Interrupção de serviços essenciais - possibilidade

26/08/2012. Enviado por

Quando se trata de concessionários de serviços públicos, é lícito ao fornecedor interromper o serviço (de água ou energia, por exemplo) quando o usuário deixa de pagar o preço que é devido por esse fornecimento?

Ab initio, cumpre dizer que os serviços prestados por concessionários de serviços públicos, são particulares que receberam autorização para trabalhar nos mais diversos nichos de mercado, vale dizer: água, energia, telefonia e assim por diante, como reluz o art. 175[1] da Carta Magna de 1988, configurando assim conditio per quam do direito das concessionárias.

Cumpre dizer que quando o particular executa a atividade típica das concessionárias, o poder público o qual concedeu ou permitiu a sua executoriedade, não deixa de ser o titular do serviço, como bem assevera a lei nº. lei 8.987/95 que preza por eficiência, continuidade e prestação contínua.

Pois bem, um ponto importante que merece ser revelado é que em essência os serviços públicos alvo de permissionárias ou concessionárias, são serviços essenciais[2] de sorte que para se entender com perfeição o que é serviço essencial, ou pelo menos chegar a uma conclusão de que tipo de prestação de serviço é que deve-se ter em mente, invoca-se a lei nº 7.783/89, tendo como vértice o seu art. 10, que apresenta um rol não taxativo de atividades essenciais (serviço uti universi).

Cumpre ainda dizer que após a permissão ou concessão do poder público ao particular para que exerça os limites de seu contrato e em trazer constante mudança e melhoria àquele serviço, o particular detém o direito de explorar a atividade com fim lucrativo, ele então celebracontratos com os usuários daqueles serviços.

E assim, a esfera administrativa desempenhou o seu papel preliminar e então aplica-se um novo regime jurídico, vale dizer: o dos particulares, em um primeiro momento deveria-se utilizar o código civil de 2002, contudo, entendeu que seria mais apropriado a utilização de uma lei que regeria tal relação, ou seja, a dos permissionários ou concessionários e os seus usuários, então criou-se a lei nº 8.078/1990, conhecida como o código de defesa do consumidor.

Que saliente-se tem um escopo muito maior que regular apenas as relações de permissionários/concessionários e usuários, mas, para fins deste estudo assim a trataremos em um sentido mais restrito.

Ao optando por uma interpretação gramatical da lei nº 8.078/90[3] que em seu art. 22, imputa responsabilidade ao concessionário/permissionário e o seu art. 3, equipara essas empresas a categoria de fornecedor.

Muito bem, a lei nº 8.987/95, que instituiu o regime das concessões e permissões, afirma que na hipótese de inadimplemento por parte do usuário, não se descaracteriza como descontinuidade do serviço público.

Ademais, ao celebrar contratos entre o permissionário/concessionário com o usuário ele prevê a cláusula de que na hipótese de inadimplemento o serviço será suspenso/interrompido, portanto, passa-se então a falar dos princípios[4] do direito civil/consumeirista (pacta sunt servanda, boa-fé,...)

Assim, em um primeiro momento na hipótese de inadimplência por parte do usuário as empresas que executam o serviço público podem interromper a sua prestação de serviço, por terem praticado ato de exercício regular de um direito (art. 188, I do código civil).

Mas, em um segundo momento a atividade pública deve se ater aos princípios constitucionais, inclusive o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal) e tendo ainda como sustentáculo o art. 620 do CPC que a execução deve ser de forma menos gravosa ao executado o usuário inadimplente deve ser notificado previamente de sua inadimplência, este entendimento tem agido como se fosse um eco nos tribunais brasileiros que tem aplaudidamente realizado um exame contratual com enfoque na dignidade da pessoa humana, como bem assevera Cláudia Marques[5], senão, vejamos:

“O corte ou suspensão do serviço público essencial, face ao princípio da continuidade, frente ao consumidor-pessoa física, tendo em vista a sua ´dignidade´ como pessoa humana, só pode ser possível excepcionalmente e quando não é forma de cobrança ou constrangimento, porém sim reflexo de uma decisão judicial ou do fim não abusivo do vínculo”.

Ainda, é importante dizer que na hipótese de que um usuário que esteja inadimplente e tenha sido notificado previamente para que apresente defesa ou que pague o seu débito e não o faz, o corte do fornecimento da prestação de serviço, não é ilegal.

Contudo, o que importa seria o caso em concreto, analisando o conjunto probatório, pois, saliente-se tais concessionários ou permissionários podem ainda praticar atos abusivos e ilegais, passíveis de indenização.

CONCLUSÃO

Em apertada conclusão, o inadimplemento por parte do usuário final é passível de interrupção da prestação de serviço, desde que haja prévia comunicação ao devedor com fulcro no princípio da dignidade humana.

BIBLIOGRAFIA

OLIVEIRA, Juarez de. Comentários ao código de proteção ao consumidor. São Paulo. Ed. Saraiva. 2001.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. Ed. rev. atua. amp. São Paulo. Editora Método: 2004.

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

ROLIM, Luiz Antônio. Administração indireta, as concessionárias e permissionárias em juízo. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2010.


[1] ROLIM, Luiz Antônio. Administração indireta, as concessionárias e permissionárias em juízo. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2010.
[2] MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. A proteção dos usuários de serviços públicos: a perspectiva do
Direito do Consumidor. In: NUSDEO, Ana Maria de Oliveira; SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito
Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 239-240.
[3] OLIVEIRA, Juarez de. Comentários ao código de proteção ao consumidor. São Paulo. Ed. Saraiva. 2001.
[4] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. Ed. rev. atua. amp. São Paulo. Editora Método: 2004.

[5] MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 383.

Comentários ( Nota: 5 / 1 comentários )

Fale com advogados agora


Compartilhe com seus amigos

Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+