Administração municipal e assessoramento jurídico

28/02/2015. Enviado por

Os agentes políticos precisam cercar-se de assessoria verdadeiramente qualificada em matéria de direito e utilizá-la como fonte de consulta sobre a segurança jurídica das ações administrativas.

Os agentes políticos que exercem atividades na Administração municipal não têm, como regra, formação técnica específica. Isso não é demérito, não é estranho e não lhes tira a relevância e a legitimidade. São cidadãos escolhidos na comunidade, aos quais o povo, em confiança, confere o poder de gerir os interesses do Município. É salutar que saiam do seio da própria sociedade, na qual convivem e conhecem as necessidades, para exercer um papel de gestão em nome do grupo coletivo. Estão, aqui, o prefeito, o vice-prefeito e os vereadores; e, por extensão, os secretários municipais.

É natural, assim, que os agentes que executam atividades na Prefeitura Municipal e na Câmara de Vereadores sejam políticos e não técnicos. Isso, entretanto, perante a lei e perante as estruturas do controle, não minimiza as responsabilidades; isso não lhes dá um salvo conduto. Na medida em que tomam decisões, praticam atos administrativos e ordenam despesas, atraem para si uma gama enorme de dispositivos legais, que começam na Lei de Responsabilidade Fiscal, passam pela Lei das Licitações e Contratos, avançam pela Lei da Improbidade Administrativa e não raramente acabam no Código Penal, nos chamados crimes contra a Administração Pública.

O número de agentes públicos municipais a responder processo é muito grande. Levantamento realizado no ano de 2000 pelo então Centro Brasileiro de Formação Política mostrou que cerca de 75% dos prefeitos no País estavam, de alguma forma, sendo responsabilizados. Eram processos nos Tribunais de Contas, inquéritos policiais, ações civis públicas e processos criminais pelas mais inusitadas condutas. Mais de uma década depois, muitos deles com certeza ainda não conseguiram se livrar das contendas e já consumiram expressivas somas de recursos pessoais em complexas defesas.

Tomando ainda como referência o ano de 2000, valem as seguintes anotações como amostragem: somente na região de Bauru - SP, sete prefeitos foram cassados; dois prefeitos estavam presos. Em um único Município no interior do Estado do Espírito Santo, dos treze vereadores, onze tiveram prisão decretada. No Rio Grande do Sul, havia prefeito foragido, procurado pela Interpol.

No Estado do Ceará, entre 2011 e os primeiros meses de 2013, somente a Procuradoria da República ajuizou mais de 400 ações por conta do mau uso de recursos públicos, a maioria envolvendo administradores municipais. Predominam aqui os incidentes na aplicação de verbas nas áreas de educação, saúde, abastecimento de água e turismo.[1] Dos casos denunciados, 16 prefeitos e ex-prefeitos já foram condenados, tendo os seus nomes incluídos na lista de inelegíveis.

Ainda no Estado do Ceará, o Tribunal de Contas dos Municípios encaminhou à Justiça Eleitoral a relação de 429 prefeitos e gestores municipais que tiveram as contas rejeitadas por decisão definitiva entre julho de 2004 e junho de 2012.[2] São possibilidades de carreiras políticas interrompidas, além, obviamente, das consequências diretas dos processos, como a possibilidade de reparação, com recursos pessoais, de expressivos danos que teriam causado ao erário.

É por isso que é fundamental a preparação dos agentes públicos municipais para a complexidade dos ofícios que assumiram. Eles podem ser políticos na sua natureza, mas precisam compreender que as ações que empreendem devem estar tecnicamente respaldadas. Os meios de controle se aperfeiçoaram, métodos informatizados facilitam a identificação de irregularidades (às vezes em tempo real), a sociedade está esclarecida e o Ministério Público, com um grande espaço de atuação, está presente em todas as localidades. Logo, é necessário que dediquem um tempo mínimo para compreenderem na prática os princípios que regem a Administração Pública. O administrador que se fixar nas balizas desses princípios reduz substancialmente as possibilidades de parar nas delegacias de polícia e nos foros judiciais. Indo além, os gestores precisam constituir uma assessoria técnica competente. Se for preciso, busquem apoio externo nas questões de maior complexidade.

Há casos temerários, é verdade. O candidato elege-se prefeito e toma posse como deus. O vereador assume o mandato e acredita estar investido também em um grau de divindade. Envereda pelos caminhos do tráfico de influência e das relações promíscuas com o Executivo. Uma pessoa ocupa uma Secretaria municipal e se vê como uma autoridade intocável, colocando-se em nível de superioridade em relação aos demais cidadãos. No mundo da ética, da decência, das boas e saudáveis relações, esses comportamentos são reprováveis e alguns sinalizam até para distúrbios de personalidade.

Foi exatamente esse nível de deslumbramento que levou importantes autoridades, de presidentes da República a ministros de Estado, a enfrentarem as barras dos tribunais, muitas vezes em ambientes de escândalo. No Estado democrático que se implantou, e com o aperfeiçoamento das exigências sociais do século XXI, todos estão sob intensa vigilância. Não apenas são controlados pelos institutos formais (Tribunais de Contas, Ministério Público), como são fiscalizados pela imprensa e pela sociedade organizada.

 

NÃO BASTA SER HONESTO

A máxima extraída da história de que à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta, vale para os atores do mundo político. São muitos os administradores públicos que, agindo com princípios morais arraigados, ainda assim acabam constrangidos em processos de vários naipes. Isso porque, por falta de procedimentos que a lei impõe, podem aparecer equivocadamente aos olhos do controle como larápios, fraudadores e formadores de quadrilhas.

A questão não se resume, portanto, ao cenário dos ilícitos, das práticas conscientes de mau uso dos recursos públicos. O grande problema que se vislumbra diz respeito a gestores honestos, pessoas de boa índole, cidadãos vocacionados para bem servir. Sem orientação devida, entretanto, incorrem em situações que lhes expõem até a alma. Quando menos esperam, são vitimados por megaoperações da Polícia Federal; são afastados cautelarmente a pedido do Ministério Público; são denunciados em processos criminais; são acionados pelos Tribunais de Contas. Como consequências, podem ter o patrimônio declarado indisponível, as pretensões políticas fulminadas pela inelegibilidade; a honra dilacerada pela exposição na mídia em escandalosas notícias. Por trás dessa tragédia, geralmente estão as seguintes ocorrências: descumprimento de formalidades essenciais nas licitações, a falta de metodologia na fiscalização dos contratos e a imprecisa prestação de contas de convênios.

 

A IMPORTÂNCIA DA ASSESSORIA

Como medida de prevenção, os agentes políticos precisam cercar-se de assessoria verdadeiramente qualificada em matéria de direito e utilizá-la como fonte de consulta sobre a segurança jurídica das ações administrativas. E, sem preconceito, sem constrangimento, sem melindres, buscar em situações excepcionais pareceres, consultorias e auditorias externas. Ninguém é dono do saber absoluto. Logo, mesmo dispondo de quadros jurídicos próprios, podem surgir situações que justifiquem socorro externo. Isso acontece com grandes estruturas administrativas, até mesmo do Poder Judiciário, que não raramente contratam o apoio de especialistas. Os Municípios devem seguir o caminho da segurança e da modernidade.



[1] Fonte: Assessoria de Comunicação Social - Procuradoria da República no Ceará – 02.05.2013.

 

[2] Fonte: página oficial do tribunal: http://www.tcm.ce.gov.br/tre/

Assuntos: Administração pública, Assessoramento jurídico

Comentários

Fale com advogados agora


Compartilhe com seus amigos

Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+