Alta reprovação em exame da OAB é tema da entrevista da semana

18/07/2011. Enviado por

Entrevistamos o Dr. Marcos Guilherme Fantinato do escritório Mallet Advogados Associados que coloca sua opinião e questões relevantes ao tema.

 Meu Advogado:A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XIII, assegura o livre exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão. Diante desse preceito constitucional, o que o senhor entende a respeito da exigência do exame da ordem para o exercício da profissão da advocacia?

Dr. Marcos: A exigência da aprovação no Exame de Ordem, no atual ordenamento jurídico, é compatível com a parte final do próprio artigo 5º, inciso XIII, da Constituição – que restringe a liberdade de trabalho, ofício ou profissão, ao prever a necessidade de atendimento a “qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Mais ainda: está em sintonia com o artigo 22, XVI, da Constituição, que estabelece a competência privativa da União para legislar sobre “condições para o exercício das profissões”. 

No caso dos bacharéis de Direito, a lei federal que impõe tais qualificações e condições é o chamado Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994), cujo artigo 8º cria a necessidade de “aprovação em Exame de Ordem” para inscrição como advogado.

A obrigatoriedade do Exame de Ordem foi e é alvo de críticas – até mesmo por meio do ajuizamento de ações, estando o Supremo Tribunal Federal na incerta iminência de “pacificar a matéria, pouco importando em que sentido o faça” – como decidiu o Ministro Marco Aurélio, ao reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional.

  • Não se pode negar, entretanto, a necessidade de um exame para medir as habilidades, competências e conhecimentos jurídicos do bacharel. Trata-se de restrição à liberdade de advogar que se impõe para salvaguardar o interesse público. Tudo porque o advogado é indispensável à administração pública da justiça.

M.A: O nível de reprovação pode ser causado principalmente pelo grau de dificuldade do exame? Ou a deficiência maior está na qualidade do ensino nas faculdades?

Dr. Marcos: O grau de dificuldade das provas não pode ser considerado a principal causa para o alto índice de reprovação. Basta ver que o mais recente Exame de Ordem com resultados divulgados teve grau médio de dificuldade, inclusive na opinião dos próprios candidatos – como noticiado pela imprensa –, e quase 90% de reprovação.

  • Diminuir o grau de dificuldade do exame seria uma solução falsa para um problema verdadeiro: a baixa qualidade do ensino no país – e não apenas do ensino superior.

Em síntese, tanto maior será o índice de reprovação em exame aplicado ao estudante do ensino superior, seja ou não aluno de uma faculdade de Direito, quão menor for a qualidade da sua vida escolar durante os ensinos superior, médio e fundamental.

M.A:Em matéria ao Jornal da Globo, o presidente da OAB Dr. Ophir Cavalcante acredita que está ocorrendo um “estelionato educacional” ou seja, os cursos de Direito estão sendo aprovados sem o devido rigor e fiscalização do MEC. Qual a razão de tantos cursos deficientes?

Dr. Marcos: Em linhas gerais, a baixa qualidade dos cursos jurídicos está relacionada com a pouca qualidade da educação no Brasil. As notícias sobre a baixa qualidade dos cursos jurídicos dividem espaço, por exemplo, com o resultado do SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica, que em 2005 foi menor do que o resultado de 1995.

  • Daí o triste círculo vicioso: instituições de ensino que não ensinam muito e alunos que aprendem pouco.

M.A: A realização de estágios na área jurídica pode auxiliar o estudante de Direito na hora de se preparar e fazer a prova do exame da Ordem?

Dr. Marcos: É inegável que a realização de estágio profissional de advocacia – Lei nº 8.906/1994 – e mesmo de estágio comum – Lei nº 11.788/2008 – contribui para a ampliação dos conhecimentos jurídicos do estudante e, por conseguinte, pode facilitar a aprovação em exame que busca medir justamente os seus conhecimentos jurídicos básicos.

Ocorre, contudo, que o estágio não pode ser visto pelo estudante como um curso preparatório para o Exame de Ordem. As consequências positivas pela realização de estágio não serão medidas pela simples aprovação no exame. Elas darão frutos ao longo da vida profissional do estudante

  • Como adverte o Prof. Estêvão Mallet, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a importância da complementação dos estudos acadêmicos pela experiência prática, para a boa formação profissional, é evidente. Afinal, “não basta ciência sem experiência”, nas célebres palavras do Padre Vieira.

M.A: Qual a influência dos cursos preparatórios na taxa de aprovação ou reprovação do exame? Considerando a defasagem do ensino superior, os alunos poderiam considerá-los essenciais para serem aprovados?

Dr. Marcos: Não há, por ora, evidência clara da influência dos cursos preparatórios nos índices de aprovação no Exame da Ordem. O expressivo e atual aumento do número de alunos matriculados em cursos preparatórios e dos próprios cursos preparatórios – hoje eles são vários e nas mais diversas cidades brasileiras – não foi acompanhado por aumento do índice de aprovação no Exame da Ordem. Houve, ao que parece, uma influência do modelo de ensino dos cursos preparatórios sobre o modelo de ensino praticado por algumas instituições de ensino superior.

Daí ser cada vez mais comum o aluno do quinto ano do curso de Direito frequentar, na própria faculdade, aula voltada para a preparação ao Exame de Ordem, com resoluções de questões de provas anteriores, realização de simulados, etc.

M.A: Se houvesse um exame de “reciclagem” para advogados já formados, o senhor acredita que haveria um alto índice de reprova?

Dr. Marcos: É difícil prever, em tese, como seria o resultado de exame deste tipo. Na prática, porém, há a atuação da OAB no controle do exercício da advocacia e na punição da chamada inépcia profissional (artigo 34, XXIV, do seu Estatuto).

  • O Conselho Federal da entidade, aliás, já decidiu que a “Aprovação em Exame de Ordem não significa declaração, para sempre, de aptidão” (Processo nº 1.608/95/SC, DJU de 23.11.1995).

M.a: O que a OAB e o governo podem fazer para garantir uma melhor qualidade do ensino, e consequentemente formar profissionais mais preparados para o exercício da advocacia no País?

Dr. Marcos: A OAB possui justificado interesse na melhora da qualidade do ensino jurídico no país. Mas não lhe cabe, como objetivo institucional direto, garantir uma melhor qualidade dos cursos jurídicos. Contribuiu para isto, todavia, por exemplo, ao unificar o Exame de Ordem e permitir a comparação com os resultados do ENADE - Exame Nacional de Desempenho de Estudantes do Ministério da Educação, cujo objetivo é aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências.

Aliás, é a partir da análise conjunta dos dados do ENADE com os resultados do Exame de Ordem Unificado que a OAB pretende divulgar até o final de 2011 o chamado Selo OAB de qualidade de faculdades, segundo notícia divulgada no site do seu Conselho Federal na última sexta-feira (15.07.2011).

A criação, no âmbito do Ministério da Educação, da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) parece indicar um compromisso com a busca pela qualidade do ensino superior. Tanto que o primeiro despacho do secretário, publicado em 1º de junho de 2011, suspendeu 11 mil vagas de 136 cursos jurídicos com desempenho insatisfatório.

  • Enfim, é ao Governo Federal que cabe zelar para que a legislação educacional seja cumprida – caminho mais seguro para garantir a existência de melhores instituições de ensino, de professores e alunos bem preparados, de instalações e acervos adequados, etc.

 

Dr. Marcos Guilherme Cicarino Fantinato é formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sócio do escritório Mallet Advogados Associados com atuação especializada na área do Direito do Trabalho.

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