Origem do Trabalho Doméstico no Brasil

16/05/2012. Enviado por

O artigo refere-se a uma classe de trabalhadores denominados empregados domésticos, pois trata-se de uma categoria profissional composta por homens e mulheres, que sofreu bastante discriminação, desde os prelúdios da humanidade

ORIGEM DO TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL

No período da escravidão, índios e africanos eram usados como escravos, para a realização de atividades urbanas e rurais, bem como artesanato, agricultura, pecuária e também para o trabalho doméstico.

Não se tem uma época definida para o início da atividade doméstica no Brasil, pois derivada do período da escravidão, aos poucos foi ganhando respaldo na sociedade, através de normas que passaram a reger essa atividade. Atualmente, ainda não possuem os mesmos direitos que os demais empregados, mas aos poucos estão conquistando espaço e conquistas no âmbito trabalhista. 

1. Evolução histórica

No Brasil, desde a época colonial, a atividade doméstica era entendida como trabalho escravo, pelo qual faziam parte crianças, homens e mulheres “negras” (escravos embarcados na África), que exerciam funções como jardineiros, mucamas, amas de leite, costureiras, aias, pajens, cozinheiros, também cuidavam dos filhos dos senhores, transmitiam recados, serviam à mesa, recebiam as visitas e etc., nos casarões dos senhores de engenho, onde estes escolhiam aqueles que tivessem melhor aparência e que fosse mais forte e mais limpo. Suas jornadas de trabalho nunca eram inferiores á 18 horas diárias. Essas atividades não eram exercidas por pessoas de cor branca, pois na época esse tipo de trabalho era sinônimo de desonra, onde preferiam a morte a exercer qualquer atividade doméstica.

Tratava-se de pessoas sem condições financeiras, que exerciam aquele trabalho em troca de sobrevivência, pois era ali que se alimentavam com restos de comida, encontravam uma cama para suas poucas horas de descanso e ganhavam pouquíssimos trocados. Não podia ficar doentes, pois seus serviços eram prestados diariamente e, mesmo assim,  raramente conseguiam obter folga.

As mulheres, consideradas escravas do trabalho, mesmo sendo escolhidas, eram discriminadas, principalmente pela cor, onde predominava a negra, mas seus serviços eram indispensáveis para a família de seus senhores. Suas atividades não se limitavam ao trabalho doméstico exercendo também atribuições na esfera das relações pessoais e sociais, sendo assim totalmente subordinadas aos seus “patrões”, sendo obrigadas a suportar toda exploração que lhes fossem atribuídas, inclusive serem objetos sexuais do senhor e de seus filhos. Eram mulheres guerreiras e ainda impedidas de serem mães, porém sofridas, pobres, maltratadas pelas condições em que viviam, completamente exploradas em uma sociedade escravocrata e patriarcal.

Tratava-se de um período onde não se falava em dignidade da pessoa humana, sem direitos e sem garantias constitucionais, onde homens e mulheres, além das crianças, faziam trabalho forçado, sem limitações e sem poder correr atrás de melhores condições de vida, porque aquele trabalho era a única opção que restava para sobreviver e o pior, sem nenhum tipo de regulamentação.

Em busca de melhorias vitais, surgiram no Brasil os movimentos feministas, inspirados nas lutas européias, onde Nísia Floresta, pioneira do feminismo, foi uma das primeiras a agir como defensora em busca de igualdade pelas mulheres. Para Ihering (2006, p.27), é através da luta que se conquista direitos, onde se manifesta da seguinte maneira:

Todos os direitos da humanidade foram conquistados pela luta; seus princípios mais importantes tiveram de enfrentar os ataques daqueles que a eles se opunham; todo e qualquer direito; seja o de um povo, seja o direito dos indivíduos, só se afirma por uma disposição ininterrupta para a luta: O direito não é uma simples idéia é uma força viva.

De acordo com os historiadores, os direitos sociais foram conquistados através de lutas, onde interessados, no caso trabalhadores se ligavam em busca de negociações, caso necessário, entravam em greve, determinavam dissídios, faziam tudo para conquistar determinados direitos. No entanto, o trabalho doméstico sempre foi desprestigiado, isolado e por conta disso, permaneceram por muito tempo desamparados de quaisquer direitos.

2. O fim da escravidão e o início de conquistas para os empregados domésticos  

A primeira norma a ser aplicada aos empregados domésticos, foi a Lei de 13 de setembro de 1830, vigente antes da abolição da escravatura que tratava de contrato escrito sobre prestação de serviços feitos por brasileiros ou estrangeiros dentro ou fora do Império

Em 13 de maio de 1888, foi sancionada a Lei Áurea (Lei imperial nº 3.353), extinguindo a exploração da mão-de-obra escrava no Brasil, repercutindo tanto para homens como para mulheres. Diante disso, surgiu uma grande miséria, pois aquelas pessoas tratadas como escravas não tinham onde morar e nem terra para seu cultivo e foi aí que muitas delas decidiram permanecer com suas atividades, recebendo em troca, alimentação e local para repousar.

Passado alguns anos e com o fim da escravidão, a atividade doméstica passou a ser exercida por moças jovens, solteiras, filhas de pequenos agricultores, pobres e analfabetas, onde eram buscadas sempre no interior do Estado, pelos empregadores interessados para trabalhar no cultivo de suas terras nas cidades, até porque não eram mais tratadas como escravas mas eram pessoas completamente desqualificadas para o mercado de trabalho, ou seja, não tinham capacidade para serem inseridas em atividades como indústria e comércio e dessa forma, em busca de subsistência, trabalhavam em casas de família, recebendo em troca dos serviços prestados, alimentação, vestuário, moradia e pequenos valores, o que ajudava na renda familiar que era muito pouca diante de tantos dependentes que seus pais tinham.

Em 1891, a Constituição Republicana, começou a valorizar a mulher como cidadã de direitos e foi a primeira a assegurar o voto para a mesma, mas na época não era interpretada de forma adequada, pois o art. 70, refere-se a todos os cidadãos, termo este em que na época, cabia apenas aos homens, senão vejamos: “São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei”.

O Código Civil de 1916 – Lei nº 3.071, disciplinou a relação dos contratos trabalhistas relacionado a locação de serviços dos empregados, inclusive dos domésticos, sendo este aplicável  dentro das possibilidades.

O Decreto nº 16.107, de 30 de julho de 1923, aprova o regulamento de locação de serviços domésticos, onde traz todos os dispositivos necessários para atender as necessidades e interesses desses trabalhadores.

Em 1932, a mulher conseguiu efetivamente o direito do voto e, em seguida, surge a Legislação Trabalhista, regulamentando a proteção ao trabalho feminino, sendo criados clubes, ligas, associações, CPI e organizações em face dos direitos femininos.  

Com o fim da escravidão, aqueles que trabalhavam em casas de família, mudaram sua denominação, de escravo passaram a ser empregado doméstico. Em 1941, no dia 27 de fevereiro vigora o Decreto-Lei nº 3.078, conceituando de forma simples esses trabalhadores, disciplinado a locação dos serviços domésticos. Em 1943, com o Decreto-Lei nº 5.452, surge a Consolidação das Leis do Trabalho que em nada estipulou em relação aos direitos dessa categoria de trabalhadores. A partir de 1972, passaram a ter algum tipo de prerrogativas, deixando de serem totalmente desprotegidos e submissos aos desejos de seus superiores.  Em 11 de dezembro do referido ano, foi sancionada a Lei nº 5.859, dispondo sobre essa profissão, trazendo outro conceito diverso do citado e alguns direitos a ela inerente, são eles: benefícios e serviços da previdência social, férias anuais com o adicional de 1/3 a mais que o salário normal e carteira de trabalho. No ano de 1973, surge o Decreto nº 71.885 que regulamentava a Lei nº 5.859/72.

Em 1988, a Constituição Federal do Brasil, entra em vigor, sendo a Lei suprema até os dias atuais e em seu art. 7º, dentre muitos incisos, estipulou 9 referente a todos os trabalhadores inclusive aos empregados domésticos (IV: salário-mínimo;VI: irredutibilidade do salário; VIII: décimo terceiro salário; XV: repouso semanal remunerado; XVII: férias anual mais 1/3 do salário normal; XVIII: licença maternidade por 120 dias; XIX: licença paternidade; XXI: aviso prévio e XXIV:aposentadoria), onde foi a partir daí que essa categoria passou a ser mais valorizada no meio social, podendo vir a lutar por seus direitos, caso algum deles venha a ser violado.  Em 04 de outubro de 2000, surgiram as Resoluções 253 e 254, estabelecendo critérios e finalidades para a concessão do seguro-desemprego ao empregado doméstico. Já em 2001, a Lei nº. 10.208, traz dois amparos que são facultados ao empregador doméstico, trata-se do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS e do seguro-desemprego, devendo esta ocorrer conforme as referidas Resoluções; e em 2006, a Lei nº 11.324, traz outro amparo, sendo este obrigatório, é o direito à estabilidade à doméstica gestante, devendo ser utilizado por todos aqueles empregadores que firmam contrato de trabalho com alguém para trabalhar em seu âmbito residencial e para sua família. Esta também modificou dispositivos de algumas Leis e entre eles está a Lei nº 5.859/72, onde veda ao empregador doméstico efetuar descontos no salário de seu empregado, garantindo a este mais alguns direitos.

3. O Empregado doméstico nos dias atuais

Desde o período da escravidão, a atividade doméstica sempre foi essencial para muitas casas de família, porém trata-se de uma profissão que até nos dias atuais, observa-se com bastante nitidez a discriminação. Na maioria das vezes essa atividade é realizada por mulheres negras e pobres, que possuem baixo grau de escolaridade e informações e por conta disso, abrem mão de todos os direitos que lhes são cabíveis.

Atualmente, há cerca de 7 milhões de pessoas que exercem atividade doméstica, dentre as quais 95% são mulheres e destas, apenas 30%, trabalham de carteira assinada, o que é um descaso, tendo em vista ser um direito conquistado através do Decreto nº 71.885/73.

Pode-se dizer que os direitos que amparam aos domésticos, foram adquiridos no decorrer dos anos, de maneira bastante lenta, mas mesmo assim esse tempo foi insuficiente para que pudessem conquistar os demais direitos concedidos aos demais empregados.

Diferente do período colonial, nos dias de hoje, encontra-se uma grande quantidade de pessoas da cor branca, trabalhando como doméstica. O que antes era motivo de desonra, hoje é motivo de dignidade, onde trabalham para se manter e sustentar sua família, e em troca recebem como contraprestação um valor acordado entre este e seu empregador e de acordo com a CF/88, este valor não deve ser inferior a um salário mínimo, podendo ser pago em pecúnia (dinheiro) ou em espécie (moradia e alimentação).

Apesar de ainda haver inferioridade em relação aos direitos que não foram concedidos aos domésticos, vigora em nosso país o princípio da igualdade trazido também pela Carta Magna onde o tratamento para com as mulheres evoluiu, pois hoje são tratadas de forma igual, sem discriminação de raça, cor, religião e etc., podendo as mesmas constituir sua própria família, ter o seu próprio lar e ainda ser mãe, sem serem impedidas pelos seus próprio empregadores.

Tanto a mulher como o homem disputam seu espaço de trabalho, tornando extinta a regra de que este trabalha enquanto aquela toma conta do lar e da família. Atualmente, ambos tem o direito, ou melhor, o dever de correr atrás de alcançar os seus objetivos, de trabalhar, pois ambos são iguais perante a Lei. O número de mulheres no mercado de trabalho cada vez vem aumentando e assim, aumenta também a demanda por empregadas domésticas, pois pessoas que passam o dia fora do seu lar, tem a necessidade de alguém em sua casa, para cuidar, limpar, organizar, o que torna uma atividade essencial na vida de muitas famílias.

Com o passar do tempo, os empregados domésticos também passaram a terem suas exigências. Muitas famílias já estão buscando babás em outros países como Bolívia e Paraguai porque no Brasil muitos estão com dificuldades para realizar uma possível contratação, pois na maioria das vezes no ato da entrevista já informam ao contratante que não podem dormir no emprego, ou então trabalhar no final de semana ou no período da noite. Isso também ocorre devido a uma maior facilidade que os jovens estão encontrando de se qualificarem profissionalmente, de ter uma educação mais eficiente, buscando assim uma melhor qualidade de vida. Significa que a atividade doméstica começa a ficar em extinção. De acordo com José Pastore (2011, on-line),  “O Brasil caminha para a situação dos países avançados nos quais as empregadas domésticas são raras e caras”. 

O IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em maio de 2011 elaborou estudos e pesquisas sobre a atual situação das domésticas no Brasil, chegando à conclusão de que nos últimos 10 anos, o percentual em relação a quantidade de trabalhadoras domésticas que trabalham com carteira assinada, estão cada vez diminuindo, o que antes era 23,7% passou a ser 26,3%. Por ser uma atividade tão necessária para algumas pessoas, tanto na qualidade de empregador como na de empregado, o trabalho doméstico era pra ser desenvolvido conforme a Lei manda, para que assim houvesse benefício para ambas as partes da relação contratual.

Outro ponto importante também revelado na referida pesquisa trata-se da idade, pois a realidade nos dias atuais é a contratação de pessoas com idades mais elevadas para a prestação de serviços domésticos, tendo em vista o recuo dos jovens para exercer tal atividade e dessa forma, futuramente, com o aposento daqueles, haverá uma deficiência, uma grande escassez, pois com o surgimento de novas oportunidades ocupacionais para os jovens, a atividade doméstica, tende a minorar de forma drástica.

De acordo com a evolução das pessoas, muitas coisas tendem a mudar. Se atualmente, mesmo com um grau de analfabetismo, característica esta que faz parte da vida de muitos, para uma pessoa encontrar alguém que possa e que queira trabalhar em sua residência, está complicado, futuramente tudo se tornará mais difícil e será nessa época que os domésticos irão fazer falta na vida de muitos, tornando-se uma classe privilegiada, onde empregadores não terão como escapar e a única opção será de garantir e pactuar com seus empregados, todos os direitos que lhe são aderidos.

O empregado doméstico, dentre todas as espécies de empregados existentes, é o único que não possui regulamentação em sua jornada de trabalho, exercendo atividade laboral diário por tempo ilimitado, e como consequência disso, não tem direito à hora extra e adicional noturno. Outro ponto importante que não pode deixar de ser observado trata-se da organização sindical e negociação coletiva, onde o mesmo não faz jus e por conta disso não formam uma categoria econômica. Assim, aqueles interessados buscam os seus direitos de forma individual por não possuírem um sindicato que proporcione lutas em busca de melhores condições de trabalho e de conquistas.

Em junho de 2011, foi aprovada pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, a Convenção nº 189, em Genebra, com o objetivo de conceder aos domésticos, os mesmos direitos aderidos pelos demais trabalhadores. O governo brasileiro, demonstrando interesse pelo assunto afirma, que se a referida Convenção for ratificada, ele irá fazer parte do Tratado Internacional, o que geraria mudanças relevantes na legislação brasileira. 

Assuntos: Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direitos trabalhistas, Empregada doméstica, Trabalho

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