O Brasil e a Justiça contra o preconceito

26/09/2011. Enviado por

Em entrevista da semana, convidamos especialistas para debater sobre leis, direitos e atitudes que previnem e punem o preconceito no Brasil

Para debater a eficácia de leis e incentivos contra o preconceito no Brasil, entrevistamos Dr. Luis Fernando Valladão e Dr. Jair Jaloreto

MeuAdvogado: Quais são as situações onde não é caracterizado preconceito?

Dr. Luiz Fernando Valladão: Para responder a esta pergunta, acho necessário lembrarmos o que é preconceito. Preconceito é um conceito pré-formado a respeito de determinado assunto, sem ter conhecimento dele, o que gera discriminação e violência. Mas se você tem uma opinião formada sobre determinado assunto e é contra, isto não é preconceito. É liberdade de opinião e de expressão, direito garantido constitucionalmente em nosso país e universalmente pela Declaração dos Direitos Humanos. A pessoa que não concorda com as práticas homossexuais, por exemplo, não pode ser tachada de homofóbica, sob pena de estar, ela sim, sofrendo uma discriminação. Tudo na vida tem seu contrário. O problema está em impor ao outro esta opinião, principalmente usando de violência.

M.A:  A respeito da LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989. Há diversas alterações. Quais são as mais significativas nos dias atuais?

Dr. Luiz Fernando: As alterações sofridas no texto da Lei 7716/1989 se deram em 1997 pela Lei 9.459 e em 2010 pela Lei 12.288.

Foi modificado o artigo 1º, ampliando o escopo de proteção que no texto original se restringia ao preconceito de raça e cor e passou a alcançar a etnia, a religião e a procedência nacional. Também acrescentou agravante aos crimes daí resultantes, majorando a pena de um a três anos para dois a cinco, nos casos em que a discriminação ou preconceito for cometido utilizando-semeios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, sendo previsto, inclusive, a interdição das mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.

M.A:  Qual providencia deve tomar a pessoa que sofreu discriminação? Onde ela deve ir? O que ela deve fazer?

Dr. Luiz Fernando: Só quem já sofreu uma discriminação sabe o quanto é doloroso este desrespeito. Nada pode pagar a humilhação sofrida.

  • Mas é necessário manter a calma nessa hora.O melhor a fazer no momento é procurar tomar nota, ainda que mentalmente, de todos os detalhes que  desencadearam a atitude preconceituosa do outro. Caso seja possível, é muito importante anotar dados do ofensor e de testemunhas do fato, assim como do local onde se deu a ocorrência.

Dependendo do tipo de discriminação, são importantes também documentos como nota fiscal, anúncio, propaganda, fotos e reportagens, que podem ser muito úteis na hora da denúncia. Assim, munido do maior número de informações possíveis, o ofendido deve procurar a Delegacia de Polícia mais próxima ao local onde ocorreu a discriminação ou de sua residência para pedir que se faça um boletim de ocorrência. Com a cópia deste boletim, o ofendido deve procurar um advogado ou a Defensoria Pública, se for caso, para propositura das medidas judiciais cabíveis.

M.A:  Como funciona indenização para vítima de preconceito? Existem diferenças quanto ao “grau” de discriminação?

Dr. Jair Jaloreto:O ofendido poderá intentar Ação Civil Ex Delicto, quando transitada em julgado a sentença condenatória, cujo fim é a indenização no âmbito cível conforme dispõe o artigo 63 do Código de Processo Penal.

Dr. Luiz Fernando: No âmbito cível, a vítima de preconceito ingressa com uma ação ordinária de indenização por danos morais. Ou seja, não há uma ação específica para vítimas de preconceito. Portanto, o quantum indenizatório do dano moral será fixado, independente da natureza da lesão sofrida, após análise do caso concreto, levando-se em conta, em sua determinação, as condições sociais e econômicas do ofendido e do ofensor, o grau de culpa ou a intensidade do elemento volitivo, assim como a reincidência. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, o valor arbitrado “não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva”. O que se deve considerar, realmente, são os princípios da equidade, da razoabilidade e, principalmente, o bom senso do julgador.

M.A:  De que forma o pagamento de fiança pode fazer com que o “crime” fique impune?

Dr. Jair: De acordo com a Carta Magna, em seu artigo 5°, inciso XLII, o crime de racismo é inafiançável, enquanto que do crime de injúria racial cabe fiança, podendo o investigado aguardar o julgamento em liberdade. Isso não significa absolutamente absolvição/impunidade. O ofensor pode ser condenado ao final, após exercer o seu direito de se defender em liberdade.

Dr. Luiz Fernando:  O crime de racismo é inafiançável. Entretanto, há muitos casos em que o crime de racismo é desqualificado para injúria (art. 140 CP) ou lesão corporal (art. 129 CP), e o agressor pode, mediante pagamento de fiança, se ver livre, ficando assim impune.

Fato concreto que ilustra tal situação aconteceu em Ribeirão Preto (12/12/2009), interior de São Paulo. Um trabalhador negro, de 55 anos, foi violentamente agredido por três estudantes de medicina.

  • Enquanto o atingiam os agressores gritavam: “ô seu negro, toma seu negro” e davam gargalhadas com a queda e sofrimento do atingido.

O fato foi testemunhado por três pessoas que conseguiram deter os agressores e, corretamente, chamaram a policia. Presos em flagrante, os três pretensos futuros médicos foram levados à delegacia e foi lavrado o flagrante por crime de racismo (inafiançável e imprescritível). Entretanto, os agressores foram soltos após pagamento de fiança, porque a justiça acatou os argumentos dos advogados dos agressores e desqualificou o crime de racismo para lesão corporal e injúria.

M.A: Como agir quando o preconceito for de crença religiosa?  E em relação ao homossexual?

 Dr. Jair: O Estatuo da Igualdade Racial (Lei n° 12.288/10) impõe a liberdade religiosa como garantia e direito de todos, em seu Capítulo III (Do Direito à Liberdade de Consciência e de Crença e ao Livre Exercício dos Cultos Religiosos). Diante disso, qualquer preconceito contra crença religiosa deve ser combatido com as medidas cabíveis a todas as outras formas de preconceito acima delineadas. Todavia, tal conduta não é criminalizada. 

M.A:   Caso seja comprovado que não houve caracterização de discriminação, é possível entrar com recursos na justiça? Como?

Dr. Jair: Uma vez provado que não houve discriminação, poderá o acusado injustamente intentar com uma ação de denunciação caluniosa, prevista o artigo 339 do CP, quando houver dolo direto do ofendido, que sabia da inocência do acusado. Podendo, também ingressar com pedido de indenização por danos morais na esfera cível.

M.A: É possível retirar a queixa feita contra alguém na delegacia por preconceito? Como agir se a acusação não for verdadeira?

Dr. Luiz Fernando: A queixa feita na delegacia, chamada também de notícia crime, pode ser retirada a qualquer momento, independente de sua natureza.

Se a acusação não for verdadeira e o delator tiver agido com ciência disto, há, a princípio, o crime de denunciação caluniosa (art. 339 CP), além de o delator poder responder a ação de indenização no âmbito cível.

M.A:   Dr. Otavio Brito Lopes, Subprocurador-Geral do Trabalho coloca em seu artigo,  A Questão da Discriminação  no Trabalho uma questão: negros e mulheres têm o acesso dificultado a certos trabalhos que impliquem contato com o público, tais como caixa de banco, garçom, garçonete, relações públicas. Como lidar com essas situações? Quais são as punições que a empresa pode sofrer?

Dr. Jair: A lei 7.716/89 trás em seu artigo 4º especificamente nos casos em que haja negação ou impedimento de emprego em empresa privada, sujeitando o ofensor a pena de reclusão de dois a cinco anos.

O § 1º trás um agravante, que é a pena de multa e prestação de serviços à comunidade, de quem exigir aspectos específicos de aparência, para atividades que não tenham essa necessidade.

Devemos salientar que a Constituição Federal no artigo 5º, I dispõe que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição”, e também trás o Princípio da Isonomia que nós ensina que “os iguais devem ser tratos iguais e os desiguais, desigualmente na medida de sua desigualdade”, ou seja, existem situações onde pode parecer que existe preconceito ou descriminação por conta do sexo, mas na realidade são pré-requisitos para o emprego, como por exemplo no caso de concurso para carcereiro de prisão masculina, onde só serão aceitas inscrições de homens; aqui não se caracteriza descriminação por conta do sexo, mas sim uma necessidade embutida na função.

Dr. Luis Fernando: No âmbito do Direito do Trabalho, as Leis 9.029, de 13 de abril de 1995 e 9.799, de 26 de maio de 1999, vieram acentuar o combate às práticas discriminatórias contra a mulher trabalhadora.

Percebe-se, pois, uma busca constante da proibição de todas as formas e práticas discriminatórias em que pese as enormes dificuldades de implementação prática das medidas de combate previstas na legislação nacional. Por isso, o alcance dessas metas estabelecidas pela legislação ainda está bastante longe, pois continuam a persistir muitas lacunas na própria legislação nacional, especialmente no que se refere à discriminação contra as mulheres, os adolescentes, as pessoas portadores do HIV, os homossexuais e ou outros grupos socialmente vulneráveis.

M.A: Colocando em questão o estudo desenvolvido em trabalho da Unesco Educação Anti-Racista: Caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03 é possível afirmar que uma educação baseada em respeito e compreensão de diferentes raças é uma medida a longo prazo no Brasil?

Dr. Jair: Uma melhor educação é a garantia de uma melhor sociedade e de melhores cidadãos.

  • A educação é protegida e assegurada nos termos da Constituição Federal, a mesma que dispõe ser inafiançável o crime de racismo; se desde cedo houvesse uma educação consciente, voltada a uma perspectiva de respeito e tolerância as diferença, certamente esse tipo de conduta não necessitaria ser criminalizada, tal tipo penal seria revogado pelo costume da tolerância e da paz.

Mas é necessário salientar também que, a considerar a cultura nacional e a infeliz realidade de racismo e intolerância no Brasil, criminalizar a conduta ajuda a combatê-la, pois, com a certeza de que haverá uma reprimenda criminal por parte do Estado, há um maior cuidado por parte dos cidadãos com seu agir, falar e pensar.

Dr. Luiz Fernando: A eficácia das medidas judiciais aqui já referidas não é forte o suficiente para eliminar o racismo entre nós.

O tema exige mudança cultural e espiritual, o que deve ser trabalhado por meio de políticas de governo e ações familiares.A somatória desses esforços – envolvimento político, familiar e ações judiciais – pode, aí sim, resultar em algo mais efetivo quanto ao extermínio do racismo.

Entretanto, devido ao histórico do nosso país, que foi, inclusive, o último Estado a abolir a escravatura, acredita-se que temos um longo caminho pela frente até chegarmos ao nível ideal de tolerância.

Dr. Luiz Fernando Valladão sócio fundador do escritório Advocacia Luiz Fernando Valladão Nogueira, presidente da Associação dos Procuradores Municipais de Belo Horizonte (APROMBH) e candidato a presidente nas últimas eleições da OAB/MG

Dr. Jair Jaloreto  Especialista em Direito Penal Empresarial pela FGV- EDESP

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