Responsabilidade civil por abandono afetivo na relação paterno-filial

19/11/2013. Enviado por

Este artigo tratará da possibilidade de indenização por abandono afetivo na relação paterno-filial no Brasil. Serão descritos elementos jurídicos da aplicação da responsabilidade civil no direito de família, incluindo a análise das legislações atuais

1 Introdução

Esta pesquisa na área do direito da família tem como tema a responsabilidade civil pelo abandono afetivo na relação paterno-filial. A delimitação do tema reflete um compromisso com a proteção aos filhos menores de idade, em consonância com a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002. Há ainda a importância de se esclarecer qual a prestação “justa” que deverá ser fixada nos casos do suposto abandono afetivo, sendo que a lei ainda não está totalmente apta a garantir a busca do filho por este tipo de reparação.

O objeto de estudo focaliza a compreensão do alcance da obrigação dos pais em proporcionar apoio afetivo aos filhos, esclarecendo se cabe ou não a prestação pecuniária nos casos de suposto abandono afetivo. A perspectiva teórica apontada evidencia a aplicabilidade da responsabilidade civil no direito de família, verificando a nova visão de família na Constituição Federal de 1988, e as conseqüências cabíveis pelo abandono afetivo.

A possibilidade de indenização por abandono afetivo é um tema ainda controverso no mundo do Direito, com implicações objetivas e subjetivas pelo descumprimento do dever de convivência entre as famílias.

Tal indagação busca elucidar como a tutela jurisdicional poderá tornar obrigatório o cumprimento de um dever moral, procurando evidenciar os efeitos da condenação da indenização pecuniária, além da necessidade de serem identificados os elementos que contribuíram para a trajetória do sentimento de abandono afetivo.

O reconhecimento do estado de filiação, previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em seu artigo 27, pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6º, e pelo Código Civil no artigo 1.596, gera uma relação jurídica, porém nem sempre se cria uma relação de afeto.

Assim, o reconhecimento dos filhos poderá dar-se de forma voluntária ou pela via judicial, produzindo efeitos, alguns de cunho patrimonial, outros de caráter pessoal.

Ressalta-se, porém, que não há, por parte do legislador, nenhuma menção expressa quanto ao dever do amor, do esmero e do apoio afetivo, gerando imprecisão quanto à obrigação do dever moral dos pais em proporcionar apoio afetivo aos filhos, sendo que a lei ainda não está totalmente apta a garantir a busca do filho por reparação em sendo descumprido este dever.

O tema proposto neste artigo é de extrema importância, pois visa abordar um problema que está acontecendo cotidianamente no direito brasileiro. A relação paterno-filial ocorre em todas as famílias, e, conseqüentemente, a caracterização de abandono afetivo em boa parte delas. Com base nisto, será analisada, através da doutrina e da legislação vigente, como a tutela jurisdicional poderá tornar obrigatório o cumprimento de um dever moral, procurando evidenciar os efeitos da condenação da indenização pecuniária, além da necessidade de serem identificados os elementos que contribuíram para a trajetória do sentimento de abandono afetivo, de forma indissociável, baseada na prudência e na razoabilidade.

Além disso, a pesquisa irá demonstrar que ao ponderar sobre a obrigação do dever moral dos pais em proporcionar apoio afetivo aos filhos deve-se ter como premissa princípios e valores, cujo bem maior a ser protegido é a afetividade na relação paterno-filial, onde o fundamento para implicação de responsabilidade civil deverá ser acertadamente arraigado.

Urge, portanto, esclarecer qual a prestação “justa” a ser implantada nos casos de suposto abandono afetivo, uma vez que não se podem encobrir aqueles pais que insistem em gerar filhos sem reconhecer que se trata de uma criança-cidadã, salvaguardando os seus direitos e interesses.

 

2 Teoria da responsabilidade no âmbito das relações familiares.

O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, física ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar (VENOSA, 2005, p. 2).

Primeiramente, relevante distinguir os danos imediatos (provenientes da violação do dever conjugal, de ordem material ou moral), e mediatos (oriundo do rompimento do matrimônio, podendo refletir tanto na esfera material quanto moral, geralmente referente ao sofrimento causado pela quebra do vínculo) (PARODI, 2007, p. 204).

A pretensão indenizatória poderá ainda ser ressarcitória, a fim de que a vítima retorne ao seu status quo ante, ou reparatória, procurando obter uma compensação pelos danos sofridos (PARODI, 2007, p. 204).

Com o advento da CRFB/88 sobreveio a imputação obrigacional da responsabilidade civil, especificamente na esfera dos danos morais, como por exemplo, em seus artigos 5º, incisos V, X, XLV, e 37, § 6º. O código civil de 2002 manteve a base do regramento de 1916, porém de forma mais aprofundada e atualizada, incitando as indenizações em relações familiares, visto que estendeu a aplicabilidade de seus conceitos, influenciado pela CRFB/88 (PARODI, 2007, p. 135).

A responsabilidade civil pode se configurar, por exemplo, quando há a anulação do casamento em que a parte culpada perde as vantagens havidas do cônjuge inocente (artigo 1.564, inciso I, Código Civil), excepcionalmente no casamento com regime da comunhão universal de bens, obrigando o responsável a cumprir as promessas feitas no pacto antenupcial (artigo 1.594, inciso II, código civil) (DIAS, 2006, p. 96).

O término do namoro ou noivado também pode originar a responsabilidade por dano moral, como naqueles casos em que um dos nubentes é abandonado na porta da igreja (DIAS, 2006, p. 105). Assim, responsabilidade civil em sede de relacionamentos entre noivos tem por objetivo coibir os abusos cometidos no momento e forma do exercício do direito de romper, como conceitua Parodi. É a busca por conferir proteção à boa-fé de terceiros, bem como coibir abusos nos distratos, notadamente quando atingem diretamente a esfera íntima do outro pólo da relação jurídica, destacando a boa importância estatal que também é reconhecida aos relacionamentos amorosos como sendo vigorosas fontes sociais, tudo em consonância com o artigo 187 do atual Código (2007, p. 334).

Outro exemplo que pode dar ensejo à reparação civil é a prática da infidelidade, por constituir violação dos deveres conjugais, mesmo que o código civil não tenha previsto expressamente esta hipótese, conforme preleciona Stoco (2006, p. 770). O autor afirma ainda que tal condição caracteriza-se como ilícito civil, pois se amolda ao artigo 186 do código civil, fazendo incidir, então, a regra geral do artigo 927, devendo o autor reparar o dano causado por decorrência da traição, indenizando o cônjuge traído moral e materialmente, se este for o caso (2006, p. 771).

 "A relação afetiva ilícita também impende para a obrigação de indenizar, vez que o fato jurídico se mostra contrário às normas legais, maculando diretamente à relação amorosa e, portanto, a ilicitude do ato e a correlata lesão provocada, em nada diferem dos atos ilícitos puramente negociais." (PARODI, 2007, p. 229)

Deste modo, sabe-se que para surgir o dever de indenizar, há de existir a prática de atos que prejudiquem outros, os quais, em algumas hipóteses, poderão ser os próprios filhos, infelizmente. Devem então os genitores, independentemente de estado civil, ter a exata consciência de seu dever como pais e educadores de cidadãos do futuro, sendo certo que atos por eles praticados poderão gerar grave prejuízo em face desses filhos (VIEIRA, 2006, p. 48).

"O conceito atual de família, centrada no afeto como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem omitir-lhes o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade, como atribuição do exercício do poder familiar. [...] Assim, a convivência dos filhos com os pais não é direito do pai, mas direito do filho. Com isso, quem não detém a guarda tem o dever de conviver com ele. Não é direito de visitá-lo, é obrigação de visitá-lo. O distanciamento entre pais e filhos produz seqüelas de ordem emocional e reflexos no seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida". (DIAS, 2006. p. 106).

Corroborado que a falta de convívio na relação paterno-filial pode suscitar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável dos filhos. A omissão do genitor gera dano afetivo suscetível de ser indenizado, uma vez que a lei obriga e responsabiliza os pais no que diz respeito aos cuidados com os filhos, encargo de quem detém o poder familiar. Assim, conforme elucidado por Dias, a ausência deste zelo (abandono moral) viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente, o que configura dano moral. (2006, p. 107).

 

3 A Constituição Federal de 1988 e a nova visão de família.

Com a CRFB/88 foi concedido tratamento isonômico ao homem e à mulher (artigo 5º, inciso I). Ao assegurar-lhes iguais direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (artigo 226, § 5º), outorgou a ambos os genitores o desempenho do poder familiar com relação aos filhos comuns. (DIAS, 2006, p. 343/344)

Inspirada na nova versão da CRFB/88, a lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentando os direitos e deveres que envolvem as relações da família e do Estado para com a criança e o adolescente (MAGALHÃES, 2003, p. 219). Em seu artigo 21 corrobora o entendimento sobre a igualdade de condições entre os pais.

O poder familiar deixou de ter um sentido de dominação para se tornar sinônimo de proteção, com mais características de deveres e obrigações dos pais para com os filhos do que de direitos em relação a eles. (DIAS, 2006, p. 344).

Como conseqüência dessa igualdade a decisão do pai, em caso de divergência com a mãe, no exercício do poder familiar não mais prevalecia, e somente a decisão judicial punha termo a ela, solucionando o impasse. (MAGALHÃES, 2003, p. 219)

Já o parágrafo 6º do artigo 227 da CRFB/88 eliminou a desproporcionalidade de direito do estado de filiação e proibiu qualquer adjetivação discriminatória a ele. Consequentemente o filho reconhecido está sujeito ao poder familiar de ambos os progenitores enquanto menor, ou daquele que o reconheceu, na hipótese de reconhecimento unilateral. (MAGALHÃES, 2003, p. 219)

Diante dessas modificações, a lei maior passou a reconhecer como entidade familiar a constituída pelo casamento civil, a derivada da relação estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. É o que dispõe o artigo 226, parágrafos 1º a 4º da CRFB/88.

Além disso, a CRFB/88 criou uma categoria social mais ampla ao instituir a união estável entre conviventes em relação informal duradoura, sob a denominação de entidade familiar, diferenciada da até então família legítima decorrente do casamento civil. (STOCCO, 2006, p. 792)

Assim, a noção constitucional da família possui também uma tendência monoparental dissociada da noção de casal, acompanhando os rumos de uma sociedade moderna onde há um crescimento de pessoas que vivem sozinhas ou em uniões de fato. (NEVES, 2002, p. 24)

"Tem-se no primeiro eixo, o reconhecimento legal da monoparentalidade, fenômeno sociológico que se caracteriza pela instituição família, diminuída de um dos cônjuges. O conceito não é pacífico na doutrina ocidental, mas se pode extrair, ao menos, dois elementos em comum. Que no pólo descendente, figura a prole, constituída por uma ou várias crianças, a princípio menores de idade. E, no pólo ascendente, na condição de titular do poder familiar, apenas o pai ou a mãe. Logo, mono: um; parente: progenitor." (PARODI, 2007, p. 47)

Para finalizar, observa-se que o modelo nuclear retira o foco de proteção da instituição familiar, que se fazia a despeito do sacrifício de seus membros. Zelando pela dignidade da pessoa humana, traz para o centro o indivíduo, passando a tutelar a pessoalidade da família, no modelo em que esta se apresentar. Em clara demonstração de respeito pelos liames do afeto, retira a imposição de um modelo rígido de composição de membros, para que a célula atinja o status jurídico de família. Substitui o pátrio poder pelo poder familiar, a ser exercido por ambos os cônjuges, em igualdade. (PARODI, 2007, p. 48)

 

4 Conseqüências do abandono afetivo na relação paterno-filial

Dentro do convívio familiar existe a relação paterno-filial, onde o pai pode exercer funções inclusive maternas, educando e sustentando seu filho, segundo Pereira:

"O pai que educa e sustenta não é necessariamente o biológico. [...] Sua função não é necessariamente reprodutiva: ele pode ser o transmissor de um nome e de um patrimônio, pode ter uma função econômica e social.

O pai pode exercer todas essas funções, inclusive a maternagem, mas elas constituem, na verdade, uma conseqüência, ou um derivado da função básica de um pai e que está na essência de toda cultura e de todos os tempos: o pai, ou melhor, “um” pai que exerça a função de representante da lei básica e primeira, essencial para que todo ser possa humanizar-se através da linguagem e tornar-se sujeito (1999, p. 578)."

Ressalta-se, porém, que não houve, por parte do legislador, nenhuma menção expressa quanto ao dever do amor, do esmero, e do apoio afetivo, gerando imprecisão quanto à obrigação do dever moral dos pais em proporcionar apoio afetivo aos filhos, sendo que a lei ainda não está totalmente apta a garantir a busca do filho por este tipo de reparação.

No entanto, a doutrina tem entendido que o direito a afetividade caracteriza-se também como um principio constitucional, fundamental para a construção do paradigma da filiação socioafetiva, encontrando na Constituição três fundamentos:

"Encontra-se na Constituição Federal brasileira três fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família, máxime durante as últimas décadas do Século XX:

a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º);

b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);

c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º).

[...] O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais. É o salto, à frente, da pessoa humana nas relações familiares". (LÔBO, 2000)

Lôbo ainda preleciona que o princípio da afetividade, com fundamento nesse “tripé normativo, especializa, no campo das relações familiares, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional” (2005).

"Os juristas costumam dizer que os princípios constitucionais são expressos ou tácitos. São tácitos quando emergem do sistema de normas e valores constitucionais. O princípio da afetividade é fato jurídico-constitucional, pois é espécie do princípio da dignidade humana e emerge das normas acima referidas, que o sistematizam." (LÔBO, 2000)

No entanto, o direito brasileiro já deveria ter entendido que por mais que se queira atribuir uma paternidade através do laço biológico, ele jamais conseguirá impor que o genitor se torne o pai, haja vista que o afeto não é conseqüência da genética. (PEREIRA, 1999, p. 580).

"O direito, todavia, converteu a afetividade em princípio jurídico, que tem força normativa, impondo dever e obrigação aos membros da família, ainda que na realidade existencial entre eles tenha desaparecido o afeto. Assim, pode haver desafeto entre pai e filho, mas o direito impõe o dever de afetividade. Além dos fundamentos contidos nos artigos 226 e seguintes da Constituição, ressalta o dever de solidariedade entre os membros da família (art. 3º, I, da Constituição), reciprocamente entre pais e filho (art. 229) e todos em relação aos idosos (art. 230). A afetividade é o princípio jurídico que peculiariza, no âmbito da família, o princípio da solidariedade." (LÔBO, 2005)

 Temos conhecimento que nas relações familiares, “a prática de atos ilícitos poderá gerar danos materiais e morais, sendo estes últimos os que atinam os direitos da personalidade da vítima”. (SCHUH, 2006, p. 62).

Assim, o abandono material pode ser remediado pelos mecanismos previstos pelo Direito, no entanto o abandono moral e afetivo “é o que tem gerado as péssimas conseqüências conhecidas por todos nós, como o aumento da delinqüência juvenil, menores de rua e na rua” (PEREIRA, 1999, p. 582).

Comprovado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo susceptível de ser indenizado (DIAS, 2006, p. 107).

 "A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento de elo de afetividade, pode gerar severas seqüelas psicológicas e comprometer o desenvolvimento saudável da prole. A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação. Ainda que a falta de afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da existência do dano psicológico deve servir, no mínimo, para gerar o comprometimento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho. Não se trata de impor um valor ao amor, mas reconhecer que o afeto é um bem muito valioso.

A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral. Quem causa dano é obrigado a indenizar. A indenização deve ser em valor suficiente para cobrir as seqüelas psicológicas mediante tratamento terapêutico." (DIAS, 2006, p. 107)

Sobre este tema, o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado em ambos os sentidos, a exemplo do julgamento do Recurso Especial nº 757.411 do Estado de Minas Gerais, o qual foi provido, afastando a possibilidade de indenização por abandono moral.

No entanto, em 2012 o Tribunal pela primeira vez considerou ser possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. Na decisão da Terceira Turma do STJ, a relatora, ministra Nancy Andrighi, considerou que o vínculo acarreta a quem contribuiu com o nascimento ou adoção a responsabilidade por suas ações e escolhas, determinando o pagamento de indenização (REsp 1.159.249).

 

5 Considerações Finais

A indenização por abandono afetivo na relação paterno-filial que se procurou demonstrar teve como finalidade intrínseca de superar a controvérsia existente no direito brasileiro. A lei ainda não está totalmente apta a garantir a busca do filho por este tipo de reparação.

A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 retirou o foco de proteção da instituição familiar, que se fazia a despeito do sacrifício de seus membros, evidenciando o modelo nuclear. A normativa constitucional contemplou em seu texto o zelo pela dignidade da pessoa humana, trazendo para o centro o individuo, passando a tutelar a pessoalidade da família, no modelo em que esta se apresentar. Em clara demonstração de respeito pelos liames do afeto, retirou a imposição de um modelo rígido de composição de membros, para que a célula atinja o status jurídico de família. Além disso, sobreveio a imputação obrigacional da responsabilidade civil, especificamente na esfera dos danos morais, como por exemplo, em seus artigos 5º, incisos V, X, XLV, e 37, § 6º.

O Código Civil de 2002 manteve a base do regramento de 1916, porém de forma mais aprofundada e atualizada, incitando as indenizações em relações familiares, visto que estendeu a aplicabilidade de seus conceitos, influenciada pela Constituição Federal de 1988.

Como a possibilidade de indenização por abandono afetivo possui implicações objetivas e subjetivas do descumprimento do dever de convivência entre as famílias, a legislação e a doutrina vêm buscando formas de tornar obrigatório o cumprimento de um dever moral, procurando evidenciar os efeitos da condenação da indenização pecuniária, no entanto isso não basta. Necessário que haja a normatização da obrigação do dever moral dos pais em proporcionar apoio afetivo aos filhos, tendo como premissa princípios e valores, cujo bem maior a ser protegido é a dignidade da pessoa humana.

A relação paterno-filial ocorre em todas as famílias, e, conseqüentemente, a caracterização de abandono afetivo em boa parte delas. Assim, com base no estudo realizado, entende-se que pelo fato do direito exercer uma função ética, cumprindo uma responsabilidade, sobretudo, social, moralizadora, de atitudes humanas na relação que se forma entre as pessoas, há necessidade dos juristas ponderarem de maneira mais assídua sobre a matéria de responsabilização por abandono afetivo, pois se está lidando não só com um direito, mas também com um valor fundamentalmente humano.

 

Referências Bibliográficas

 

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Mabel Tibes da Silva - Advogada, especialista, bacharel em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, turma 2007/2.

Assuntos: Abandono, Abandono afetivo, Direito Civil, Direito de Família, Direito processual civil, Família

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