BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

29/08/2019. Enviado por

Um resumo do controle de constitucionalidade a partir do contexto histórico. Apontando os grandes marcos do surgimento do constitucionalismo e das democracias no Ocidente, os instrumentos de controle brasileiro e as doutrinas contemporâneas.
  1. Introdução

É a partir da Revolução Americana do fim do Século XVIII, no período pós-guerra em países acometidos por regimes totalitários como Alemanha e Itália, com as cartas de direitos, e após os regimes ditatoriais nas décadas de 70 e 80, em países como Brasil, Portugal e Espanha que se inicia o processo de democratização do Ocidente e a Era do Constitucionalismo. Em 1803, com o famoso caso norte-americano Marbury vs Madisonformam-se as bases para um sistema de controle de constitucionalidade (judicial review) com o escopo de proteção dos direitos fundamentais (basic rights; grundrechte; droits fudamentoux; diriti fundamentali; derechos basicos).

Como herança norte-americana o Brasil apresenta um controle de constitucionalidade difuso, ou seja, concreto, aplicável a uma determinada situação de fato e que pode ser exercido por todos os juízes. Em outras palavras, cada juiz pode declarar a inconstitucionalidade da norma ou ato. Entretanto, diferente do Brasil, os Estados Unidos possuem a regra da stare decisis, o que confere à decisão uma eficácia que ultrapassa as partes, podendo tornar-se erga omnes quando forem decisões da Suprema Corte, vinculando, assim, todo o Judiciário norte-americano.

Nos países em que impera o civil law é preciso adaptar as normas de Judicial Review e, no Brasil, mais semelhante ao estilo da maioria dos países europeus não há a regra da stare decisis e o controle de constitucionalidade também é concentrado e exercido por uma Corte Constitucional, o Supremo Tribunal Federal. Portanto, a falta de eficácia que o controle difuso brasileiro possui (efeito ultra partes), em relação invalidação da norma, em geral, contrária à Constituição, permite que o Brasil possua um controle misto de constitucionalidade.

  1. Os Instrumentos Brasileiros de defesa dos interesses gerais

Anteriormente à Constituição de 1988 apenas era legitimado para propositura da ação direta de inconstitucionalidade o Procurador Geral da República e com a promulgação da Constituição de 1988 a) ampliou-se o rol dos legitimados a propor ações diretas; b) criou-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADI por Omissão), § 2º do art. 103 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) § 1º do art. 102 ; c) com a Emenda Constitucional 03/93 criou-se a Ação Declaratória de Constitucionalidade, art. 102, inciso I, alínea a. Soma-se, a estes instrumentos, a Ação Civil Pública art. 129, III, e a Ação Popular art. 5º, LXXIII todos da Constituição de 1988.

Tais instrumentos de proteção judicial contribuem para a transferência das decisões do corpo político (majoritário) para o palco judicial, o que coloca a Suprema Corte no centro do discurso político. É a partir do surgimento do constitucionalismo, iniciado nos Estados Unidos, que o Judiciário passa a exercer uma função de controle político-jurídico do Executivo e do Legislativo, fenômeno facilmente identificado nas democracias atuais.

  1. Judicialização da Política

Estudiosos no mundo todo se debruçam sobre tais questões envolvendo o Direito, a Política e as questões contramajoritárias com as mais variadas conclusões: como, por que ocorrem? A quem interessa? Quais as consequências? 

Existem os defensores de um maior ativismo das cortes constitucionais sob o argumento de que o judicial review é fundamental para colocar o Judiciário entre o povo e a legislatura, justamente para conter esta, nos limites de suas atribuições. O Judiciário exerce o papel de guardião das conquistas constitucionais devendo decidir através de uma leitura moral da Constituição e, até mesmo, em contraposição à vontade majoritária.

Há quem afirme, por outro lado, que o Parlamento é ambiente com má fama, pois legisla mal, e que seus membros só estariam preocupados com o cumprimento de seus curtos mandatos. Partindo dessa premissa, parece ser conveniente às elites políticas que entreguem as decisões mais impopulares ao Judiciário, transferindo assim o encargo negativo ao Tribunal

No exemplo brasileiro, há estudos que apontam que, desde 1988, o Supremo Tribunal Federal se comportou na maioria dos casos em deferência ao parlamento, utilizando-se de mecanismos que não invalidam por completo as Leis, como modulação dos efeitos, declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto e interpretação conforme a Constituição.

Segundo a doutrinadora Thamy Progebinschi é falacioso o argumento de que a Democracia estaria ameaçada por uma crise originária, a possibilidade de controle judiciário das questões políticas. A autora vê com bons olhos a relação que Supremo mantem com o Congresso Nacional, entendendo que há um amadurecimento das instituições e que a judicialização da Política contribui para o fortalecimento da Democracia.

Ainda, segundo o entendimento do Ministro Gilmar Mendes “possuímos, hoje, um sistema de defesa da Constituição tão completo e tão bem estruturado que, no particular, nada fica a dever aos mais avançados ordenamentos jurídicos da atualidade”.

Apontando como uma alerta sobre o perfil das decisões em sede de controle concentrado, a pesquisa realizada pelos professores Juliano Zaiden Benvindo, Alexandre Araújo Costa e outros indica que os direitos protegidos, na maioria dos casos, pelas decisões em sede de controle concentrado de constitucionalidade não são os direitos fundamentais e sim direitos federativos e coorporativos. Isso ocorre, segundo os autores, em razão da seletividade de legitimados e da própria conjuntura política que desestimula os legitimados a postularem seus direitos por meio de ADIs, seja pela demora das decisões ou pelo receio de não obter êxito e inviabilizar o direito pleiteado.

Os pesquisadores em comento concluíram que a ampliação do rol de legitimados e das ações diretas não contribuíram de fato para um aumento na apreciação dos casos relativos aos basic rights, pois as principais decisões relativas aos direitos fundamentais foram postuladas pela PGR, conforme o era antes da Constituição de 1988.

O pesquisador Marcelo Neves, por sua vez, entende que a judicialização da política e o ativismo do Supremo Tribunal não derivam de uma autoridade arbitrária e sim de um Estado fragilizado que sede às pressões de uma sociedade desestruturada e carente de um governo pautado na universalidade da cidadania. O autor entende que a hipercomplexidade e a pluralidade da sociedade brasileira orientam que as decisões devem ser tomadas visando o consenso procedimental e o dissenso conteudístico que é natural das esferas públicas pluralistas.

Por fim, cabe esclarecer que em qualquer Estado Democrático de Direito os três poderes têm função de representar a sociedade e o Judiciário não é indiferente a isso e, “é assim alternando ativismo e autocontenção, que a jurisdição constitucional tem se consolidado nas democracias maduras, como instrumento de mediação das forças políticas e de proteção dos direitos fundamentais”.



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Assuntos: Direito Constitucional

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