos compulsórios, de qualquer natureza, que incidam sobre as operações relativas a esses materiais e equipamentos, nas quais a ITAIPU seja parte; c) não aplicarão impostos, taxas e empréstimos compulsórios, de qualquer natureza, sobre os lucros da ITAIPU e sobre os pagamentos e remessas por ela efetuados a qualquer pessoa física ou jurídica, sempre que os pagamentos de tais impostos, taxas e empréstimos compulsórios sejam de responsabilidade legal da ITAIPU[22].

 

Importa destacar que, o referido tratado internacional não deve ser entendido como uma isenção heterônoma, vez que o art. 151, III, da CF proíbe que a União venha atuar em seara da competência alheia, o que lhe é defeso em função da demarcação da competência tributária privativa, quer na vertente de instituição do tributo, quer na sua exoneração.

Entretanto, no caso em tela, estamos diante de um tratado internacional e trata-se de uma ressalva ao princípio da vedação as isenções heterônomas pela doutrina e jurisprudência do STF, referindo-se à possibilidade de concessão de isenção de tributos estaduais e municipais pela via do tratado internacional.   

Vejamos o seguinte julgado, relacionado à Itaipu binacional:

 

EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. IPTU. TRATADO DE ITAIPU. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. HONORÁRIOS. 1. De acordo com a alínea a do artigo XII do Tratado de Itaipu, é vedada a cobrança de impostos, taxas e empréstimos compulsórios que venham a onerar direta ou indiretamente a Itaipu Binacional. Trata-se de não-incidência de tributo, veiculada por Tratado Internacional, que ingressou em nosso ordenamento jurídico por meio de ato do Congresso Nacional. 2. Como Brasil e Paraguai, quando da assinatura do Tratado Internacional, acordaram a isenção tributária recíproca, merece prosperar a insurgência da embargante no sentido de não ser parte legítima para figurar no pólo passivo da execução fiscal. 3. Honorários advocatícios mantidos em 10% sobre o valor da causa, em consonância com o artigo 20, § 4º, do CPC e precedentes desta Turma. (TRF-4 - AC: 10564 PR 2008.70.02.010564-3, Relator: LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, Data de Julgamento: 17/11/2009, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: D.E. 25/11/2009).

 

De modo que, a União, ao celebrar o tratado, não se mostra como pessoa política de Direito Público Interno, mas como pessoa política internacional, ou sujeito de direito na ordem internacional, passando ao largo da restrição constitucional.

Ademais, o Código Tributário Nacional reconhece expressamente no seu (art. 98), que:

 

Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.

 

Em tempo, o Presidente da República firma tais acordos à frente dos interesses soberanos da nação, e não na defesa de seus restritos propósitos como entidade federada. Daí se assegurar que a concessão da isenção na via do tratado não se sujeita à vedação em questão.

 

 

Considerações finais

 

A imunidade recíproca quando introduzida na Constituição de 1988 era conhecida por ser uma ressalva expressa a tributação dos serviços públicos concedidos, da renda, das obrigações da dívida pública e dos proventos dos agentes dos Estados e Municípios. Ou seja, era apontada como uma exceção.

Entretanto, ao longo dos anos e com a gradativa evolução do princípio federalismo, construiu-se uma nova teoria da imunidade, trabalhada pela igualdade, pela abolição de privilégios e pela reciprocidade de tratamento entre os entes político federados.

Logo, partindo desse ponto de vista, vivenciamos a luz dos grandes debates produzidos pela jurisprudência e doutrinas uma nova mentalidade, ou seja, há mudança e não, propriamente, ressalvas.



[1] SABBAG. Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 298.

[2] Fonte: Site oficial do STF <http://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em 04/06/2018.

[3] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8ª ed. Rio de Janeiro, 2010, p. 373.

[4] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6ª ed. São Paulo, Malheiros, 2003, p.88-102.

[5] TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.27.

[6]MACHADO , Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário – 34ª edição. São Paulo, Malheiros, 2013.

[7] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 259.

[8] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário, 7. ed., São Paulo: Gen, 2017, p. 291.

[9]HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 26. ed., São Paulo: Gen, 2017, p. 274.

[10] No Brasil Colônia, a derrama era um dispositivo fiscal aplicado em Minas Gerais a fim de assegurar o teto de cem arrobas anuais na arrecadação do quinto.

[11] Fonte: <https://billofrightsinstitute.org/educate/educator-resources/lessons-plans/landmark-supreme-court-cases-elessons/mcculloch-v-maryland-1819/> Acesso em: 26 out 2018.

[12] COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias, 2. ed., p. 128; v. COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, 3. ed., p. 74.

[13]Ibidem, p. 138.

[14] SABBAG. Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 379.

[15] COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias, p. 139.

[16] COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias, p. 148; TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação, pp. 202-204.

[17]RE 285716 AgR, Relator(a):  Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 02/03/2010, DJe-055 Divulgado 25-03-2010 Publicado 26-03-2010 Ementa - 02395-04 PP-00892.

[18]Fonte: Site oficial do STF (RE-601392): <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=232199> Acesso em: 10 set 2018.

[19] V. MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2004, v. II, p. 305.

 

[20] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8ª ed. Rio de Janeiro, 2010, p. 461-462.

[21] RE 608.872, rel. min. Dias Toffoli, P, j. 23-2-2017, DJE 219 de 27-9-2017.

[22]Fonte: <https://www.itaipu.gov.br/sites/default/files/u13/tratadoitaipu.pdf> Acesso em 30 out 2018.

Assuntos: Direito Tributário

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