Pessoa jurídica comete crime ambiental?

19/05/2015. Enviado por

O presente artigo objetiva esclarecer acerca da responsabilização penal da pessoa jurídica, sobretudo no que diz respeito aos crimes ambientais.

Os crimes ambientais e a responsabilização da pessoa jurídica

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

A Constituição Federal de 1988 consagrou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana. O que quer dizer que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado está equiparado ao direito da dignidade da pessoa humana. Em outras palavras, para que o ser humano tenha dignidade é preciso que o ambiente em que vive esteja ecologicamente equilibrado.

Assim, sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado dispõe o art. 225, caput to texto constitucional que:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.

Ademais, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi reconhecido em 1972, bem antes da constituinte brasileira, na Convenção de Estocolmo, em seu princípio um, vejamos:

“O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de adequadas condições de vida em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras”

Além disso há diversos outros dispositivos legais que asseguram o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentre os quais destacam-se os arts. 2º e 4º da Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente).
Diante de tamanha importância dada ao meio ambiente, surgiu em 1988 a Lei nº 9.605, a chamada Lei dos Crimes Ambientais. Esta legislação dispõe acerca de crimes cometidos contra o meio ambiente.

A Lei nº 9.605/98 – Crimes Ambientais

A legislação em tela classifica os crimes contra o meio ambiente em cinco. São eles: a) os crimes contra a fauna; b) os crimes contra a flora, c) da poluição e outros crimes ambientais; d) dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural; e) dos crimes contra a administração ambiental. Além disso, ao final o diploma trata da infração administrativa.

Como exemplo de crime contra a fauna, cite-se o que dispõe o art. 29, senão vejamos:

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.

Ressalta-se que são espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras (art. 29, parágrafo 3º da Lei 9605/98).

Cite-se, como exemplo de crime contra a flora, o disposto no art. 38 da Lei, senão vejamos:

“Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”.

Assim, incorre nas penas do artigo supracitado aquele que destrói floresta considerada de preservação permanente.

Há ainda diversos crimes elencados na legislação e que, portanto, devem ser observados.

Da responsabilização da pessoa jurídica por crime ambiental

O sujeito ativo, ou seja, aquele que comete o crime, pode ser qualquer pessoa. Seja física, seja jurídica.

A Constituição Federal, ao tratar da responsabilização por dano ambiental, em seu art. 225, §3º, estabeleceu que:

“as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”

Observe que o mencionado dispositivo estabelece que as sanções penais e administrativas tanto podem ser cominadas às pessoas jurídicas como às pessoas físicas, uma vez que se utiliza da conjunção “ou”, significando alternativa.
Ressalte-se ainda, com relação ao cometimento de crime por pessoa jurídica, três correntes conforme explicita o renomado penalista Luiz Flávio Gomes:

a) A primeira entende ser impossível que a pessoa jurídica pratique crime e que seja responsabilizada penalmente, pois isto equivaleria à responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio (societas delinquere non potest);

b) Um segundo entendimento é no sentido de que a pessoa jurídica pratica crime ambiental, por previsão constitucional e legal (Lei 9605/98), logo pode ser responsabilizada penalmente. A CF/88 pode excepcionar-se a si mesma (societas delinquere potest);

c) Terceiro entendimento, adotado pelo STJ, é o de que a pessoa jurídica não pode praticar crime, mas pode ser penalmente responsabilizada nas infrações contra o meio ambiente, pois em verdade há responsabilidade penal social. Cabendo observar o princípio da dupla imputação, ou seja, jamais a pessoa jurídica pode aparecer na ação penal de forma isolada. Sempre deve estar junto com a pessoa física responsável pelo ato criminoso.
O fundamento da primeira corrente, a da irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, radica essencialmente que se encontram ausentes na atividade da própria pessoa jurídica os seguintes elementos: capacidade de ação (no sentido penal estrito); capacidade de culpabilidade (princípio da culpabilidade); capacidade de pena (princípio da personalidade da pena), indispensáveis à configuração de uma responsabilidade penal subjetiva (PRADO, 2001).
Assim, não poderia a pessoa jurídica ser responsabilizada no âmbito penal, uma vez que ausentes os requisitos supracitados.
No âmbito jurisprudencial importante citar como precedente o primeiro julgado que se tem conhecimento no sentido de responsabilizar penalmente e condenar a pessoa jurídica, a Apelação Criminal nº 2001.72.04.002225-0, de relatoria do Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, com decisão publicada em 20.08.2003 (MILARÉ, 2014).

Para a solução da controvérsia, o STJ já pacificou que o terceiro entendimento prevalece, senão vejamos:

“CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO. I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial. II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado." IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade. X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator” ( STJ - REsp: 564960 SC 2003/0107368-4, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 02/06/2005, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 13.06.2005 p. 331RDR vol. 34 p. 419)

Ademais, conforme explicita o art. 3º da Lei de Crimes Ambientais
“as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade”.

Desta feita, é clarividente a prevalência da terceira corrente na jurisprudência, bem como de forma acertada assim se estabeleceu.

No entanto, é impossível conceber a responsabilização do ente moral desvinculada da atuação de uma pessoa física, que atua com elemento subjetivo próprio, seja a título de dolo ou de culpa (MILARÉ, 2014).

Mesmo porque, por força do disposto no art. 3º, § único da Lei de Crimes Ambientais (“A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”), o delito praticado será sempre em coautoria necessária (MILARÉ, 2014). Ou seja, nunca uma pessoa jurídica será responsabilizada sem que também o seja uma pessoa física. Afinal, por trás de uma empresa há sempre uma pessoa física que tomou a iniciativa de poluir ou consentiu para tal fato criminoso.

Desta forma, nas palavras de Édis Milaré “o intento do legislador, como se vê, foi punir o criminoso certo e não apenas o mais humilde – ou o ‘pé de chinelo’ do jargão popular. Sim, porque via de regra o verdadeiro delinquente ecológico não é a pessoa física (...) mas a pessoa jurídica, que quase sempre busca o lucro como finalidade precípua, e para a qual pouco interessam os prejuízos a curto e longo prazos causados à coletividade, assim como a quem pouco importa se a saude da população venha a sofrer com a poluição”.

A proteção constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica se fazem importantes meios para se manter o ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana. Afinal, o direito a um meio ambiente equilibrado está intimamente ligado ao direito fundamental à vida e à proteção da dignidade da vida humana, garantindo, sobretudo, condições adequadas de qualidade de vida, protegendo a todos contra os abusos ambientais de qualquer natureza (THOMÉ, 2013).

Não obstante, há de se tecer certa crítica à Lei de Crimes Ambientais, no que concerne aos crimes nela previstos. A importância dos crimes ambientais é no sentido mais de se evitar que eles ocorram a realmente penalizar os criminosos. Aqui, o direito penal ambiental seria mais um meio coercitivo para que não ocorram os crimes. Isto porque, segundo o princípio penal da intervenção mínima ou da fragmentariedade, “o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos e forma menos gravosa”(PRADO, 2001).. Ou seja, o direito penal deve ser entendido como a ultima ratio.

Sendo assim, malgrado sua aplicação seja importante como meio coercitivo para que se garanta o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF), deve-se atentar que há alguns crimes (da Lei de Crimes Ambientais) desnecessários, os quais protegem tão- somente o estado em seu poder de polícia. Cite-se como exemplo o crime previsto no art. 55 da Lei, segundo o qual “executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão ou licença, ou em desacordo com a obtida”. Ora, ocorreria poluição com ou sem a licença ou permissão. Assim, entende-se aqui não haver necessidade de criminalizar determinada ação. Uma vez que o dispositivo está resguardando apenas o poder de polícia do Estado.


BIBLIOGRAFIA:

GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Responsabilidade da pessoa jurídica: princípio da dupla imputação . Disponível em http:// www.lfg.com.br - 09 de julho de 2010.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

Assuntos: Crimes Ambientais, Direito Administrativo, Direito Ambiental, Direito Empresarial, Direito Penal, Direito processual penal, Empresarial, Meio Ambiente

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