O direito do menor sob guarda à pensão por morte do segurado do INSS

23/01/2015. Enviado por

O presente trabalho objetiva analisar e demonstrar a ofensa da lei 9.528/97 a princípios de ordem constitucional, como o da proibição do retrocesso social, visando, por fim, demonstrar o direito do menor sob guarda ao benefício de pensão por morte.

Resumo: incalculáveis tem sido os prejuízos gerados com a exclusão do menor sob guarda do rol de dependentes previdenciários operada pela Lei 9.528/97, que deu nova redação ao artigo 16, § 2º da Lei previdenciária 8.213/91. Tal modificação foi operada com o fim de evitar fraudes ao sistema previdenciário, porém, a legislação reformadora confronta diretamente inúmeros princípios e normas constitucionais. Nesse contexto, o presente trabalho objetiva analisar e demonstrar a ofensa da lei revogadora a princípios de ordem constitucional, como o da proibição do retrocesso social, da isonomia e outros, visando, por fim, esclarecer, de forma objetiva, que o menor sob guarda tem direito à pensão por morte do segurado do INSS, diante da inconstitucionalidade da Lei 9.528/97. O presente artigo pretende ainda verificar e demonstrar o atual entendimento da jurisprudência pátria sobre o tema em estudo. O artigo está dividido em quatro seções. Na primeira seção faz-se uma abordagem de maneira geral sobre os dependentes do segurado do INSS. A seção seguinte aborda, de maneira resumida, como se deu a exclusão do menor sob guarda do rol de dependentes do segurado do INSS. Na terceira seção analisa-se e demonstra-se o entendimento atual de cada TRF e do STJ sobre o tema em estudo. Finalmente, na última seção, confronta-se o art. 2º da Lei 9.528/97 com os inúmeros princípios e normas constitucionais visando demonstrar sua inconstitucionalidade e, portanto, o direito do menor sob guarda a continuar figurando no rol de dependentes dos segurados do INSS. A investigação partiu da adoção do método hermenêutico de análise e interpretação, adotando o tipo de pesquisa de natureza exploratória com levantamento bibliográfica.

 

Palavras-chave: menor sob guarda; pensão por morte; artigo 2º da Lei n. 9.528/97; inconstitucionalidade.

 

1 Introdução

 

A inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Federal n. 9.528/97, especialmente no que toca à revogação parcial do §2º do art. 16 da Lei Federal n. 8.213/91, onde suprimiu do menor sob guarda o direito ao percebimento de pensão por morte. Ao excluir o menor sob guarda do rol de dependentes do segurado do INSS a Lei n. 9.528/97 simplesmente deixou desamparado, à margem da sociedade, e sem o mínimo necessário, inúmeras crianças e adolescentes que, por muitas vezes, já sofrem com a ausência de seus pais, de carinho e amor, passando a ter que sofrer, também, com a ausência de recurso material para sobreviver diante da norma preconceituosa prevista no artigo 2º da Lei n. 9.528/97. Sem saber o que fazer, os incontáveis menores abandonados pelos seus pais, pelo Estado Brasileiro – que se nega a prestar a devida assistência – e órfãos dos seus guardiões, acionaram o judiciário brasileiro visando, na justiça, ver seus direitos prevalecerem. Assim, além de demonstrar o atual entendimento da jurisprudência pátria sobre o tema em estudo, o presente artigo também tem como objetivo demonstrar que os menores sob guarda devem sim ser reconhecidos como dependentes do segurado do INSS, haja vista a evidente inconstitucionalidade da norma revogadora de parte do §2º do art. 16 da Lei Federal n. 8.213/91. Para tanto, elegeu-se como procedimento metodológico o de pesquisa de natureza exploratória, com levantamento bibliográfico, em especial na área do direito previdenciário e constitucional utilizando normas, livros e julgados sobre o tema.

 

2 Os dependentes do segurado do INSS

 

O que se pretende preliminarmente é tratar sobre os dependentes do segurado do INSS de maneira geral, possibilitando, assim, aprofundarmos no tema deste trabalho que envolve, em especial, o dependente menor sob guarda judicial.

Segundo o artigo 16 da Lei 8.213/91, são também considerados segurados em modalidade especial (isto é, sem contribuição) os dependentes dos segurados, os quais segundo o ditame legal fazem jus aos benefícios de pensão por morte, auxílio reclusão e a reabilitação profissional.

Ademais, não é qualquer dependente do segurado que será considerado dependente para fins previdenciário. A lei coaduna quem deve ser considerado dependente para fins de concessão de benefícios. Assim segundo a norma temos três castas ou classes de dependentes:

- Classe I: o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido;

- Classe II: os pais;

- Classe III: o irmão, não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido.

Os critérios para estabelecer a dependência para fins previdenciários são dois: Econômico e Familiar. Sendo que no caso dos dependentes de primeira classe, a dependência econômica é presumida, já para as demais classes deve se demonstrar o critério familiar e a dependência econômica existente entre segurado e dependente, contudo, tal dependência não necessita ser absoluta podendo ser parcial.

Inicialmente o legislador equiparou aos filhos os enteados, tutelados e menores sob guarda, onde todos eram considerados dependentes. Contudo, o menor sob guarda fora excluído da relação de dependência previdenciária pela Lei 9.528/97, fato este que vem causando grande danos sociais à uma classe que tanto necessitada do auxílio do Estado, motivo pelo qual a citação supressão é tema deste estudo.

No caso dos dependentes na modalidade companheiro(a), estes necessitam comprovar a união estável com segurado(a). Com a IN20/07 o INSS passou a tratar o dependente homossexual nas condições estabelecidas pelo artigo 16, I da Lei de Benefícios, desde que comprove a união homoafetiva com o segurado.

Pertinente é dizer que os dependentes de uma mesma classe concorrem em igualdade de condições. Todavia, havendo dependentes de uma classe, os dependentes da classe seguinte perdem o direito a receber pensão por morte ou auxílio reclusão.

 

3 A exclusão do menor sob guarda do rol de dependentes do segurado do INSS

 

A Consolidação das Leis da Previdência Social aprovada pelo Decreto nº 77.077, de 24.01.1976, e os demais diplomas que se lhe seguiram, sempre consideraram o menor sob guarda como dependente, para fins previdenciários, do guardião. Dizia o Decreto nº 77.077, de 1976:

 

Art. 13. Consideram-se dependentes do segurado, para os efeitos desta Consolidação:

I - a esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5 (cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos e as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas;

[...]

§ 2º - Equiparam-se aos filhos, nas condições do item I, mediante declaração escrita do segurado:

a) o enteado;

b) o menor que, por determinação judicial, se ache sob sua guarda;

c) menor que se ache sob sua tutela e não possua bens suficientes para o próprio sustento e educação.(Grifo nosso)

 

 

Idêntica proteção ao menor sob guarda judicial continuou sendo, depois, reconhecida pelo Decreto n° 89.312, de 23.01.1984, em seu art. 10, § 2º, "b", diga-se de passagem, tudo sempre em plena harmonia com a Lei n° 3.807, de 26.08.1960[3].

Em reforço a estes tradicionais preceitos, e neles inspirada, veio a Constituição de 1988, que, em seu art. 227, caput, e § 3º, incisos II e VI, estabeleceu o seguinte:

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...]

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

II - garantia de direitos previdenciários;

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de GUARDA, DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE órfão ou abandonado [...]. (Grifo nosso).

 

 

Regulamentando o Texto da Lei Maior, ao tratar sobre o instituto da guarda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, publicado em 13.07.1990, no seu art. 33, § 3º, dispôs:

Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.

[...].

§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. (Grifo nosso).

 

 

Na mesma linha da diretriz, que vinha desde a Lei n 3.807, de 1960, foi baixada a Lei n° 8.213, de 24.07.1991, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social, cujo art. 16, § 2º, em sua redação originária, estabelecia que:

 

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qual condição, menor de 21 anos ou inválido;

[...]

§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor, quepor determinação judicial, esteja sob a sua guardae o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação. (Grifo nosso)

 

 

Como se vê da transcrição, em sua redação primitiva, o art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91 se apresentava em perfeita harmonia com a Constituição Federal (art. 227, caput, e § 3º, incisos II e VI).

Entretanto, foi editada a Medida Provisória n° 1.523, de 11.10.1996 (DOU 14.10.1996), convertida, após treze sucessivas reedições, na Lei nº 9.528, de 10.12.1998, que, por sua vez, suprimiu o menor sob guarda do então §2º do artigo 16 da Lei n. 8.213/91.

Como visto, com a nova redação do art. 16, § 2º, da Lei n° 8.213/91, atribuída por força da Lei n° 9.528/97, o menor sob guarda judicial não mais foi incluído, como era antes, no rol de dependentes do segurado para fins de benefício previdenciário, gerando, assim, incontáveis ações judiciais, incluindo até mesmo ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal, onde se passou a discutir a constitucionalidade de tal supressão.

É sabido que um dos maiores fundamentos que serviu de base para a exclusão do menor sob guarda do rol de dependentes foram as inúmeras fraudes que a previdência vinha sofrendo no que se refere à concessão de benefícios a menores sob guarda.

O que acontecia era o seguinte, como o instituto da guarda não é revestido de muitas exigências, as crianças e adolescentes eram colocadas sob a guarda de um segurado com o único fim de assegurar o futuro recebimento da pensão por morte. Esta manobra acabava por transferir o ônus do sustento do menor, que é dos pais, para o Estado, causando, assim, prejuízos ao patrimônio público.

Assim, sem um estudo mais esmiuçado, bem como sem procurar outras soluções, decidiu-se, de uma maneira bem simples, retirar o menor sob guarda do rol de dependes do segurado do INSS, de modo a evitar a citadas fraudas.

 

4 Do atual entendimento jurisprudencial sobre o tema em estudo

 

A retirada do menor sob guarda do rol de dependentes do segurado do INSS gerou e ainda vem gerando grandes discussões nos Tribunais pátrios, bem como uma certa insegurança jurídica, pois ainda hoje, como veremos, não há uma solução pacífica para os menores que se socorrem do judiciário para ver garantido o direito à percepção de pensão por morte oriunda do óbito de seus guardiões.

É sabido que a matéria aqui pesquisada – pensão por morte ao menor sob guarda – localiza-se no ramo do direito previdenciário que, por sua vez, envolve a autarquia federal INSS que, portanto, desloca a competência para processar e julgar ações desta matéria para a justiça federal. Também é sabido que hoje a justiça federal brasileira é divida em cinco regiões, possuindo cada uma delas um tribunal regional federal.

Assim, para demonstrar o atual entendimento da jurisprudência pátria realizou-se, recentemente, pesquisas de julgados para se analisar e concluir qual entendimento de cada tribunal regional federal, visando, por fim, saber se os citados tribunais comungam do mesmo entendimento. Realizou-se ainda pesquisa do atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tribunal este que é superior aos citados TRF’s.

Pela ordem, comecemos pelo TRF1 que, em resumo, tem um atual entendimento sobre a matéria no sentido de que mesmo o óbito do segurado tendo ocorrido posteriormente à Lei n. 9.528/97 ao menor sob guarda assiste o direito ao benefício de pensão por morte, pois o entendimento que predomina na citada corte federal da 1ª região é de que a supressão do menor sob guarda ocasionada pela Medida Provisória n. 1.523/96 que posteriormente foi convertida na Lei n. 9.528/97 é inconstitucional, vejamos TRF1-AC 0029317-82.2007.4.01.9199/MG, p.37:

 

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO EM 03.12.2004, POSTERIOR À LEI Nº 9.528/97. MENOR SOB GUARDA. QUALIDADE DE DEPENDENTE. ART. 16, § 2º DA LEI 8.213/91 COM ALTERAÇÃO DADA PELA LEI Nº 9.528/97. INCOMPATIBILIDADE COM A CF/88. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. CORTE ESPECIAL.

[...] 2. Decisão da Eg. Corte Especial deste Tribunal, ao julgar a Arguição de Inconstitucionalidade na Remessa Oficial n. 1998.37.00.001311-0/MA, Relatora Des. Federal Assusete Magalhães, acolheu o pleito de arguição de inconstitucionalidade quanto à supressão da expressão "menor sob guarda por decisão judicial" do art. 16, §2º, da Lei 8.213 [...]. TRF-1 AC 0029317-82.2007.4.01.9199/MG, Rel. Des. Fed. Francisco de Assis Betti, Rel. Conv. Juiz Fed. Cleberson José Rocha, 2ª T., e-DJF1 p.37 de 09/09/2014. (Grifos originais)

 

 

Seguindo quase a mesma linda do TRF1, o TRF da 3ª Região também tem reconhecido, até os dias de hoje, o direito do menor sob guarda em receber o beneficio de pensão por morte do segurado do INSS, exigindo, tão somente, a comprovação da dependência econômica entre o menor e o segurado falecido, conforme se constata no julgado TRF3 0005981-83.2008.403.9999/SP de 22/09/2014:

 

AGRAVO LEGAL. JULGAMENTO POR DECISÃO MONOCRÁTICA. ART. 557, CAPUT DO CPC. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ÓBITO APÓS A LEI N° 9.528/97. POSSIBILIDADE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA. IMPROVIMENTO.

[...] 4. No caso dos autos, comprovado o óbito em 30.12.2002, qualidade de segurada da falecida, uma vez que recebia o benefício de aposentadoria por invalidez e a condição de dependente dos autores.

5. Assim, restam comprovados os pressupostos para a concessão do benefício de pensão por morte.

6. Como se vê, a decisão agravada resolveu de maneira fundamentada as questões discutidas na sede recursal, na esteira da orientação jurisprudencial já consolidada em nossas cortes superiores acerca da matéria. Agravo legal improvido. TRF3 0005981-83.2008.403.9999/SP, Rel. Valdeci dos Santos, 7ª turma, publicado em 22/09/2014. (Grifos originais)

 

 

No mesmo sentido é o atual entendimento do TRF da 4º Região que também garante ao menor sob guarda o direito à pensão por morte do instituidor do benefício, tendo como um dos seus principais fundamentos o de que a Lei n. 9.528/97 não revogou expressamente o §3º do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o qual confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários. Vejamos os fundamentos do TRF4, APELREEX 5003312-58.2012.404.7006 de 26/09/2014:

 

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE AVÓ. GUARDA DE MENOR. COMPROVAÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. QUALIDADE DE SEGURADO INCONTESTE. TUTELA ESPECÍFICA.

[...] 2. A Lei nº 9.528/97 não revogou expressamente o § 3º do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários.

3. Inconteste a qualidade de segurada e comprovada a dependência econômica, deve ser mantida a sentença que concedeu o benefício de pensão por morte de avó, a menor sob guarda.

[...] TRF4, APELREEX 5003312-58.2012.404.7006, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 26/09/2014. (Grifos originais)

 

 

Decisões desta natureza revelam que é necessária a apreciação da dependência econômica do menor em relação ao segurado, e que, estando provada a referida dependência é necessário que haja valoração ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente, de modo a não deixar que estes menores padeçam em suas necessidades básicas.

Em sentido contrário aos TRF’s das 1ª, 3ª e 4ª regiões o STJ tem entendimento consolidado no sentido de negar o direito ao beneficio ao menor sob guarda entendendo que prevalece a Lei previdenciária por ser norma de cunho especial. E mesmo tendo sido levantada a inconstitucionalidade da atual redação do artigo 16 § 3.º da Lei 8.213/91, argumentou que tal matéria somente pode ser discutida perante o Supremo Tribunal Federal (STF), vejamos o que diz a ementa do AgRg no Ag 1.347.407/PI:

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. MENOR SOB GUARDA.  EXCLUSÃO DO ROL DE DEPENDENTES. PREVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA SOBRE O ECA.

1. [...].

2. A alteração trazida pela Lei 9.528/1997, norma previdenciária de natureza específica, deve prevalecer sobre o disposto no art. 33, parágrafo 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Precedentes do STJ.

3. Agravo Regimental não provido. STJ. AgRg no Ag 1.347.407/PI (2010/0163327-0). Relator Min. Herman Benajamín. Julgado em 15/02/2011. (Grifos originais)

 

 

Ratificando o entendimento acima citado, em setembro de 2014, através do AgRg no Ag 1038727/MG a corte especial do STJ reafirmou que:

 

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA.

1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de ser indevida pensão por morte a menor sob guarda se o óbito do segurado tiver ocorrido sob a vigência da MP n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97. Precedentes.

2. Agravo regimental não provido. AgRg no Ag 1038727/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/09/2014, DJe 29/09/2014. (Grifos originais)

 

 

Acompanhando o entendimento do STJ os TRF’s das 2ª e 5ª Regiões passaram a negar provimento reiteradamente aos pedidos dos menores, senão vejamos o que aduz o TRF2 - AC - APELAÇÃO CÍVEL – 587081/RJ:

 

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. EXCLUSÃO. ROL DE DEPENDENTES. LEI 8.213/91, 16, § 2º. MEDIA PROVISÓRIA 1.523, DE 11/10/1996. LEI 9.528/97, DE 10/12/1997.LEI 8.069/13/07/1990 (ECA).

[...]

7. Ante o entendimento de que o artigo 33 do ECA não prevalece em relação à Previdência Social, quando o óbito do guardião ocorrer a partir de 14/10/96, data da entrada em vigor da Medida Provisória 1.523, o menor sob guarda, não tem direito ao benefício previdenciário de pensão por morte.

8. Apelação a que se nega provimento.TRF2 - AC - APELAÇÃO CÍVEL – 587081 Processo: 201302010062958/RJ – Segunda turma – data decisão 22/06/2014. (Grifos originais)

 

 

Também acompanhando o STJ o TRF5, através do REO570759/CE, p. 103, entende que:

 

[...]

2.  A matéria em questão já está pacificada nos Tribunais Superiores no sentido de que, após as alterações promovidas no art. 16, parágrafo 2º da Lei 8213/91 impostas pelas leis 9.032/95 e 9528/97 (essa última derivada das Medidas Provisórias de nºs 1.523/96 e 1.596/97) não é mais possível a concessão de pensão por morte ao menor sob guarda, devendo a obtenção do benefício se pautar pela lei em vigor da data do óbito, princípio do tempus regit actum.

3. Na hipótese, tendo ocorrido o óbito da segurada em 10.012013 já na vigência, portanto, da Lei n.º 9.528/97, o recorrente não tem direito à pensão por morte de seu avô.  Remessa oficial provida. TRF-5 Proc.: 00016742220144059999, REO570759/CE, Rel. Des. Fed. Manoel Erhardt, 1ª Turma, Publicação: DJE 31/07/2014 - Página 103.

 

 

Conforme se observa, não há uma posição pacífica sobre o tema nos tribunais pátrios, que muitas vezes decidem conforme as peculiaridades dos casos apresentados, ou seja, se há indicação no processo de que o menor efetivamente encontrava-se sob os cuidados e sob a dependência do segurado, as chances de que o beneficio seja concedido é maior. Ao contrário disto, verificada que a guarda teria sido transferida ao segurado, normalmente avô ou outro parente do menor, com o fim exclusivo de vir a receber a pensão, o tato dos julgadores indica que não haverá deferimento.

Contudo, como já dito pelo STJ, só quem poderá resolver, definitivamente, a presente discussão é o STF, tribunal competente para declarar a constitucionalidade ou não das leis, assim, para resolver esta grande insegurança, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, através de seu Conselho Federal, ingressou, dia 06 de janeiro deste ano (2014), junto ao STF, com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei 9.528/97 no que se refere à parte que veda aos menores sob guarda o direito à pensão junto ao INSS, recebendo, no STF, o n. 5083. A  ADI 5083 tem como relator o Ministro Dias Toffoli que, por sua vez, indeferiu o pedido liminar contido na ação, estando hoje a ação aguardando manifestação da AGU para seu devido andamento.

 

5 Da (in)constitucionalidade do art. 2º da Lei Federal n. 9.528/97

 

Ao revogar parcialmente o § 2º do artigo 16 da Lei federal n. 8.213/91, o artigo 2º da também Lei Federal n. 9.528/97, sem dúvida, feriu princípios e normas constitucionais, expressas e implícitas, motivo pelo qual até hoje existe grande insegurança jurídica, bem como grande divergência jurisprudencial sobre o tema, resultando, inclusive, no ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, como citado anteriormente.

Um dos inúmeros princípios violados pelo o artigo 2º da Lei Federal n. 9.528/97 é o princípio constitucional implícito da proibição do retrocesso social, decorrente do sistema constitucional vigente, designadamente de princípios e argumentos constitucionais, como o princípio da dignidade da pessoa humana[4], princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de diretos fundamentais[5], princípio da segurança jurídica[6], dentre outros (SARLET, 2004).

O artigo 2º da Lei Federal nº 9.528/97, que instituiu “indevido retrocesso no plano dos direitos fundamentais da criança e do adolescente”, viola o princípio acima citado porque a norma revogada bem atendia ao plexo de direitos fundamentais da criança e do adolescente, especialmente em seu garantismo de direitos previdenciários.

A norma revogadora (artigo 2º da Lei Federal nº 9.528/97) revela-se inconstitucional porque desnaturou situação jurídica de vantagem protetiva da criança e do adolescente.

Ora, a norma revogada colocava o menor sob guarda na qualidade dependente do segurado do INSS, isto é, apto a receber, no caso de morte do instituidor do benefício, pensão por morte, situação que, contudo, foi suprimida da ordem jurídica --- inconstitucionalmente --- pelo artigo 2º da Lei Federal nº 9.528/97, estando nessa supressão indevida de garantia previdenciária ao menor o objeto do juízo de inconstitucionalidade “in abstrato”.

O legislador infraconstitucional, no entanto, não observou que o princípio da proibição do retrocesso social impede e dá pela inconstitucionalidade de tais medidas, sobretudo quando suprimem níveis de dignidade humana, na dimensão do mínimo existencial, e de segurança social, cujos desideratos foram estabelecidos em concreção às elevadas tarefas constitucionais e convencionais estabelecidas nos artigos 227, caput, e § 3º, inciso II da CF,4 bem como do artigo 26 da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20.12.895[7], ratificada pelo Brasil em 24.09.1990.

A pensão por morte de segurado, garantida originariamente pela redação anterior da Lei Federal nº 8.213/91, ao menor sob guarda, era (e é!) direito previdenciário conquistado e garantido em face do inciso II do § 3º do 227 da Carta Maior, não podendo sofrer retrocessão na forma insculpida pela Lei Federal nº 9.528/97.

Nesse ponto, a norma revogada seguia a filosofia constitucional já concretizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) no seu artigo 33, § 3º6, e por ela reforçada em sede de legislação tipicamente previdenciária.

A doutrina do festejado constitucionalista Sarlet (2004, p. 98), nos dá luzes para compreensão desta tese. Diz o Constitucionalista gaúcho:

 

[...] a dignidade da pessoa humana não exige apenas uma proteção em face de atos de cunho retroativo [...], mas também não dispensa [...] uma proteção contra medidas retrocessivas, mas que não podem ser tidas como propriamente retroativas, já que não alcançam as figuras dos direitos adquiridos, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Basta lembrar aqui a possibilidade de o legislador, seja por meio de uma emenda constitucional, seja no plano legislativo, suprimir determinados conteúdos da Constituição ou revogar normas legais destinadas à regulamentação de dispositivos constitucionais, notadamente em matéria de direitos sociais, ainda que com efeitos meramente prospectivos. Com isso, deparamo-nos com a noção que tem sido ‘batizada’ pela doutrina [...] como proibição (ou vedação) de retrocesso [...].(Grifo nosso)

 

 

E, em ponto importante para este trabalho, afirma Sarlet (2004, p. 106):

 

[...] os defensores de uma proibição do retrocesso [...], sustentam que após sua concretização em nível infraconstitucional, os direitos fundamentais sociais assumem, simultaneamente, a condição de direitos subjetivos a determinadas prestações estatais e de uma garantia institucional, de tal sorte que não se encontram mais na (plena) esfera de disponibilidade do legislador, no sentido de que os direitos adquiridos não mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob pena de flagrante infração do princípio da proteção da confiança [...], que, de sua parte, implica a inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocamente venham a ameaçar o padrão de prestações já alcançado.

 

 

Outro princípio violado pelo o artigo 2º da Lei Federal n. 9.528/97 é o princípio constitucional da isonomia, previsto no artigo 5º, caput, CRF, eis que a criança sob guarda está na mesma posição jurídica que o filho, enteado, ou menor sob tutela e dependência econômica, não havendo razão legítima para a discriminação introduzida pela Lei revogadora, que fora desigualitária e anti-isonômica.

Não se justifica a discriminação de menores sob guarda, diante da reforma legislativa, até mesmo porque a Constituição Federal, no inciso VI do § 3º do artigo 227, elegeu a guarda como instrumento de política pública protetiva do menor.

Assim, se a lei deve incentivar o seu uso como determina o comando constitucional do inciso VI do § 3º do artigo 227 da CF, não pode a lei previdenciária, revogando disposição anterior que pressupunha a guarda como instrumento social de política-jurídica previdenciária, tomá-lo como desvalor aos fins de asseguramento de pensão previdenciária para crianças e adolescentes.

Neste diapasão, a doutrina traça ensinamentos:

 

[...] no texto da nossa Constituição, esse princípio é enunciado com referência à Lei – todos são iguais perante a Lei -, alguns juristas construíram uma diferença, porque a consideram importante, entre a igualdade na Lei e igualdade diante da Lei, a primeira tendo por destinatário precípuo o legislador, a quem seria vedado valer-se da Lei para fazer discriminações entre pessoas que mereçam idêntico tratamento; a segunda dirigida principalmente aos intérpretes/aplicadores da Lei, impedir-lhes-ia de concretizar enunciados jurídicos dando tratamento distinto a quem a Lei encarou como iguais. (DUARTE, 2008, p. 63).

 

 

E Moraes (2007, p.83) nos ensina:

 

A igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema, proclama.

 

 

Na prática, uma criança ou adolescente que se encontra sob guarda de um segurado, que além de assegurar a dependência econômica, também estabelece laços afetivos intrínsecos à família. Assim, com o óbito do segurado não é aceitável que o órgão previdenciário não conceda o benefício, uma vez presente todo o requisito de concessão, se o dependente já se encontrava na dependência do guardião.

Não se pode deixar de citar também neste trabalho o princípio da proteção integral, princípio este também ferido pela Lei Federal n. 9.528/97. O princípio da proteção integral tem sua origem na "Declaração dos Direitos da Criança", de 1959, aprovada, em 1989, pela "Convenção sobre os Direitos da Criança", que consagrou a "Doutrina da Proteção Integral", e o Brasil foi um dos Signatários daquela Convenção, obrigando-se, portanto, a respeitá-la.

Nessa linha de pensamento, a Constituição da República de 1988 antecipou-se à "Convenção Internacional dos Direitos da Criança", que somente veio a ser aprovada, passando assim, a integrar a categoria das normas jurídicas internas, em 20 de novembro de 1989, portanto, mais de um ano depois da Constituição.

A propósito, pedimos licença para transcrever as seguintes lições de Oliva (2006, p. 89):

 

A Constituição Federal de 1988, entretanto, aditando-se à proclamação da referida Convenção, adotou a Doutrina internacional da Proteção Integral, cuja origem remonta à Declaração dos Direitos da Criança, de 1959. No plano nacional, referida doutrina, a partir daí, deixou o campo teorético para transformar-se no Princípio da Proteção Integral, incorporando-se definitivamente ao ordenamento jurídico pátrio, em sede de norma constitucional. Referido princípio é expresso, principalmente, no art. 227 da Lei Fundamental, mas, depois, no plano infraconstitucional, foi solidificado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 

 

Demonstrando o cuidado que teve o constituinte com a proteção da criança e do adolescente Oliva (2006, p. 103), de forma clara e objetiva destaca:

 

Note-se que não é uma proteção qualquer que é assegurada à criança e ao adolescente pela Constituição Federal, pelo Estatuto já referido e por outras normas (inclusive convenções internacionais ratificadas) que conferem substância ao referido princípio: é uma proteção rotulada INTEGRAL. A adjetivação, na hipótese, não é aleatória e nem despropositada. Teve finalidade de realçar que essa especial proteção, que tem caráter de absoluta prioridade, deve ser total, completa, cabal, envolvendo, como agentes da sua efetivação, família, sociedade e Estado. Veja-se que referida proteção se espraia por todos os ramos do direito. (Grifo nosso)

 

 

Não se pode esquecer que os princípios, em especial os constitucionais, indubitavelmente, devem servir de norte a qualquer decisão judicial ou mesmo administrativa. Ocorre que, não poucas vezes, o legislador infraconstitucional e muitos operadores do direito não se atentam para a existência destes princípios, os quais não devem ser tratados como mera utopia, mas ao contrário, devem ser efetivamente observados e aplicados aos casos concretos

Por fim e por óbvio, a medida legislativa inaugurada pela Lei Federal nº 9.528/97 também fere de morte o art. 227, caput, e §3º, incisos II e VI da Carta Magna, haja vista que retira o benefício pensão por morte a todos os menores em idêntica situação de guarda para fins previdenciários.

Artifon (1999, p. 63), em artigo sobre os aspectos constitucionais da exclusão, da proteção previdenciária, do menor sob guarda judicial, aduz que:

 

O legislador constituinte, como se depreende da leitura do texto constitucional, procurou maximizar a tutela aos direitos individuais e sociais da criança e do adolescente, estabelecendo uma normatização genérica que deve servir de parâmetro e orientação para a atividade legislativa infraconstitucional, nos mais diversos ramos do direito, servindo de pressuposto para qualquer outra manifestação normativa que disponha sobre o assunto, de modo que o legislador ordinário, esmiuçando os preceitos e princípios insertos na Constituição Federal não pode dispor contrariamente a eles e nem limitar seu âmbito de incidência [...]. (Grifo nosso)

 

 

Uma vez em que se elabora normas contrárias ou limitadoras de preceitos constitucionais, não se pode ter outra concussão, salvo o raciocínio lógico de que tal norma é inconstitucional, como é o caso do artigo 2º da Lei Federal n. 9.528/97.

Ademais, conquanto o instituto da guarda possa eventualmente ser utilizado de maneira desvirtuada – como sustenta o INSS –, para o fim primordial de obtenção do benefício previdenciário, a restrição geral – no caso, com exclusão de todos os menores sob guarda judicial da proteção previdenciária –, não se apresenta como a melhor solução, pois deixa ao desamparo previdenciário inúmeras situações nas quais há dependência econômica merecedora da tutela previdenciária. Como destacam Rocha e Baltazar Júnior, na obra Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social (2006, p. 102):

 

De registrar, porém, que a guarda, como forma de colocação em família substituta que é, pressupõe a orfandade ou a perda do poder familiar pelos pais, não podendo ser entendida como tal a mera situação de dependência econômica com terceiro, como os avós, quando a criança vive com os pais.

 

 

Se eventuais fraudes há, devem ser combatidas pela fiscalização, pela polícia, pelo aparelho preventivo e repressivo que o ordenamento jurídico coloca à disposição do Estado, não com a discriminação odiosa efetuada pela legislação previdenciária ora discutida, que joga, ao desamparo, o menor acolhido no seio de uma família substituta.

Desse modo, a norma contida no art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91 – na redação dada pela Medida Provisória 1.523, de 11/10/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97 –, na parte em que exclui o menor sob guarda judicial da condição de dependente, colocando-o à margem da proteção previdenciária estatal, é e deve ser considerada inconstitucional, pois não se harmoniza com as garantias estabelecidas na Lei Maior, entre elas os inúmeros princípios constitucionais citados e o art. 227, caput, § 3º, II e VI, da Carta.

 

6 Considerações finais

 

Como exposto, haja vista que, nos termos do art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91, em sua redação originária, foi reconhecido ao menor sob guarda a qualidade de dependente do segurado do Regime Geral de Previdência Social, equiparando-o ao filho, e o fez com estrita observância aos preceitos estatuídos pela Constituição Federal no seu art. 227, que, a seu talante, colheu subsídios na legislação ordinária anterior, vigente, entre nós, há mais de meio século, bem como na "Convenção Internacional dos Direitos da Criança" ratificada pelo Brasil e 1989, temos que jamais poderia a lei ordinária posterior ter retrocedido para colocar o menor sob guarda fora da proteção previdenciária, ainda que a pretexto de contribuir para reverter o prejuízo que vinha tendo a Previdência Social com as supostas fraudes ocorridas no processo de guarda com a finalidade de se conseguir um benefício de pensão por morte.

Tal justificativa da Previdência Social não encontra respaldo na ordem constitucional vigente. Ao contrário, vilipendia nossa Carta Política, na parte em que assegura, em seu art. 227, até mesmo de forma redundante, "absoluta prioridade" à criança e ao adolescente, no atinente ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, e consagrar especialmente a garantia de direitos previdenciários.

Ora, sendo certo que mesmo na vigência do texto constitucional anterior, produzido durante uma ditadura, como entendem alguns, que não possuía preceito semelhante aos contidos no art. 227 da atual Constituição, o menor sob guarda sempre foi equiparado por lei ao filho do segurado, para fins de gozo de benefícios previdenciários, agora, evidentemente, no ambiente da "Constituição Cidadã", que se dizem potencializados os princípios democráticos e a República, não poderia o legislador modificar a legislação previdenciária, nesse ponto, malferindo inúmeros princípios constitucionais, como o da proteção integral à criança e ao adolescente, assegurado antes na "Convenção Internacional dos Direitos da Criança" aprovada entre nós e agora na Lei Maior, sob o pretexto de preservar a Previdência Social.

Não se pode olvidar, data máxima venia, segundo alega geralmente a defesa do INSS, que a alteração legislativa teve como objetivo combater o número elevado de benefícios concedidos pelo INSS em decorrência de guardas judiciais que não teriam adequada correlação com a realidade, tendo apenas o escopo de instituir pensão previdenciária para quem não faz jus ao benefício, num espetáculo desonesto de desvio de recursos públicos.

Todavia, a despeito de eventuais fraudes que possam ter sido praticadas para a obtenção de guardas não legítimas, deve ser seguida a linha de que não se pode perder de vista que existem muitas guardas que são legítimas, a pessoa obtém a guarda de um menor legitimamente, pois quer proteger, tem condições, acha que é justo e merecido. Mas, aquele menor que está legitimamente numa situação desta, será colocado numa vala comum porque existem fraudes? As fraudes devem ser combatidas pela fiscalização, pela polícia, pelo aparelho preventivo e repressivo que a legislação coloca à disposição da nossa sociedade.

Nessa linha de pensamento, certamente, a exclusão da proteção ao menor sob guarda, com base na alegação da prática de eventuais abusos ou fraudes, com certeza, constitui fundamento absolutamente insuficiente para afastar a eiva de inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Federal n. 9.528/97.

Além do mais que pode ser dito, pensamos que as teses agitadas pelo INSS terminariam por também legitimar eventual iniciativa legislativa destinada a excluir a companheira ou o companheiro, sejam homoafetivos ou não, do rol de beneficiários da pessoa do segurado do Regime Geral de Previdência Social, até porque iguais hipóteses de fraudes podem ser cometidas também com o propósito de contemplar situações jurídicas inexistentes, para fins de proteção de uniões estáveis inocorrentes no mundo fático.

Todavia, a prática reconhecida de fraudes pode constituir, isto sim, fundamento para a implementação de políticas públicas destinadas a coibi-las e jamais elemento suficiente para esvaziar de eficácia o texto constitucional, mediante inovação legislativa de legitimidade duvidosa, como é o caso da norma de que se cuida, que teve sua origem em medida provisória reeditada por treze sucessivas vezes, antes de sua conversão em lei.

Efetivamente, trata-se de discriminação feita pela lei de modo não razoável e em frontal desacato aos princípio constitucionais da proibição do retrocesso social e princípio da isonomia, principalmente se levadas em linha de consideração outras situações idênticas, no que tange ao fundamento para a concessão do benefício – menor sob guarda – , como é o caso dos tutelados do segurado ou dos filhos adotivos.

Portanto, aguarda-se e espera-se, ansiosamente, que a nossa maior corte, o Supremo Tribunal Federal, através da ADI 5083 ajuizada pela OAB, da de fato faça valer sua destinação e competência, guardando e fazendo prevalecer os preceitos constitucionais conquistados pelas crianças e adolescentes deste país, declarando, por fim, a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei n. 9.528/97 que revogou parcialmente o § 2º do artigo 16 da Lei federal n. 8.213/91.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ARTIFON, Danielle Perini. O MENOR SOB GUARDA E SUA EXCLUSÃO DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. Aspectos Constitucionais. Revista de Previdência Social 226/735. São Paulo. Setembro, 1999.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

 

______. Lei 8.069 de 13 de julho de1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

______. Lei 9.528 de 10 de dezembro de 1997.

 

______. Lei 8.213 de 24 de julho de 1991.

 

______. Decreto nº 77.077 de 1976.

   

______. TRF1 AC 0029317-82.2007.4.01.9199/MG, Rel. Desembargador federal Francisco de Assis Betti, Rel.Conv. Juiz federal Cleberson José Rocha (Conv.), Segunda Turma, e-DJF1 p.37 de 09/09/2014. Disponível em: http://www.trf1.jus.br/.  Acesso em: 29/09/2014.

 

______. TRF3 0005981-83.2008.403.9999/SP, Rel. Desembargador Valdecir dos Santos, Sétima Turma, publicado em 22/09/2014. Disponível em: http://www.trf3.jus.br/. Acesso em: 29/09/2014.

 

______. TRF4 APELREEX 5003312-58.2012.404.7006, Rel. Desembargador João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, juntado aos autos em 26/09/2014. Disponível em: http://www.trf4.jus.br/. Acesso em: 29/09/2014.

 

______.  Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 1.347.407 - PI (2010/0163327-0). Relator Min. Herman Benajamín. Julgado em 15/02/2011. Publicado em 16/03/2011. Disponível em http://www.stj.jus.br Acesso em: 29/09/2014.

 

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______. TRF2 AC – Apelação Cível – 587081 Processo: 201302010062958/RJ, Segunda Turma, data da decisão 22/06/2014. Disponível em: http://www.trf2.jus.br/.  Acesso em: 29/09/2014.

 

______. TRF5 REO570759/CE Processo: 00016742220144059999, Relator Desembargador Federal Manoel Erhardt, Primeira Turma, Julgado em 24/07/2014, publicação: DJe 31/07/2014 – Página 103. Disponível em: http://www.trf5.jus.br/. Acesso em: 29/09/2014.

 

DUARTE, Marina Vasques. Direito Previdenciário. 6 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008.

 

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Editora Atlas, 2007.

 

OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da Proteção Integral e Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil, São Paulo, LTR, 2006, pág. 89.

 

ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social: lei 8.213 de 24 de julho de 1991. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 102 .

 

SARLET, Ingo Wolfgang. Artigo A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: Dignidade da Pessoa Humana, Direitos Fundamentais e Proibição do Retrocesso Social no Direito Constitucional Brasileiro, p. 113/115, publicado no livro: Constituição e Segurança Jurídica – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence, Belo Horizonte, 2004, p. 85 a 129, obra coordenada pela Professora Carmem Lúcia Antunes Rocha, Ministra do STF.



[1] Advogado.  Acadêmica do Curso de Pós-Graduação em Direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário. E-mail: [email protected]

[2] Prof. Orientador Mestre em Direito pela Unisinos e Prof. do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário da Universidade de Santa Cruz do Sul. E-mail: [email protected]

[3] Lei orgânica da previdência social vigente à época.

[4] Previsto no artigo 3º, inciso III da CRF/88.

[5] Previsto no artigo 5º, §1º da CRF/88.

[6] Previsto no artigo 5º, caput da CRF/88.

[7] Ver artigo 5º, § 2º, da CF.

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