Crianças e adolescentes: quais direitos cabem a eles e como podemos colocá-los em prática?

14/04/2011. Enviado por

Entrevista realizada com o advogado Marcelo Lopes, especialista em Direitos Humanos.

Em razão de datas importantes como o Dia dos Jovens e Dia do Desarmamento Infantil entrevistamos o advogado especialista no assunto, Dr. Marcelo Lopes, para falar sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, seus direitos fundamentais e algumas Leis que envolvem o tema.

MeuAdvogado: Quem é considerado criança e adolescente perante o Estatuto da Criança e do Adolescente?

Dr. Marcelo Lopes: O ECA preceitua em seu Art. 2º que criança é a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade incompletos.

M.A: Quais são os direitos fundamentais das crianças e adolescentes?

Dr. Marcelo: A criança e o adolescente, além dos direitos fundamentais inerentes a qualquer ser humano estabelecidos nos Arts. 5º ao 17 da Constituição Federal Brasileira, lhes é auferido outros direitos fundamentais que são especiais pela sua própria condição de pessoas em desenvolvimento, no sentido de lhes garantir condições de liberdade e dignidade. Estes são os que encontramos no ECA.

Preliminarmente o art. 4.º do ECA determina que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária. Esse artigo torna-se quase uma reprodução literal do que encontramos na Constituição Federal do Brasil.

No Título II, a partir do Art. 7º do ECA encontramos, porém, os direitos fundamentais da criança e do adolescente de forma mais explícita, discorrendo sobre os seguintes temas:

  • Direito à vida e direito à saúde.

Por meio de políticas sociais públicas serão efetivados ações que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Sendo assim assegurado a gestante que ela tenha um acompanhamento pré-natal no SUS, determinando ainda, se possível, seja realizado o parto com o mesmo médico com o qual vinha recebendo o acompanhamento durante a gravidez.

É garantida também a alimentação do recém-nascido, determinando ainda que o Poder Público, os empregadores e as Instituições propiciem o aleitamento materno, inclusive nos casos em que as mães se encontram em instituições prisionais.

É garantida a criança e adolescente o atendimento integral à saúde no SUS, dando a estes acessos universal e igualitário a todos os serviços e ações que promovam a proteção e recuperação de saúde, devendo, ainda, a criança e adolescente portadores de necessidades especiais, receberem atendimento especializado.

  • Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade.

Quanto ao direito de liberdade, o Art. 16 do ECA especifica que está relacionado ao direito de locomoção, de expressão, de crença, de diversão, de participação da vida familiar, comunitária e política (nos termos da lei) e de refúgio.

  • O direito ao respeito

Conforme Art. 17 do ECA, abrange a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente. Para tanto se deve preservar a imagem, a identidade, a autonomia, os valores, as ideias e as crenças, os espaços e os objetos pessoais.

A fim de garantir a sua dignidade, o Art. 18 do ECA determina que a criança e o adolescentes devem estar protegidos de todo e qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório e constrangedor.

Por isso, com base no direito ao respeito e à dignidade é que existe a preocupação clara do Estatuto quanto ao sigilo dos processos, principalmente processos de apuração de atos infracionais, além disso, há no Estatuto crimes específicos em caso de violação desses direitos, visando dessa forma impedir ou, ao menos, coibir que esses direitos sejam violados.

  • Direito à convivência familiar e comunitária

A convivência familiar é a base para a garantia de todos os outros direitos fundamentais, haja vista ser um ambiente firmado no afeto, possibilitando que a criança e o adolescente tenha pleno desenvolvimento físico, psíquico e emocional, sendo, portanto, a família substituta ou os abrigos, situações excepcionais para onde elas devam ser encaminhadas.

  • Direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer

O Art. 53 do ECA ao especificar o direito à educação, busca promover o desenvolvimento da criança e do adolescente a fim de prepará-lo para o exercício da cidadania e futuramente inserí-lo no campo de trabalho. Vemos, portanto, esse direito como um fator de transformação social ao prepará-los para o convívio da sociedade de forma igualitária, evitando dessa forma qualquer tipo de exclusão social.

 Os Poderes Públicos, neste sentido, tem o dever de proporcionar o acesso ao ensino obrigatório, sendo este gratuito, cabendo aos pais o dever de matriculá-los, tendo como suporte o acompanhamento de professores e a supervisão dos Conselhos Tutelares que serão acionados em caso de faltas injustificadas, evasão escolar, altos níveis de repetências ou casos de maus tratos.

É garantida a criação e acesso às fontes de cultura, respeitando os valores históricos e culturais de cada criança e adolescente dentro do seu contexto social, proporcionando-lhe total liberdade para explorá-los, sendo ainda incentivada a participação nas atividades de esporte e lazer as quais contribuem para o aprimoramento do potencial de cada criança e adolescente e favorecem no desenvolvimento do relacionamento social.

  • Direito à profissionalização e à proteção ao trabalho

A Lei 8.069/90 (ECA) proíbe a menores de 14 anos de idade o trabalho, salvo na condição de aprendiz. Entretanto, deverá ser entendido o artigo 60 do ECA como “proibição dos menores de 16 anos ao trabalho”, por força da Emenda Constitucional nº 20, que alterou o artigo 7, XXXIII da Constituição Federal, proibindo qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, à partir dos 14 anos, pela razão de que a norma constitucional prevalece sobre as leis infra-constitucionais. O artigo 60 da Lei 8.069/90 não foi recepcionado pela Emenda Constitucional nº 20.

Cabe destacar o trabalho de crianças menores de 14 anos nos programas televisivos e espetáculos públicos. Essa exceção a Lei é prevista com base no inciso II, do art. 149 do ECA, onde a autoridade judiciária, por meio de alvará tem autorizado essa participação. Ressaltando-se que apesar de ser uma prática normal, essa exceção é um assunto polêmico no meio jurídico.

M.A: Conforme dispõe o art. 5º do ECA“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. Nos casos de exploração infantil, de que maneira a lei irá punir estas pessoas?

Dr. Marcelo: A exploração infantil, semelhante a outros crimes cometidos contra crianças e adolescentes sempre terão agravantes conforme estabelecidos no Código Penal e no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo como punição penas de reclusão, detenção e multa. Cabe, portanto, destacar os tipos de exploração infantil alencados abaixo:

Trabalho infantil escravo - Reduzir o trabalhador à condição análoga à de escravo, por meio de trabalhos forçados, jornada exaustiva ou condições degradantes de trabalho (artigo 149 do Código Penal), com a agravante de se tratar de criança ou adolescente (§ 2º, item I) aumentando-se  a pena em uma metade;

Maus-tratos (artigo 136 do Código Pena) crime aplicável a menores – Expor a perigo a vida ou a saúde de criança ou adolescente, sob sua autoridade, guarda ou vigilância, sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado. Se a pessoa for menor de 14 anos, há ainda a agravante do § 3º, introduzida pelo Art. 263 do ECA (lei 8.069/90), que aumenta a pena em mais um terço.

Exploração da prostituição de menores – A exploração da prostituição infantil, considerada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) como uma das piores formas de trabalho infantil, é crime previsto no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Pornografia de menores - Crime previsto nos artigos 240 e 241 do ECA.

Venda ou tráfico de menores - Constitui crime previsto no artigo 239 do ECA.

M.A: De que forma a lei pune as infrações cometidas por um menor de idade?

Dr. Marcelo: Quando o ato infracional for cometido por criança (até 12 anos) serão aplicadas as medidas elencadas no Art. 101 do ECA:

I – encaminhamento aos pais ou responsáveis;

II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III – matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento de ensino;

IV – Inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família;

V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico;

VI – inclusão em programa oficial ou comunitário para tratamento de alcoólatra ou toxicômanos;

VII – acolhimento institucional; e

VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar;

IX – colocação em família substituta.

As medidas empregadas pelas autoridades quando verificada a prática do ato infracional são descritas no ECA, em seu Art. 112:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviço à Comunidade;

IV – liberdade Assistida;

V – inserção em regime de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

M.A: O que o cidadão deve fazer ao ver uma criança pedindo esmolas na rua?

Dr. Marcelo: Quanto ao cidadão, uma resposta direta que eu tenho, é a de que NÃO DÊEM DINHEIRO, pois esta ação, por mais benevolente que pareça, estará incentivando essa prática, a qual tem exposto essas crianças e adolescentes a diversos riscos sociais.

Porém, a solução para essa problemática não deve estar restrita somente ao cidadão, mas sim ser compartilhada entre a família, Estado e sociedade, onde todos são corresponsáveis. Quanto ao poder público, este deve criar estratégias de inibição com campanhas educativas e com o acionamento das Guardas Municipais para coibirem diretamente essa prática, contactando ainda as famílias dessas crianças, a fim de alertá-los não só quando ao perigo que seus filhos estão expostos quando da mendicância nas ruas, como também sobre as punições estabelecida no ECA em relação aos adultos que não só permitem, mas também auxiliam a criança e o adolescentes nesta prática, acompanhando-os ou estimulando-os.

M.A: Como a senhor avalia a questão do projeto de Lei “Lei da Palmada”?    

Dr. Marcelo: O Projeto de Lei nº 2654 /2003, da Deputada Maria do Rosário, causador de grande polêmica entre pais e educadores, vai além da sua essência legal, passando pela esfera dos profissionais que lidam com o comportamento humano. Segundo a minha visão, sendo eu também terapeuta de família e casal, o objetivo da lei não vai ser alcançado, ou seja, não evitará, nem “convencerá” que os pais/responsáveis venham a utilizar a “palmada” como forma de educar àqueles que estão sob os seus cuidados.

A questão, porém, é muito mais profunda, pois alcança as tradições familiares de que “uma palmadinha” não faz mal e quando bem empregada é muito útil para fazer com que seus filhos tenham respeito.

Eu particularmente fui criado sob está “prática educativa” e por experiência própria eu não acredito que havia “respeito”, mas sim MEDO. Esse tipo de respeito que os defensores da “palmadinha” pregam é o mesmo “respeito” que eu teria por um marginal que colocasse uma arma na minha cabeça.

Em minha família, na qual sou pai de 3 crianças, optamos pelo diálogo e disciplinas pontuais. Todas às vezes que se bate o emocional está abalado e dessa forma não há de se dizer que é uma “palmadinha” com controle. A palmada tem sido utilizada, com raríssimas exceções, nos momentos em que os pais encontram-se estressados com situações diversas e que não tem tempo para terem uma conversa racional com seus filhos, optando assim pela forma mais prática de resolver o conflito, ou seja, a violência.

M.A: O que são os Conselhos Tutelares e quais suas funções?

Dr. Marcelo: O Art. 131 do ECA define o Conselho Tutelar como sendo um órgão PERMANENTE, (sendo uma vez criado não pode ser extinto),  AUTÔNOMO (possui autonomia em suas decisões, não recebendo interferência externa), NÃO JURISDICIONAL (não julga e não faz parte do judiciário e não aplica medidas judiciais), sendo encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

Resumindo, o Conselho Tutelar é um órgão estabelecido para a garantia de direitos da criança e do adolescente.

Suas funções encontram-se no Art. 136, incisos I ao XI, que compreendem:

I- atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 (direitos do ECA ameaçados) e 105 (prática de ato infracional), aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;

II- atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII;

III- promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:

a) - requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;
b) - representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações;

IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;

VII - expedir notificações;

VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;

IX - assessorar o Poder Público local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;

X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, parágrafo, 3º, inciso II da Constituição Federal;

XI - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder.

M.A: O que determina a Lei do Aprendiz?

Dr. Marcelo: A Lei do Aprendiz (Lei nº 10.097) foi aprovada no ano de 2000 e regulamentada pela Lei nº 11.180 no ano de 2005, onde determina que toda empresa de grande e médio porte deve ter de 5% a 15% de aprendizes, tendo como base o número de empregados da empresa. Os aprendizes são jovens de 14 a 24 anos que devem continuar na escola e em um curso de formação profissional. Sendo estabelecidas regras para que a duração do trabalho do aprendiz não prejudique a frequência escolar, sendo vedada inclusive a prorrogação ou a compensação de jornada.

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