Prescrição Virtual

06/06/2012. Enviado por

Prescrição virtual é uma construção da doutrina e da jurisprudência e não está prevista em lei. Isso significa que o magistrado terá a possibilidade de refletir se, caso haja uma sentença condenatória, esta não estaria prescrita no final do processo.

A ordem na justiça brasileira é acelerar o ritmo dos processos para “desafogar” os inúmeros processos existentes. Ganhou-se destaque o princípio da celeridade processual, em respeito ao art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, que diz:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

(...)

O dispositivo acima surgiu com a Emenda Constitucional nº 45, de2004. Abusca pela celeridade processual acontece com a necessidade de responder mais brevemente as angustias dos envolvidos na lide judicial. A Justiça não consegue ser ágil em seu dever. Preocupado em mudar esse quadro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu metas para atingir a sonhada rapidez no andamento do processo.

Muitos juízes estão utilizando a prescrição virtual para evitar envolver o maquinário da justiça em lide judicial fadado à prescrição da pretensão punitiva. Não são raros os casos da desnecessidade do movimento do poder judiciário. Vejamos este caso: um suspeito de tentativa de furto simples foi preso em suposto estado de flagrante no dia 08 de Março de 2009. Apena para tal delito é reclusão de 01 (um) a 04 (quatro), segundo artigo 155 do Código Penal. Em caso de tentativa, o artigo 14, II, § único, do mesmo Código, diz que diminui-se de um a dois terço da pena correspondente ao crime consumado. No caso em tela, a penalidade seria de 07 (sete) meses a 02 (dois) anos e 08 (oito) meses. A Defensoria Publica do Estado do Piauí, através da Unidade Criminal, impetrou pedido de Habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do Piauí na data de 19 de Agosto de 2009. Passaram-se então 05 (cinco) meses da privação de liberdade do agora denunciado. Ora, o furto não ultrapassava ao valor de R$ 50,00 (cinqüenta reais), podendo alegar o principio da bagatela. Sobre o caso, assim se posicionou o relator do HC: 

“Por conta da tentativa de furto, de bens que talvez não cheguem ao montante de R$ 50,00 (cinqüenta reais), o paciente já se encontra preso por mais de 5 (cinco) meses, pena que, mesmo vindo a ser condenado, por infringência ao artigo 155, caput, do Código Penal, com a diminuição de que trata o parágrafo único do artigo 14 do Código Penal, estaria integralmente cumprida.”   (GRIFO NOSSO)

No caso acima, para que movimentar o Judiciário com algo que já está condenado à prescrição? Qual seria sua utilidade? Até o seu julgamento, o suposto crime estaria prescrito. O Estado já teria perdido seu direito de punir. Ora, para que exista ação penal são necessárias as condições da ação, quais sejam: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse de agir. Este último desdobra-se em três trinômios: necessidade, utilidade e adequação. Para a discussão temos que observar o quesito da utilidade. Assim se pronuncia sobre ele o emérito professor Fernando Capez:

A utilidade traduz-se na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor. Se, de plano, for possível perceber a inutilidade da persecução penal aos fins a que se presta, dir-se-á que inexiste interesse de agir. É o caso, e. g., de se oferecer denúncia quando, pela análise da pena possível de ser imposta ao final, se eventualmente comprovada a culpabilidade do réu, já se pode antever a ocorrência da prescrição retroativa. Nesse caso, toda a atividade jurisdicional será inútil; falta, portanto, interesse de agir. Esse entendimento, todavia, não é absolutamente pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência. (CAPEZ, 2008, p. 116). 

De certo que o instituto aqui em questão não está normatizado no Código de Processo Penal, mas a sua finalidade é de suma importância para as significativas mudanças que ocorre na Justiça. A prescrição virtual tem como escopo evitar a utilização do maquinário judiciário de forma desnecessária, pois é previsível a prescrição contida no CPP no momento da sentença. Continuar um processo como esse apenas atrapalharia a melhor eficiência nos trabalhos dos juízes. Ora, qual seria a utilidade e a eficácia dessa persecução penal fadado à extinção? Apenas gasto de tempo, dispêndio de dinheiro e aumento da lentidão judicial. Não faz sentido continuar uma ação penal quando ela é claramente natimorto, pois o poder de punir do Estado, caso haja condenação, será extinto. Respalda-se esta opinião com as palavras da Juíza Eliane Alfradique[1]:

Várias vantagens também podem ser apontadas do acolhimento e reconhecimento da prescrição virtual como a celeridade processual ou combate a morosidade da justiça, economia das atividades jurisdicionais em prestígio da boa utilização do dinheiro público, preservação do prestígio e imagem da justiça pública ou atenção a processo úteis em detrimento daqueles que serão efetivamente atingidos pela prescrição, etc.              

O reconhecimento da prescrição antecipada não se confunde com o julgamento antecipado do mérito. A extinção do processo nada tem a ver com provimento final condenatório. Na verdade, como já explanado, a perda da pretensão punitiva do Estado está relacionada à falta de interesse de agir. A análise da pena é ato hipotético, realizado apenas para verificar se o Estado ainda possui interesse na punição do suposto agente. Este fato não importa em violação ao princípio constitucional da inocência. Em realidade assegura os direitos fundamentais do acusado, como o seu direito à liberdade e à duração razoável do processo. No Processo Penal, a pretensão diz respeito à condenação do acusado, uma vez que este caminho é instrumento de concretização do jus puniendi estatal.  Assim, a extinção do processo não importa a análise antecipada do mérito, mas sim o reconhecimento do desinteresse de agir do Estado. Portanto, o direito de punir do Estado pulveriza-se no tempo, carecendo, assim, de interesse de agir uma vez que fadada a não produzir nada.

A economia processual tem como escopo diminuir ou findar os desperdícios na condução do processo e nos atos processuais em relação a trabalho, tempo e demais despesas, que possam atrapalhar o curso do processo. E a celeridade do processo, complementando a busca pela agilidade da ação penal, é a tentativa de uma rápida solução do litígio, fornecendo uma rápida e eficiente definição a um conflito judicial. A prescrição virtual vem fundamentada nesses dois princípios. Economizaria a perca de tempo com uma ação penal visivelmente condenado à prescrição no ato da sentença e, dessa forma, daria celeridade aos novos processos, pois houvera a eliminação de entraves com persecuções penais sem sentido algum. Em conseqüência, o Estado-Juiz poderia responder com maior rapidez em outras pelejas penais, com uma prestação eficiente e célere dos serviços jurisdicionais. Como coloca Capez (2006, p. 568/569), “fundamenta-se no principio da economia processual, uma vez que de nada adianta movimentar inutilmente a máquina jurisdicional com processos que já nascem fadados ao insucesso, nos quais, após condenar o réu, reconhece-se que o Estado não tinha mais o direito de puni-lo, devido à prescrição.”

Em nome dos princípios da proporcionalidade, da utilidade da prestação jurisdicional, da economia e celeridade processual, o Estado não pode teimar numa persecução penal que não ocorrerá condenação devido à visível prescrição no momento da decisão judicial[2].  A preocupação primordial deve ser a morosidade do Poder Judiciário. Este traz graves dificuldades ao andamento dos processos e contribui para uma visão negativa da sociedade para com os serviços jurisdicionais.  Fechemos esta parte com as palavras do Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Hugo de Brito Machado[3]:

Questão de grande relevo, sobretudo para os que se preocupam com a morosidade do Poder Judiciário, reside em saber se é válido o julgamento antecipado da ação penal. Com efeito, é possível que em muitos casos o Juiz, depois de haver recebido a denúncia, reste convencido da improcedência da ação, seja porque o fato não configura crime, mesmo em tese, seja porque inequivocamente já extinta a punibilidade pela prescrição, ou porque, presente outra razão para dar-se pela improcedência da denúncia, sejam quais forem as provas que possam vir a ser colhidas na instrução... Sem qualquer apreço pelo formalismo estéril, considero perfeitamente cabível o julgamento antecipado da ação penal, sempre que o julgador estiver convencido da impossibilidade de proferir sentença condenatória, quaisquer que sejam as provas colhidas na instrução. Não se pode perder o Juiz no formalismo que é, penso eu, a principal causa da morosidade do Poder Judiciário.

O Superior Tribunal de Justiça lançou a Súmula 438 desaconselhando a utilização do objeto de estudo deste artigo.

Súmula 438: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.

Para muitos a súmula acima foi um retrocesso para os planos do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Esta criou metas de desempenho a serem cumpridas por todos os magistrados do Brasil. O objetivo é dar dinamicidade ao Judiciário nacional, procurando julgar as ações mais antigas.

Acontece que muitos processos estão virtualmente prescrito e despender energia em algo que não chegará a lugar algum apenas ajuda na morosidade da Justiça e na contribuição da impunidade. Com o aparelhamento do Judiciário, o maior empenho dos operadores do direito e mais servidores, a prescrição antecipada seria legalizada condenada a desaparecer com o tempo.

O instituto discutido teria como alvo as ações que a anos estão por julgar. Não é razoável que o julgador, soterrado de processos para dar andamento, perca um dia de trabalho nessas lides judiciais fadadas à prescrição quando findar seu caminho processual. É um custo desnecessario para a sociedade. Abaixo um texto[4] sobre os fatos alegados acima:

Com efeito, a idéia de fazer com que o acusado, ainda que não tenha a menor chance de vir a cumprir uma pena, sente no banco dos réus, tem um custo-benefício alto para a sociedade.

Esses casos, geralmente, são processos muito antigos, que não despertam mais nenhum interesse na comunidade onde ocorreu o crime. Assim, nas sessões de julgamento, comparecem tão-somente os jurados, os policiais e os servidores do Judiciário. Portanto, a idéia da expiação perde muitodosentido.

Por outro lado, esses casos podem até causar perplexidade nos jurados, ou em outras pessoas que eventualmente estiverem assistindo ao julgamento, por não entenderem como é que o acusado recebeu uma condenação, e ainda assim saiu livre.

Finalmente, a realização de um Júri Popular demanda todo um planejamento, com a organização da pauta, convocação de jurados, intimação de testemunhas, gasto com alimentação, sem falar no próprio tempo despendido para a realização do julgamento.

De fato, escapa à razoabilidade exigir-se que o juiz efetivamente realize o julgamento de um caso dessa natureza, perdendo um dia inteiro de trabalho, que poderia ser utilizado no julgamento de outros processos realmente importantes.

Em que pese o acúmulo desses processos representar uma ineficiência do Estado-Juiz, que não os julgou a tempo, não podemos ter compromisso com os erros do passado. Temos que virar a página da História, e seguir adiante, buscando, daqui para frente, um Judiciário que acompanhe o ritmo dos tempos atuais.

Assim, com todo respeito aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, entendo que a Súmula 438 representa um retrocesso nessa nova fase por que passa o Judiciário brasileiro.

A prescrição virtual, embora ainda encontrando resistência da maioria dos Tribunais nacionais, mais cedo ou mais tarde será aceita em nosso ordenamento jurídico, pois vai ao encontro do princípio da economia processual e evita a má utilização da máquina judiciária, preservando a própria credibilidade do Judiciário.

São vários os casos em que os operadores do direito são obrigados a seguir num processo penal no qual já se sabia que a possível condenação seria alcançada pela prescrição virtual. E isso é uma grande insensatez. Discorrendo sobre a temática Jader Marques[5] preleciona que:

“A prescrição antecipada, também conhecida como virtual, não tem despertado a necessária preocupação da doutrina penal e processual penal brasileira. Os poucos que a comentam ainda mostram-se tímidos sobre o assunto, ou quem sabe intimidados pelo sentido comum teórico...”.

A prescrição virtual deverá ser usada apenas para os processos que estão a mais tempo nas prateleiras dos cartórios, com o objetivo de “desafogar” a Justiça brasileira. A forma de prescrição aqui estudada, como foi dito, deve aplicada em processos mais antigos.

Conclui-se que iniciar a persecução penal, ou, se for o caso, dar-lhe prosseguimento, será um gasto de energia sem sentido. Não reconhecer a validade e a sua importância é mesmo que apoiar uma mão-de-obra infrutífera. O trabalho será em vão.

Como colocado, várias vantagens foram demonstrados com a possível aceitação e reconhecimento da prescrição virtual como a celeridade processual e o luta contra a morosidade da justiça, além da economia processual das atividades da justiça em prestígio da boa utilização do dinheiro público, fortalecimento do prestígio e da imagem da justiça pública ou atenção a processo úteis em detrimento daqueles que serão efetivamente atingidos pela prescrição, dando maior agilidade ao andamento processual.

 



[1] ALFRADIQUE, Eliane. Prescrição penal e a atualidade de sua aplicação. Disponível na Internet: http://www.tex.pro.br/wwwroot/eliane_alfradique/prescricaopenalelianealfradique.htm. Acesso em 19 de Julho de 2010

[2] BORGES, Vinicius de Castro. Prescrição em perspectiva no Direito Penal brasileiro. Disponívelemhttp://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/12339/11903.  Acessado em 20/07/2010.

[3] COUTINHO, Luiz Augusto. Novas perspectivas para extinção de punibilidade em matéria criminal. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3586. Acessado em 20/07/2010.

[4] LEMOS, Jonilton. Súmula 438 do STJ – Avanço ou Retrocesso. Disponível na Internet: http://joniltonlemos.blogspot.com/2010/05/sumula-438-do-stj-avanco-ou-retrocesso.html. Acesso em 01 de Agosto.

[5] Marques, Jader. Pena projetada – hipótese de condenação – prescrição antecipada – possibilidade. Revista síntese de Direito Penal e Processual Penal – Porto alegre: Síntese, v.22, nov/dez 2003;

 

Assuntos: Direito e Internet, Direito processual civil, Internet, Prescrição

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