Penas privativas de liberdade - Esclarecimentos

27/08/2013. Enviado por

Trata-se de um esclarecimento ao público sobre as Penas Privativas de Liberdade, tal como previstas e aplicadas No Brasil, o que vem à lume como réplica à desinformação que a mídia sensacionalista preleciona sobre o tema.

DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

Esclarecimento público, replicando às informações da mídia leiga e sensacionalista.

 

1.1.         CONCEITO

“No fundo da China existe um Mandarim mais rico de que todos os reis que a Fábula ou História contam. Dele nada conheces nem o nome, nem o semblante, nem a sede de que se veste. Para que tu herdes os seus cardeais infindáveis, basta que toques esta campainha, posta ao teu lado, sobre um Livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver: e tu verás aos teus pés mais ouro do que sonhar a ambição de um avaro. Tu que me lês e és homem mortal, tocarás tu a campainha?” [1]

Eis o crime sem castigo a desafiar o aparelho repressor, tornando impossível a punição, se possível fosse a realização da circunstância criada pela genialidade de Eça de Queiroz. Bem sabemos que “sem a sanção do comportamento social desviado [delito], a convivência humana em uma sociedade tão complexa e altamente tecnificada como a sociedade moderna seria impossível”.

A Pena é a necessária expiação imposta pelo Estado àquele que materializa o tipo penal. Para Soler a “pena é uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através da ação penal, ao autor de uma infração, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico e cujo fim é evitar novos delitos”. [2]

Cuello Calón disse que a “pena é o sofrimento imposto pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado de infração criminal”. [3]

De Plácido e Silva entende a pena como “expiação ou castigo, estabelecido por lei, no intuito de prevenir ou de reprimir a prática de qualquer ato ou omissão de fato que atente contra a ordem social, o qual seja qualificado como crime ou contravenção”. [4]

Trabalhando apenas com o conceito é o quanto bastar dizer, a par de centenas de outras conceituações existentes as quais pouco ou nada acrescentariam, se aqui transcritas. Diferentemente ocorrerá com o enfrentamento dos fundamentos e fins da pena, segundo as teorias doutrinárias vigentes, matéria que abordaremos logo adiante, questão, aliás, diretamente ligada a  esta da conceituação.

 

1.2.         FUNDAMENTOS E FINALIDADE DA PENA

A discussão atinente aos fundamentos e finalidades da pena se faz através de quatro teorias, a saber: absoluta; relativa; mista  e da  prevenção geral positiva.

Kant é quem melhor expressa a teoria absoluta, uma vez que nele encontramos a ideia de negação da cidadania àquele que não cumpre a lei, cabendo ao soberano o dever de castigar severamente o infrator. Tal reflexão advém da ideia de que a lei penal é um imperativo categórico expressado pelo dever ser. Assim, indica o que deve ser omitido ou feito, para obtenção do resultado positivo; favorável; bom.

Para Kant, é bom aquilo que determina a vontade por meio de representações da razão, logo, não por razões subjetivas, mas objetivas, isto é, fundamentos válidos para todos os seres racionais.

Entende ainda que as ações, além de morais, carecem de um impulso legal, como elemento motivador, para obtenção de validade. Estabelece assim uma relação direta e íntima entre Direito e moral.

A partir da relação kantiana de que o Direito é o conjunto de condições segundo as quais o arbítrio de um pode consensar com o arbítrio de outro, chegamos ao seu princípio universal de Direito, citado por Bitencourt, de quem tomamos precisas lições para este estudo introdutório: “é justa toda ação que por si ou por sua máxima, não é Um obstáculo à conformidade da liberdade de arbítrio de todos com liberdade de cada um segundo leis universais”.

Segundo o entendimento de Kant sobre o direito de castigar, a pena não é aplicada como meio, seja intimidativo de criminosos em potencial, seja em benefício da sociedade, mas sim e tão somente como castigo ao criminoso. Isto Porque entende que o homem não pode ser utilizado como meio, mas sempre como vim. Equivale dizer que o direito [ou dever] de punir o crime, se amparado na busca de benefício social, estaria agredindo à ética, uma vez que o objetivo da pena é, exclusivamente, o de realizar a Justiça.

Para finalizar estas breves anotações sobre Kant, é importante referirmos seu pensar quanto ao grau e espécie de castigo a ser imposto pela Justiça. Neste particular, Kant pretende a aplicação da Lei de Talião, evidentemente que sob os olhos dos tribunais.

Hegel também pensou na direção e sentido da pena retributiva, havendo entendido que a Lei de Talião ou sua equivalente [jurisdicionada] seria o melhor conteúdo para a decisão quanto ao grau e espécie da pena. Acrescenta que a pena determina o restabelecimento da ordem quebrada.

Além de Kant e Hegel, outros pensadores e doutrinadores defenderam as teorias absolutas, entre eles Francesco Carrara; Binding; Welzel; Mesger; Maurach.

Essas teorias absolutas ou retributivas negam qualquer finalidade utilitária para a pena, entendendo que a sua aplicação visa tão somente a retribuição, ou seja, é apenas consequência da prática de ato ilícito.

Na outra extremidade, as teorias relativas  ou preventivas entendem um fim utilitário para a punição. Nesta linha de entendimento, a pena não vem apenas como consequência do delito, mas como uma necessidade social preventiva, punindo àquele que delinquiu ao tempo em que serve como fator de intimidação, de advertência, aos criminosos em potencial.

Dividem a função preventiva da pena em prevenção geral e prevenção especial.

A prevenção geral [Bentham; Beccaria; Filangieri; Schpenhauer e Feuerbach] postulam que o problema da criminalidade pode ser resolvido através do Direito Penal, assim pela ameaça ao indivíduo [cominação], com aplicação no momento oportuno, demonstrando que a cominação será efetivamente realizada, bastando que se faça necessário.

Desta forma, o homem racional se absteria da prática do delito ao identificar que o castigo teria um custo elevado em relação ao possível benefício obtido com tal ação ou omissão.

Essas teorias surgiram e firmaram-se no período de transição entre o Estado absolutista e o Estado liberal. O poder sobre o corpo vem substituído pela coação de natureza psicológica – segundo Bitencourt [op. cit.] – baseada nas ideias de intimidação ou da utilização do medo e na ponderação racional do Indivíduo.

Enquanto isso a teoria da prevenção especial [Marc Ancel; Von Lizt] caminhava para o entendimento de que a pena tem como finalidade evitar a prática de delitos intimidando ao delinquente apenas e não aos demais atores sociais.

Assim, a aplicação da pena segue a tese da ressocialização e da reeducação do delinquente, intimidando àqueles que não careçam de ressocializar-se e neutralizando os incorrigíveis.

Tais fatores nascem como resultado de fatores ligados à crise do Estado liberal, a partir da evolução da produção capitalista. A sociedade acima de tudo e todos. A necessária exclusão do delinquente, mesmo que se possa tentar a sua recuperação. Não havendo sucesso nesta tentativa, o indivíduo deverá ser condenado à pena perpétua ou à morte.

De toda evidência que o desenvolvimento da produção capitalista fez com que as elites dominantes buscassem uma forma de punir através do Estado, servidor que é do poder econômico.

A punição deveria possibilitar a defesa da nova ordem, uma vez que se tornava necessário o controle geral, através da retribuição e da prevenção, bem ainda pelo controle direto sobre os indivíduos [homens, mulheres e crianças] que viviam em estado de miserabilidade, explorados, roubados, pelo poder econômico.

As teorias mistas buscam o agrupamento dos fins da pena, o que fazem pela tentativa de obtenção de um conceito único para as finalidades apontadas pelas teorias absolutas e pelas relativas.

Entendem necessário, por primeiro, seja adotada uma teoria voltada à pluralidade funcional, estabelecendo então a diferenciação entre fundamento e fim da pena.

Aceitam como fundamento apenas o delito, postura que elimina a prevenção geral [intimidação] e a prevenção especial, posto que estas trabalham com aquilo que o delinquente Poderá ser ou realizar, caso não seja tratado preventivamente.

Essas teorias unificadoras trabalham com a ideia da retribuição e da culpabilidade, como elementos de limitação da sanção penal.

A ideia de justapor duas teorias, para chegar a uma terceira, tende ao fracasso, em razão das múltiplas contradições que afloram, sendo impossível conciliá-las, restando um vazio aonde haveria de existir uma teoria doutrinária.

A teoria da prevenção geral positiva sobreveio à insatisfação relativamente àquelas três outras já ventiladas neste capítulo. Apresenta-se subdividida em prevenção geral positiva fundamentadora e prevenção geral positiva limitadora.

Em defesa da prevenção geral positiva fundamentadora, Welzel parte de um postulado segundo o qual o Direito Penal tem como mais importante meta a realização ético-social.

Desta Forma, ao apenar, o Direito demonstra a existência; a validade; a vigência; de tais valores, restando robustecido o indivíduo e seu juízo ético-social.

Jacobs acredita que o Direito Penal tem o escopo de estabilizar e de Institucionalizar as vivências sociais, o que o leva a ser um orientador da conduta a ser mantidas pelo grupo social.

Materializada a conduta punível, prevista abstratamente pela norma penal, a forma existente para demonstrar que esta persiste não é outra que a sua implacável aplicação.

A teoria da prevenção geral positiva limitadora postula que a prevenção geral deve expressar-se como limitadora do poder Punitivo do Estado, ou seja, o Direito Penal deve comparecer como mais uma forma de controle social.

Deve a pena, então, trazer como finalidade a prevenção geral [intimidatória, limitadora], enfocando ainda a prevenção especial, no concernente à ressocialização do criminoso, que carece de um processo interativo – indivíduo-sociedade – com o agir do Estado dentro de limites que permitam a garantia dos direitos de todos.

Essas teorias todas são passíveis de críticas, o que, aliás, tem sido feito mesmo por uma questão dialética, levando à evolução do pensamento. Todavia, deixamos de apresentar aquelas que a nossa postura epistemológica faz presente, em face dos objetivos específicos deste trabalho estarem direcionados à explanação de natureza técnica, não axiológica.

 

1.3.         FUNDAMENTOS E FINALIDADES DA PENA,

SEGUNDO A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A legislação brasileira adota a teoria relativa ou preventiva, o que asseguramos com suporte no artigo 27 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de 1984 [Lei nº 7.209, de 11.07.1984], o qual diz assim: “As críticas que em todos os países se tem feito à pena privativa de liberdade fundamentam-se em fatos de crescente importância social, tais como o tipo de tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento dos delinquentes habituais e multirreincidentes, os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere a sevícia, corrupção, perda paulatina da aptidão para o trabalho”.

Na Exposição de Motivos ao Projeto de Lei nº 1.657/83, que resultou na Lei nº 7.210/84 – “Lei de Execução Penal”, dois artigos merecem destaque:

a)     O artigo 13, cuja íntegra assegura que “...o artigo primeiro [do projeto] contém duas ordens de finalidades, assim a correta efetivação dos mandamentos existentes na sentenças ou outras decisões, destinados a reprimir e prevenir os delitos e a oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social”;

b)    O artigo 14, que afirma não ser objetivo do Projeto questionar profundamente a grande temática das finalidades da pena, mas sim curvar-se a ao princípio de que as penas e medidas de segurança devem realizar a “proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à sociedade”.

Extraindo-se do Código Penal aquilo que parece necessário à identificação proposta temos: - “política criminal voltada à proteção da sociedade”; - o reconhecimento das críticas internacionais quanto ao “tratamento inadequado e pernicioso” bem como “à inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento dos delinquentes”.

A Lei de Execução Penal menciona seu objetivo de “reprimir e prevenir delitos” e promover a “oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos venham a ter participação construtiva na comunhão universal”. Ao final do artigo 14, a Exposição de Motivos diz adotar como finalidade para a pena “a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à sociedade”, o que vem grifado no Projeto, tamanha a importância dada a este enfoque.

De toda evidência, a legislação assim apresentada adota a teoria relativa, pois, embora reconheça que não pretende o enfrentamento da matéria que envolve o debate das finalidades da pena, enfatiza a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor do delito à sociedade.

A proteção dos bens jurídicos, realizada a partir da aplicação da pena, tem o caráter das teorias relativas, uma vez que advém da Prática do delito.

A reincorporação do apenado à sociedade tem função preventiva de ordens especial e geral.

É apenas isso que a Lei busca e a sua aplicações pretende. Nada mais...nem menos. Equivale dizer: - É simples assim!

 

[1] – EÇA de QUEIROZ, José Maria de. O Mandarim; Porto Alegre: Ed. Pradense, 2003.

[2] – SOLER, Sebastian. Derecho Penal. Buenos Aires: Fabris, 1976.

[3] – CUELLO CALÓN, Eugenio. Derecho Penal. Barcelona: 1935.

[4] – DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

[5] – MUÑOZ Conde. Derecho penal y control social. Jerez: Fundación Universitária de Jerez, 1981.

[6] - BITENCOURT, Cesar Roberto. Falência da pena de prisão, causas e alternativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

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