As políticas públicas judiciais: a nova interface promovida pelo Conselho Nacional de Justiça

29/08/2013. Enviado por

O artigo em tela discute um novo enfoque de um antigo objeto, isto é, a busca pela resolução dos conflitos por meios alternativos antes deles se tornarem judicializados.

1 INTRODUÇÃO

Com o surgimento de novas classes sociais em razão de uma evolução econômica e social da população brasileira e principalmente o avanço na disseminação das novas tecnologias, tornando cada fez mais fácil o acesso do cidadão as novas informações, bem como o surgimento de novas práticas de comércio e consumo, concebe-se a essa nova realidade social a aproximação do povo ao esclarecimento de seus direitos, que embora positivados, não os detinham conhecimento, o que dificultava lutar pelos seus anseios.

Posto isto, percebe-se que, ao ter seus direitos desrespeitados, o cidadão provoca o judiciário, como um ente capaz e competente de promover a solução de conflitos, situação esta que vem deixando-o de forma sobrecarregada.

O Conselho Nacional de Justiça elaborou a resolução n. 125, de 29 de Novembro de 2010, cujo intuito foi o de incentivar os Tribunais de Justiça de todo o país à resolução de conflitos de interesses por meio de medidas alternativas, tais como a conciliação e a mediação. Essa medida vem confrontar a cultura enraizada na sociedade brasileira de que, ao provocar o judiciário, deve-se ter respostas por meio da adjudicação de sentença, também denominada de cultura da sentença.

A Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse no Âmbito do Poder Judiciário deve promover, entre outras políticas, a solução de conflitos através de conciliação e mediação. Cada Tribunal, de acordo com o que preceitua a resolução 125, de 29/11/2010, deve criar núcleos, ou mesmo centros para compor o ambiente necessário e cabível, nos quais os litigantes possam conciliar seus conflitos de forma pacifica.

Cabe pontuar que as políticas do CNJ também possuem o intuito de firmar parcerias com entidades públicas e privadas que tendem a assegurar o direito e a solução dos conflitos através dos meios consensuais. Assim, é importante que os órgãos judiciários implementem ainda mais essas políticas, que também tratam de orientações aos cidadãos, até mesmo pelo fato da massificação, como por exemplo, a semana da conciliação, fato esse já presenciado e vivido no Estado do Rio Grande do Norte mensalmente.

Dessa forma, acredita-se que o incentivo do CNJ não busca apenas a efetivação por parte do poder judicial em responder aos anseios sociais, mas também acompanhar as políticas promovidas por cada Tribunal, elaborando relatórios e atualizando o desempenho de cada um deles em relação à sua eficácia e eficiência.

No entanto, cabe indagar sobre as seguintes questões: o cidadão que procura o judiciário deve tentar conciliar sua ação judicial de forma pacifica através de medidas alternativas? Quais os efeitos da extensão dos meios alternativos das resoluções esperadas, de acordo com sua pretensão? Por que a sociedade sempre aguarda a adjudicação da sentença? Não seria um ato melhor aceito se o processo extinguir-se já na fase conciliatória?

Em assim sendo, estariam os fatores relacionados à confiança da população para com o Juiz em detrimento a figura do conciliador na solução de seus conflitos? Ou os meios alternativos de resoluções de conflitos ainda não fazem parte do cotidiano da nossa sociedade? Outro ponto que deve ser aduzido, encontra-se no diapasão de que o cidadão deve confrontar as duas únicas opções para solucionar seu litígio, optando pela suposta satisfação imediata através da conciliação ou mediação, ou aguardar a morosidade inerente ao processo judicial?

A atualização das Políticas Públicas do Poder Judiciário pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça – embora ainda de forma muito tímida, tem chamado atenção de muitos pesquisadores. Contudo, sabe-se que essa função do Judiciário, que na verdade é a mediação e a conciliação, existe desde tempos remotos. Isto é, quando da chegada dos portugueses ao Brasil, através das Ordenações Filipinas.

A sociedade espera do Judiciário uma resposta plausível para a solução dos conflitos de forma que todos venham a ser beneficiados, tornando assim a celeridade processual um aspecto de destaque para meio jurídico.

No entanto, essa celeridade tão esperada pela sociedade tem deixado aqueles que buscam solucionar seus conflitos através do Judiciário desacreditados, pois, em muitos casos, o retorno, isto é, a resposta esperada não ocorre em tempo hábil.

A partir do momento em que os preceitos legais fundamentais elencados pela Carta Magna, em seu artigo 5º. forem cumpridos, certamente teremos de volta a credibilidade do judiciário, fato tão perseguido na busca de uma sociedade mais justa.

Entretanto, para que isso ocorra, deve haver caminhos alternativos. Um deles, que justamente é o que se encontra em relevância é no momento em que o judiciário for provocado, apontar a conciliação, através das medidas alternativas na resolução de conflitos, eliminando-se assim a espera que os litigantes desprendem na expectativa de que seus direitos sejam atendidos.

Entende-se que, a partir do momento no qual a sociedade compreenda que a resolução do conflito de cada membro possa ser dissolvido pelas medidas alternativas, em face de aguardar a resposta por meio da sentença, certamente ter-se-á um judiciário desafogado de tantas lides e, conseqüentemente um judiciário mais efetivo.

Sabe-se que o Poder Público deveria abranger e incentivar para todas as camadas da população os meios alternativos de resolução de conflitos, com o fito de minimizar a quantidade de processos judiciais, sob pena de afogar cada vez mais a seara da justiça.

Os objetivos do artigo em discussão são conhecer as novas políticas públicas instituídas pelo Conselho Nacional de Justiça e sua eficácia junto à sociedade no tangente à cultura da sentença; investigar junto ao judiciário a efetividade das políticas públicas implantadas; descrever quais os efeitos extensivos dos meios alternativos das resoluções de conflitos, de acordo com a pretensão da sociedade; entender porque a sociedade prefere aguardar a resposta do judiciário mediante a adjudicação da sentença; perceber o benefício justo através da extinção do processo na já fase conciliatória através desta medidas alternativas supramencionadas.

Falar de procedimentos metodológicos é afirmar quais são os caminhos que o pesquisador irá enveredar, para que cumpra com os objetivos propostos elencados em sua pesquisa cientifica. É abordar que método o mesmo irá utilizar-se para cunhar os resultados perqueridos.

Método é o caminho que se estabelece para sustentar o objeto de pesquisa. Nas ciências, os métodos são instrumentos básicos para a ordenação do pensamento, de modo que o cientista possa lograr êxito em sua pesquisa, visto que somente através do senso comum não teríamos uma ciência propriamente dita.

Descartes, ao tratar do método pontua quatro regras básicas, quais sejam, a da evidência, a da análise, a da síntese e a regra da enumeração. No entanto, não obstante ao que lecionou Descartes, seguiremos a nossa pesquisa através do método dialético, que por sua vez apresenta uma tese, uma antítese e uma síntese.

Engels afirmou que, a mudança quantitativa produz uma conversão qualitativa. Para Marconi; Lakatos (2010), a realidade é um movimento, e para que haja movimento deve haver uma luta de contradições internas, necessitando assim evidenciar que a contradição é a luta entre o velho e o novo, encerrando dois termos opostos, tornando-se unidade dos contrários.

O artigo em baila foi de abordagem qualitativa e bibliográfica, visto que “trata-se de toda bibliografia já publicada em forma de livros, revistas, publicações, avulsos e imprensa escritas”. (Marconi; Lakatos, 2010, p.44) Ou seja, refere-se a uma pesquisa em que o pesquisador possui contato direto com aquilo que foi escrito sobre o tema objeto a ser investigado.

Preocupa-se, no entanto, interpretar e analisar os aspectos mais profundos descrevendo a complexidade inerente ao objeto analisado. Mediante ao que ficou elencado, a pesquisa em foco terá como sustentação maior, a lei dos juizados especiais, lei nº. 9.099/95, bem como a resolução n. 125, de 29 de Novembro de 2010 do CNJ, além de autores como Nelson Nery Júnior, Rosa Maria de Andrade Nery, Maria das Graças Rua, dentre outros.

Em assim sendo, o artigo encontra-se dividido em três partes, quais sejam, uma introdução propedêutica sobre o tema em apreço, a história de desenvolvimento de políticas públicas, especialmente as da esfera do sistema judiciário, e por fim, a aplicação dessas políticas, no que diz respeito a relação dos meios alternativos de resolução de conflitos em face da sentença judicial.

 

2 POLÍTICAS PÚBLICAS: um aporte teórico

Para adentrar ao conceito de políticas públicas judiciais propriamente dito, bem como sua relação com a cultura arraigada na sociedade brasileira no que tange a adjudicação de sentença, e sua relação com a resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), deve-se precipuamente discutir o que são políticas públicas.

Políticas Públicas são meios que o Estado encontra para efetivar suas obrigações para com a sociedade. Para Rua (2009) o conceito de política pode ser definido como o conjunto de procedimentos pacíficos para resolução de conflitos entre interesses coletivos e individuais.

Conforme a autora, o vocábulo política é extremamente polissêmico na língua portuguesa, para tanto deve-se observar o conceito dessa palavra na língua inglesa, qual seja, politics, que se refere as atividades políticas, procedimentos que influenciam os comportamentos pessoais, cujo objetivo destina-se a promover a pacificação das divergências encontradas no meio social.

Já no que diz a terminologia policy, entende-se que os procedimentos adotados pelo ente público devem atingir inicialmente o meio coletivo, até mesmo os interesses difusos, sendo de tal forma necessário a solucionar divergências de grupos sociais. Assim, policy pode ser interpretado como o procedimento adotado pelo governo com o fito de solucionar os anseios sociais, é dizer que este vocábulo mais se aproxima com o conceito de políticas públicas na língua portuguesa. As políticas públicas denominadas (policy) são o que se obtém da atividade política (politics).

Insta observar que, a partir da discussão elencada, depreende-se as políticas publicas como sendo um conjunto de atos decididos previamente relacionados à implantação imperativa de valores envolvendo a sociedade. “Política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas.” (RUA, 2009 p. 19).

Diante do exposto, tomemos como foco a evolução histórica adotada pelo direito pátrio, em continuidade com o conceito de políticas públicas. Cabe destacar as ordenações filipinas, que em tempos que remontam o início das atividades judiciárias no Brasil, a conciliação foi oferecida como meio de resolução de conflitos, surgindo o primeiro incentivo do poder judiciário em conciliar de forma inicial o processo contencioso.

 

2.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS JUDICIAIS: NOVOS ENFOQUES DE UM ANTIGO OBJETO

Os novos contornos institucionais apresentados pelo Poder Judiciário através das Políticas de incentivos a resolução alternativa de conflitos almejam apontar a reestruturação do poder judiciário, em face do assustador crescimento de processos, sejam eles ainda físicos, e até mesmo os “novos” processos virtuais, ou seja, independente da natureza estática do processo em si há um afogamento da atividade jurisdicional.

Desta feita, faz-se necessário apresentar uma evolução histórica da transformação do Poder Judiciário Nacional, no que diz respeito aos meios alternativos de resolução, todas estas tentativas jurídicas procuraram lançar luz aos fenômenos relacionados à mediação e conciliação, desde os primórdios de nosso sistema jurídico.

Nas palavras da douta Professora Ada Pellegrini Grinover[1] situando as perspectivas destas medidas conciliatórias, tem-se:

 

O interesse pela mediação e a conciliação e a importância de que as vias consensuais se revestem na sociedade contemporânea levaram ao renascer do instituto, em toda parte. Se é certo que, durante um longo período, a heterocomposição e a autocomposição foram considerados instrumentos próprios das sociedades primitivas e tribais, enquanto o  processo jurisdicional representava insuperável conquista da civilização, ressurge hoje o interesse pelas vias alternativas ao processo, capazes de evitá-lo ou encurtá-lo, conquanto não o excluam necessariamente.

 

Com a devida vênia, percebe-se que essas medidas sempre existiram, desde tempos remotos da nossa civilização; a sociedade, de alguma forma, pela busca da justiça mais civilizada, passou a credenciar o Estado através dos juízes, competência para processar e julgar seus conflitos. Em nosso sistema pátrio a legislação a respeito da conciliação e mediação encontra-se a partir das Ordenações Filipinas.

As Ordenações Filipinas, no Livro 3º, T. 20, § 1º, já trazia a norma que dizia: “E no começo da demanda dirá o Juiz a ambas as partes, que antes que façam despezas, e se sigam entre elles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre he duvidoso. ...” (WATANABE)[2]

Na carta de 1824, conforme (CUNHA, 2001) em seu título VI, do Poder Judicial, capítulo único, ao tratar dos Juízes e Tribunaes de Justiça, preceituava em seu art. 161, “sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da conciliação, não se começará Processo algum.” Assim como dispôs o art. 162. “Para este fim haverá Juízes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuiçoes e Districtos serão regulados por Lei.”

A Constituição Federal de 1891 que foi promulgada logo após a proclamação da República, não trás quaisquer informações sobre os meios de conciliações. No entanto, a Constituição Federal de 1934, no titulo quatro, que fala da ordem econômica e social, em seu artigo 122, trouxe uma inovação, que, embora tenha se dirigido à Justiça do Trabalho, não deixa de ter seu fundamento na conciliação, através das commissões de conciliação.

A Constituição de 1937, conhecida como a Constituição do Golpe da “Era Vargas”, implantada pelo Estado Novo, trás em seu Título sobre a Organização Nacional, no artigo 18 afirmava que: Independente de autorização, os Estados podem legislar no caso de haver lei Federal sobre a matéria, para suprir-lhe as deficiências ou atender as peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuam as exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta os regule, sobre os seguintes assuntos: Alínea “d” – “Organizações públicas com o fim de conciliação extrajudiciária dos litígios ou sua decisão arbitral.”

A Constituição de 1946, posterior a “Era Vargas”, é a Constituição que vem trazer a redemocratização do país, pois enquanto o lutava contra os regimes autoritários ao participar de lutas junto ao aliados, internamente vivia-se em uma ditadura. E com relação ao tema em discussão, novamente trás na Seção quatro, que aborda sobre os Juízes e Tribunais, no artigo 122, trata dos órgãos da justiça do trabalho criando-se as juntas ou Juízes de conciliação e julgamento.

A Constituição de 1967 deu continuidade ao que já propunha à Constituição de 1946, ou seja, na Seção quatro, que aborda sobre os Juízes e Tribunais, no artigo 122, trata dos órgãos da justiça do trabalho criando-se as juntas ou Juízes de Conciliação e Julgamento.

No decorrer da história constitucional, percebemos que essa Instituição veio sendo conservada, mas submergindo cada vez mais as suas atribuições; até que, no Regime Militar, perdeu totalmente a papel jurisdicional. Juiz de paz torna-se mero juiz de casamento. Com a Constituição de 1988, a Instituição recupera as imputações anteriores, mas, ainda, não vemos efeito material dessa mudança.

A Constituição de 1988 trouxe à população, em termos gerais, o acesso ao Judiciário através da Ação Popular, Habeas Data, Mandado de Segurança Coletivo, Ação Direta de Inconstitucionalidade. A Carta Política de 1988 inova mais uma vez com a criação por parte da União, do Distrito Federal e dos Estados, com a criação dos Juizados Especiais, que tem como competência a conciliação, o julgamento e a execução das causas civis e criminais de menor complexidade, bem como menor potencial ofensivo.

Destaca-se também a criação da justiça de paz composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com o fito de exercer atividades conciliatórias, sem caráter jurisdicional. Como ficou explanado as demais Constituições anteriores não apontavam taxativamente e diretamente para essas atividades conciliatórias da área civil e criminais, apenas para a área trabalhista.

Deixa-se em evidência, portanto, que no Código de Processo Civil de 1973, no capitulo quatro, “Do Juiz”, Seção I – Dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do Juiz, preceitua em seu artigo 125 que: O Juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste código, competindo-lhe: IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.

Enfatiza-se que:

 

As normas processuais buscam hoje a plena satisfação do direito material, ou seja, um processo de resultados (de efetividade do processo). Inserem-se nessa linha os novos dispositivos do Código de Processo Civil que adotam a chamada tutela jurisdicional diferenciada, ou seja, procedimentos sumários e cognição superficial, necessário assegurar a fruição do bem antes que o tempo corroa o direito ou seu objeto “como a tutela antecipada”, ou a encurtar o tempo do processo (por ex. ação monitoria). Inserem-se também na mesma linha os provimentos jurisdicionais destinados a oferecer tutela especifica, atribuindo ao vencedor o adimplemento da obrigação, em espécie e não em seu equivalente monetário (obrigação de fazer ou de não fazer, obrigações de dar) (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 141)

 

No entanto, o que se persegue não é o processo em si, mas a conciliação, antes de se iniciar a longa batalha judicial até que culmine com a sentença do juiz. E é justamente nesse sentido que se pretende não provocar o judiciário para atribuir a decisão, mas somente para buscar a homologação do acordo entre as partes.

Atualmente, pode-se ainda timidamente, falar de uma "cultura de conciliação", surgida na sociedade pós-industrial, mas que tem, nos países em desenvolvimento, pequena participação da população, não apenas a institucionalização de novas formas de resolução de conflitos e de gestão racional dos interesses públicos e privados, mas adotando também acentuado papel promocional de conscientização política.

 

3 A NOVA INTERFACE PROMOVIDA PELO CNJ ATRAVÉS DA RESOLUÇÃO N. 125/2010

Após o advento da Constituição de 1988, os legisladores, através Emenda Constitucional nº 45/2004, também conhecida como “reforma do judiciário”, com o fito de reduzir esse preocupante quadro já presente à época, assentou o princípio fundamental da duração razoável do processo ao patamar de garantia constitucional, com a inclusão do texto no art. 5º, LXXVIII da Carta Política.

No que tange ao direito de acesso à justiça, pode-se assegurar que este se estabelece em um direito subjetivo do cidadão, constitucionalmente garantido, que lhe cobre a agilidade da atividade jurisdicional quando este a ela recorre. E este direito à justiça abarca a sua prestação eficiente, justa e célere, através da essencial atenção ao direito.

Com efeito, não obstante somente ao acesso à Justiça está constitucionalmente garantido, mas os elementos que tornem esse acesso seguramente eficaz. No que tange à rapidez, à celeridade, esta passou a integrar, com a Emenda nº 45/04, o rol de garantias constitucionalmente asseguradas ao cidadão, no que tange à prestação jurisdicional.

Foi acrescentado o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal, com a seguinte redação:

 

Art. 5º [...]LXXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade  de sua tramitação.

 

Sendo assim, uma das inovações originadas pela reforma do Judiciário é a determinação constitucional da tramitação do processo em prazo razoável e a celeridade de sua tramitação. Já em suas doutas palavras, o jurista Rui Barbosa asseverava que “justiça tardia é negação de justiça”.

No entanto, ressalvado o brilhantismo constitucional de implementar tal medida deveras necessária, a realidade do sistema Judiciário era outra, em razão da falta de estrutura mínima para cumprir adequadamente este dispositivo; o Conselho Nacional de Justiça, que tem como missão, contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com eficiência pelo poder público, implementou em 29 de novembro de 2010, a Resolução nº 125, denominada como Política Pública de Tratamento Adequado dos Problemas Jurídicos e dos Conflitos de Interesses.

Tal resolução determina que os Tribunais em todo o país, possuem, no prazo de quatro meses a partir da publicação, a missão de implantar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, contemplados com a responsabilidade de realizar sessões de conciliação e mediação, através de profissionais devidamente habilitados e preparados tecnicamente para realizar as medidas alternativas.

 

3.1 A CULTURA DA SENTENÇA

Não obstante a sobrecarga de processos judiciais, o Poder Judiciário está enfrentando um dilema com a perda da credibilidade e uma crise de desempenho, situação essa que decorre, em grande parte das transformações ocasionadas pelas mudanças na economia da sociedade brasileira, alguns desses conflitos chegam ao judiciário por meio das ações coletivas, no entanto, a maior fatia esta relacionada com a judicialização dos processos individuais, com a geração do fenômeno de processos repetitivos, afugentando ainda mais a eficiência do serviço judicial.

De acordo com WATANABE:

O mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judiciário é o da solução adjudicada dos conflitos, que se dá por meio de sentença do juiz. E a predominância desse critério vem gerando a chamada “cultura da sentença”, que traz como consequência o aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos Tribunais Superiores e até mesmo da Suprema Corte. Mais do que isso, vem aumentando também a quantidade de execuções judiciais, que sabidamente é morosa e ineficaz, e constitui o calcanhar de Aquiles da Justiça.

Analisando a afirmação do autor alhures, pode-se observar que a problemática envolvendo a grande demanda judicial, não se apresenta somente nas esferas iniciais da jurisdição contenciosa, mas também merece destaque o congestionamento da quantidade de recursos nos Tribunais Superiores, e ainda nos processos que já se encontram em fase executória.

Sendo assim, percebe-se que há a necessidade urgente em modificar esta cultura, visto que a judicialização de conflitos é o meio quase que exclusivo encontrado pelo cidadão, ou seja, quando o sujeito se depara com um conflito de interesse, foge aos olhos a possibilidade em realizar um acordo ou apresentar uma proposta para mediar o conflito, visualiza-se somente a figura da autoridade estatal através do Poder Judiciário, por meio da sentença do Juiz.

Com efeito, o Código de Processo Civil preocupou-se apenas com a conciliação processual, ou seja, realizada já com o processo em curso, quando o conflito já está judicializado, ocasionando todo esse acúmulo de processos.

Há que se pensar em novas estratégias, como por exemplo, implementar campanhas informativas, com intuito e realizar acordos pré-judiciais, isto é, criar centros de conciliação em todos os órgãos da administração pública, sejam eles judiciais ou não, como secretarias municipais ou estaduais das mais diversas áreas, todas com o fito de prevenir a judicialização do conflito de interesses.

 

3.2 OS EFEITOS PRÁTICOS DA LEI DE JUIZADOS ESPECIAIS

A lei 9.099/95, também conhecida como lei dos juizados especiais, foi baseada no Direito Anglo-Saxônico e Germânico, de sorte que os juizados permitem mais celeridade em relação a resposta dos litigantes, contrariando o ideal do Direito Romano, do qual, todo o Direito pátrio foi baseado, onde apesar de primar pela segurança e ampla defesa, é moroso e menos célere.

Os juizados especiais possibilitam que a sociedade, sem custo e sem advogado, tenha acesso ao judiciário, sendo assim, os magistrados devem decidir com base no princípio da equidade, não apenas instrumentando o direito positivado, a lei permite ainda que os juízes comprometidos com seu trabalho, imbuídos em atuar como um pacificador social possuam amplas condições dear resposta aos litigantes e remediar os conflitos sociais.

Outra inovação decorrente dos juizados são os conciliados que, em casos específicos, podem intermediar um acordo, antes mesmo de ser instaurado um processo judicial, apresentando opções para melhorar a convivência das partes, fato que torna a justiça mais ágil, menos onerosa e principalmente mais justa.

A Lei de Juizados Especiais em seu art. 2º prescreve: o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível a conciliação ou a transação.

Evidenciam-se, nesse aspecto, os princípios fundamentais constitucionalmente consagrados e sua positivação, dessa forma, de acordo com Nelson Nery Júnior; Andrade Nery (2006), os princípios norteadores do processo nas ações que se processam perante os juizados especiais significam aquilo que se aplicam também nos princípios do processo penal nos juizados.

Para Watanabe, o objetivo da Lei de Juizados Especiais não preencheu efetivamente uma de suas características, quando os juizados de pequenas causas – que começaram como uma forma de permitir acesso mais fácil à camada mais humilde da população – como a experiência, em princípio combatida, que funcionou, sendo utilizada, hoje, como uma forma de solucionar a crise da Justiça e não para facilitar o acesso à Justiça pela população mais humilde.

Já no que se refere a positivação dos princípios, a norma positivou os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, sabe-se portanto, que esses princípios nem sempre estão expostos no texto do código de processo civil.

Isto posto, destaca-se na íntegra o art. 3º da lei nº. 9.099/95:

 

Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III - a ação de despejo para uso próprio; IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo. § 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução: I - dos seus julgados; II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei. § 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial. § 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.

 

Percebe-se diante do artigo em baila que, há uma competência no que diz respeito às ações cíveis de menor complexidade, sendo ainda facultativo ao autor escolher o procedimento comum ou este especial, levando em consideração o valor da causa que não deve ultrapassar a quarenta salários mínimos vigentes no país. Entretanto, excluem-se as causas de natureza falimentar, alimentar, fiscal e de interesses da fazenda pública, ao estado de capacidade das pessoas e as que se referem à acidente de trabalho e a resíduos, mesmo diante de fatos relacionados à patrimônio.

Em conflitos que hajam possibilidades de impetrar ação junto aos juizados especiais, de acordo com o art. 277, §1º, da Lei dos Ritos, o conciliador será autoridade que presidirá a fase inicial da demanda e dialogicamente tentará um acordo entre as partes, pontuando assim as vantagens e desvantagens em prosseguir ou finalizar o litígio mediante o acordo.

É justamente nesse aspecto que a figura do conciliador, nas palavras de Figueira Júnior (2009), reduzirá a termo a composição que será um ato homologatório de exclusividade do Juiz, visto que o conciliador é um auxiliar da justiça que não possui jurisdição. O próprio parágrafo único do art. 22 da lei 9.099/95, adverte: “obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo.”

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente no Brasil, temos um meio normal, usual, que é a solução pelo Poder Judiciário, pela autoridade do Estado, e os meios alternativos, ainda em fase de organização, assim os juizados especias ganham destaque, pois considera-se um avanço muito importante para a sociedade, visto que litígios são resolvidos em curto prazo.

As ações judiciais menos complexas e mais corriqueiras não necessitam passar pelo crivo de uma vasta instrução probatória, restando aos litigantes demonstrar o fato ocorrido e apresentar documentos que comprovem suas alegações, podendo ainda, em situações de causas com valor de até 20 salários mínimos, postularem sem a necessidade de advogado.

Podemos avaliar de forma muito positiva os juizados especiais, e seu sucesso é prova que nossa sociedade necessita de investimento em políticas alternativas de solução de conflitos, uma vez que da conjuntura do Judiciário atual, o cidadão é duplamente prejudicado, isto é, o primeiro por ter seu direito lesado e o segundo em relação a morosidade da efetiva resposta do Estado-Juiz, que por sua vez, é vítima do aumento natural da população e o avanço das novas classes sociais, que passaram a se relacionar e consumir cada vez mais, ainda diversificando intensamente novas relações.

Destarte, não resta dúvida de que o ressurgimento das vias alternativas de resolução de conflitos é devido, em suma, à crise do judiciário. É sabido que ao importante progresso científico do direito processual não satisfez o aperfeiçoamento do aparato judiciário e da administração da Justiça.

Não obstante a morosidade dos processos, seu preço, a burocratização na gestão dos processos, há na realidade certa confusão procedimental; a mentalidade do juiz que nem sempre dissemina os poderes que os códigos lhe conferem; a carência de informação e de norte para os possuidores dos interesses em conflito; as deficiências do acesso a justiça gratuita, ou seja, tudo leva à obstrução das vias de ingresso à justiça e ao distanciamento entre o sistema judiciário e seus usufrutuários. 

Desta feita, esta dificuldade apresentada alhures não ocasiona apenas o descrédito nos juízes e nos demais operadores do direito, mas tem como inquietante implicação a de incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas, isto é, desde a justiça de mão própria, passando por intermediações arbitrárias e de prepotência, para chegar até os "justiceiros".

Por outro lado, o alto grau de litigiosidade, próprio da sociedade atual, e os esforços rumo à universalidade da jurisdição, de modo que uma cifra cada vez maior de pessoas e uma natureza cada vez mais vasta de causas que acedem ao Judiciário compõem elementos que ocasionam a sobrecarga de juízes e tribunais.

Em sendo assim, a saída não consiste somente no aumento do número de julgadores, pois quanto mais fácil for o acesso à Justiça, quanto mais ampla a universalidade da jurisdição, maior será o número de processos, desenvolvendo uma verdadeira bola de neve.

Por fim, desta feita, concluímos que o Poder Judiciário não acompanhou a evolução da nossa sociedade, e ainda, o próprio poder judiciário criou mecanismos de defesa e de recursos, cada vez mais protelatórios, indo na contra-mão dos avanços sociais.

 

REFERÊNCIAS

 

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-----------. Presidência da República. Casa civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. In: Vade Mecum Compacto. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011. (obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos, Windit e Lívia Céspedes.)

-----------. Presidência da República. Casa civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. (Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em 14 de maio de 2012.

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[1] GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Fundamentos da Justiça Conciliativa. Disponível em: http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/rbb_ADA%20PELLE.pdf. Acesso em 01 de dezembro de 2012.

[2] WATANABE, Kazuo. Política pública do poder judiciário nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. Disponível em: www.cnj.jus.br. Acesso em: 25 de março de 2012.

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