Capacidade Civil (Parte II)

04/09/2013. Enviado por

estudo dos atos que podem ser praticados por incapazes nos cartorios extrajudiciais

Possibilidade de realização de atos cartorários por incapazes

Em continuidade ao estudo iniciado na edição anterior de nossa Revista, a respeito da capacidade civil, cujo tema versou, principalmente, sobre os artigos 3º e 4º do Código Civil, retomaremos o assunto com ênfase nos atos passíveis de serem praticados nas serventias extrajudiciais por pessoa que ainda não tenha atingido a capacidade civil plena.

Iniciamos, então, pela declaração do pai, menor, que pretende levar a registro o nascimento de seu filho. Apesar de omisso na Lei 6.015/73, o pai relativamente incapaz (entre dezesseis e dezoito anos) poderá reconhecer a paternidade de seu filho independente de assistência. Aliás, se o menor, com dezesseis anos tem capacidade para testar, aí incluído o reconhecimento testamentário de filho, também o poderá fazer pelas vias normais. Neste mesmo sentido se posicionou o Conselho Nacional de Justiça – CNJ -, ao dispor no §4º do artigo 6º do Provimento 16: “O reconhecimento de filho por pessoa relativamente incapaz independerá de assistência de seus pais, tutor ou curador”.

No entanto, o menor impúbere, ou seja, aquele com menos de dezesseis anos, estará impossibilitado de fazer a declaração ou reconhecimento, salvo se casado for com a mãe, uma vez que tal declaração é um ato de cunho personalíssimo, não podendo sequer ser suprido pela declaração dos pais ou responsáveis. Neste caso, a paternidade somente poderá ser estabelecida por meio da competente ação, nos moldes da Lei 8.560/92 – que regula a paternidade de filhos havidos fora do casamento.

Assim também é o que prescreve o Código de Normas da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo: “Art. 951. O reconhecimento espontâneo da paternidade pelo relativamente incapaz poderá ser feito por ocasião do registro de seu filho, independentemente da assistência de seus responsáveis. O absolutamente incapaz somente poderá fazê-lo por determinação judicial”.

O assento de óbito, por seu turno, somente poderá ter como declarante pessoa capaz, isto porque há disposição expressa na Lei 6.015/73, ao tratar, em seu artigo 79[1], 3º que “são obrigados a fazer a declaração de óbito (na falta dos demais obrigados) o parente mais próximo maior e presente”. Assim também ensina Walter Ceneviva:

“Não é de melhor técnica a referência a pessoa competente do inciso 5º. Entende-se pessoa capaz

Por sua vez o casamento tem sua regulamentação etária dada pelo Código Civil, que estabelece a idade núbil aos 16 anos, tanto para o homem quanto para mulher, exigindo-se, no entanto, autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.

Excepcionalmente, nos termos do artigo 1.520[2] do Código Civil, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (16 anos) somente em caso de gravidez. Nesta hipótese não basta a simples anuência dos pais ou responsáveis, devendo os interessados buscar em juízo a autorização para a celebração do casamento. Por se tratar de suprimento judicial incorrerão os nubentes na hipótese descrita no artigo 1.641, III do Código Civil, o qual prescreve a adoção obrigatória do regime da Separação Legal de Bens, sendo, portanto, dispensável o pacto antenupcial, já que o regime decorre de imposição absoluta da lei.

O procedimento judicial para obtenção do suprimento de idade será de jurisdição voluntária[3] (art. 1.103 e 1.112 do Código de Processo Civil) e se processa nos termos do artigo 68 da Lei dos Registros Públicos, oportunidade em que o interessado deduzirá sua intenção perante o juiz, justificará os fatos necessários à habilitação, apresentando testemunhas e os documentos que comprovem as alegações. Proferido o julgamento, os autos da justificação serão encaminhados ao Cartório de Registro Civil para serem anexados à Habilitação.

É também no Cartório de Registro Civil que poderá ser feita o reconhecimento voluntário de paternidade regulada pelo Provimento 16 do CNJ, cujo reconhecimento é passível de ser feito pelo maior de dezesseis anos. Neste caso e de maneira excepcional, o ato do relativamente incapaz não necessitará de consentimento de seus pais.

Em relação aos atos notariais o absolutamente incapaz está impedido de os praticar, sem a devida representação, salvo apresentação de documento para autenticação. Aos relativamente incapazes, no entanto, é assegurada a prática de alguns atos, com as ressalvas da lei.

No caso do reconhecimento de firma será possível desde que haja anotado em sua ficha padrão sua condição relativa de incapacidade, além da assinatura dos pais ou responsáveis. O Código de Normas do Estado do Espírito Santo faz expressa menção ao ato em seu artigo 694: “No caso de menor relativamente incapaz, será anotada na ficha padrão a menoridade civil e colhida a assinatura dos pais ou responsáveis”.

Na lavratura de escrituras públicas, deve o tabelião de notas observar os requisitos legais que são exigidos para cada ato específico que realiza para aferir com precisão se é possível a participação de incapazes. Impende destacar que o Código Civil considera nulo o negócio jurídico realizado por absolutamente capaz (art. 166, I) e anulável aquele realizado por relativamente capaz (art. 171, I). É de fundamental importância a observação da devida assistência dos pais ou responsáveis neste tipo de negócio jurídico.

A procuração pública outorgada por relativamente incapaz tem regulamentação dada pelo artigo 666[4] do Código Civil, o qual expressamente permite a prática do ato, com ressalva apenas no que toca às responsabilidades entre mandante e mandatário. O mandato outorgado por instrumento particular não goza da mesma regra, sendo, portanto, vedada sua prática por incapaz desassistido. Neste caso, quem realiza o mandato é seu representante legal, por isso pode optar pela procuração particular, desde que a forma pública não seja exigida para a prática do ato que se deseja ser representado.

Quanto ao testamento público, apesar de ser um dos atos mais solenes do ordenamento jurídico, a capacidade para testar se inicia aos 16 (dezesseis) anos, por expressa previsão do §1º do artigo 1.860 do Código Civil. O caput do dispositivo em comento, no entanto, estabelece que os “incapazes” não poderão testar, sem fazer qualquer ressalva se absolutamente ou relativamente incapazes. Deste modo, mesmo o relativamente incapaz, como é o caso de ébrio habitual, do viciado em drogas e dos que, por deficiência mental, têm o discernimento reduzido, não podem testar. Nesta proibição inclui-se também o pródigo, mesmo que o testamento não figure no rol dos atos que não pode praticar sem assistência de seu curador.

Apesar de não figurar no rol da incapacidade dos artigos 4º e 5º do Código Civil, a pessoa cega somente poderá fazer testamento em sua forma pública, conforme dispõe o artigo 1.867 do Código Civil, sendo adotado o mesmo procedimento dos demais, com ressalva da dupla leitura em voz alta ao testador sem visão.

Estes são os principais atos em que a capacidade do interessado gera consequências diretas na realização do negócio a que se pretende. Tanto o tabelião como o registrador deverão se atentar às espécies de incapacidade, aferindo em todos os atos que praticar em sua serventia se é ou não possível sua realização por aquele que ainda não atingiu a plena capacidade.

 

Autor: Bruno Bittencourt Bittencourt

 

Fonte:

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2011.

NERY JUNIOR, Nelson. Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3 ed. Revista dos Tribunais. São Paulo : 2005.

CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada / Walter Ceneviva. – 20. Ed. – São Paulo : Saraiva, 2010.

 



[1]Art. 79. São obrigados a fazer declaração de óbitos: 1°) o chefe de família, a respeito de sua mulher, filhos, hóspedes, agregados e fâmulos; 2º) a viúva, a respeito de seu marido, e de cada uma das pessoas indicadas no número antecedente; 3°) o filho, a respeito do pai ou da mãe; o irmão, a respeito dos irmãos e demais pessoas de casa, indicadas no nº 1; o parente mais próximo maior e presente; 4º) o administrador, diretor ou gerente de qualquer estabelecimento público ou particular, a respeito dos que nele faleceram, salvo se estiver presente algum parente em grau acima indicado; 5º) na falta de pessoa competente, nos termos dos números anteriores, a que tiver assistido aos últimos momentos do finado, o médico, o sacerdote ou vizinho que do falecimento tiver notícia; 6°) a autoridade policial, a respeito de pessoas encontradas mortas. Parágrafo único. A declaração poderá ser feita por meio de preposto, autorizando-o o declarante em escrito, de que constem os elementos necessários ao assento de óbito.

[2] Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.

Com o advento da Lei 11.106/2005, que alterou os incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal, o casamento não mais causa de extinção de punibilidade, razão pela qual o casamento com intuito de evitar cumprimento de pena criminal não mais se aplica. Apesar da redação do Código Civil continuar a mesma, o primeira parte do artigo 1.520 é inaplicável no mundo jurídico, permitindo-se tão somente o casamento do menor de 16 anos em caso de gravidez. (Fonte: http://jus.com.br/artigos/7521/os-reflexos-das-mudancas-do-codigo-penal-no-direito-de-familia)

[3] Jurisdição voluntária é o procedimento judicial que não tem por fim solucionar um conflito de interesses, não há lide, sendo que a tutela jurisdicional do Estado não tem caráter substitutivo, mas sim homologatória da vontade das partes. Exemplo clássico é o divórcio judicial consensual.

[4] Art. 666. O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores.

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