Direito das Pessoas Portadoras de Deficiência

22/07/2012. Enviado por

Conheça a história do advogado com visão monocular que obteve importante benefício de transporte gratuito e entenda os principais direitos dos portadores de deficiência

Cego de um olho ganha bilhete gratuito em SP

Advogado conseguiu na Justiça direito de não pagar ônibus e metrô; no Brasil, estimativa é que haja cerca de 100 mil pessoas com visão monocular

Domingo, 26 de Abril de 2011, 00h00

Paulo Saldaña

Em decisão inédita, a Justiça de São Paulo concedeu gratuidade no transporte público da capital paulista a uma pessoa porque ela enxerga com apenas um olho. Ao deferir um mandado de segurança, a 7.ª Vara da Fazenda Pública entendeu que a visão monocular é uma deficiência física - apesar de não estar na portaria municipal que lista as deficiências que dão direito ao bilhete único especial.

O advogado Jeverson de Almeida Kuroki, de 33 anos, não enxerga com o olho esquerdo desde os 5, por causa de uma deslocamento de retina seguido de infecção. "Não sei como é enxergar com os dois olhos e isso sempre me prejudicou." Depois de a Prefeitura negar sua solicitação do bilhete especial em fevereiro, Kuroki - que advogou em causa própria - decidiu entrar na Justiça no dia 28 de março. A medida foi concedida no dia seguinte. 

Na decisão, o juiz Emílio Migliano Neto entendeu que uma lei municipal de 1992 (n° 11.250), que fala em "deficiências" de modo genérico, sobrepõe-se à portaria que as especifica, deixando de fora a visão monocular. 

O advogado já está com o cartão que lhe dá direito a andar de graça de ônibus e metrô na capital paulista. Atualmente, cerca de 240 mil pessoas com deficiência têm o bilhete único especial. 

Polêmica. Classificar como deficiência física a pessoa com visão monocular - popularmente chamada de caolha - tem provocado um longo debate. "Eu mesmo só soube na faculdade que poderia me incluir nesse grupo. Nem os médicos com quem eu me consultei sabiam", explica Kuroki. Os questionamentos ficam em torno dos prejuízos que uma pessoa com visão de só um olho teria, o que legitimaria os benefícios.

O advogado ressalta os prejuízos. "Eu queria ser delegado e descobri que sou vetado em concursos."

A luta por direitos resultou na criação, em 2006, de uma Associação Brasileira dos Deficientes com Visão Monocular. O presidente, Elder Soares da Silva, de 25 anos, diz que o ideal é que haja reconhecimento em nível nacional da visão monocular como deficiência. "Existe um preconceito. As pessoas acham que deficiente é só o paraplégico ou quem tem cegueira total." Estima-se que haja no Brasil cerca de 100 mil pessoas com visão monocular.

A Procuradoria-Geral do Estado e a Advocacia-Geral da União já deram pareceres favoráveis à inclusão de visão monocular em cotas nos concursos públicos. O secretário municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, Marcos Belizário, disse que demandas desse tipo ainda não chegaram à secretaria. "Sempre buscamos ampliar o grupo de deficiências atendidas, mas com critérios. Não podemos fazer benesses com o dinheiro público."

Deficiência

JEVERSON DE ALMEIDA KUROKI
ADVOGADO
"Com apenas um olho, meu desgaste físico e mental é muito grande em atividades com o computador, por exemplo. Também não tenho noção de profundidade. Ainda bem que a Justiça nesse caso não foi cega"

Fonte:http://m.estadao.com.br/noticias/impresso,mobile,710703.htm

 

Aproveitando o conhecimento do Dr. Jeverson sobre o assunto, convidamos a participar de uma entrevista para o nosso portal, a fim de esclarecer quais são os principais benefícios a que os portadores de deficiência possuem:

MeuAdvogado: Quais foram os principais argumentos utilizados em sua ação?

Dr. Jeverson de Almeida Kuroki: No mandado de segurança procurei demonstrar ao Poder judiciário a enquadração da minha deficiência, visão monocular, na categoria de pessoas portadoras de necessidades especiais e para tanto utilizei todas as normas e princípios constantes no nosso ordenamento Jurídico, tendo como ponto de partida a Constituição Federal, principalmente nos artigos 1º, 5º e 244.

Em relação a nossa legislação infraconstitucional busquei as bases na Lei Federal 7.853/89, que dispõe sobre o apoio as pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a coordenadoria nacional para integração da pessoa portadora de deficiência, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.

Tal lei foi regulamentada pelo decreto 3.298/99, que estabelece, em suma, nos artigo 3º e 4º quais são as pessoas que se enquadram na condição de pessoas portadoras de necessidades especiais.

Empreguei a Súmulas 377 do Superior Tribunal de Justiça que estabelece: “que a visão monocular é razão para concorrer à vaga de deficiente”, além da Súmula 45 da Advocacia Geral da União e o parecer 23 da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

Outra fundamentação utilizada foi com base na Lei Municipal 11.250/92, que concede a gratuidade no transporte público aos portadores de deficiência física, na Cidade de São Paulo.

MeuAdvogado: Ao conquistar o direito de obter a gratuidade nos transportes públicos por conta de sua visão monocular, o Sr. acredita que poderá abrir novos precedentes para que outras pessoas com deficiências também conquistem direitos semelhantes?

Dr. Jeverson de Almeida Kuroki: Acredito que esse precedente irá contribuir para que outras pessoas portadoras de necessidades especiais busquem os seus direitos, que são muitas vezes negados pela administração pública.

MeuAdvogado: Um ponto polêmico, por você citado na própria entrevista ao jornal, faz menção à classificação de "deficiente físico" uma pessoa que possua visão monocular, a qual você cita ter tido conhecimento de que isto se classifica como deficiência somente na própria faculdade. Sendo assim, você avalia que há falta de apoio e incentivo às pessoas com deficiência no Brasil?

Dr. Jeverson de Almeida Kuroki: Apesar do crescimento das politicas públicas voltadas para as pessoas portadoras de necessidades especiais, principalmente a sua inclusão no mercado de trabalho, o Brasil está muito longe de possibilitar um efetivo incentivo ao portador de necessidades especiais, podemos citar como o exemplo a falta de acessibilidade a vários prédios públicos e falta de preparação e informações dos agentes públicos para se relacionarem com as pessoas portadoras de necessidades especiais.

MeuAdvogado: Como advogado e cidadão que briga por seus direitos, você já recebeu contato de clientes ou civis em situações parecidas que buscam obter benefícios por conta de suas deficiências?

Dr. Jeverson de Almeida Kuroki: Devido à divulgação do resultado positivo do Mandado de Segurança, recebi vários E-mails de pessoas portadoras de visão monocular buscando esclarecimentos e informações sobre como proceder para garantir todos os seus direitos previstos na nossa legislação.

MeuAdvogado: Dada a falta de informações sobre o assunto, o Sr. poderia citar outros benefícios que as pessoas deficientes têm direito, mas não os conhecem?

Dr. Jeverson de Almeida Kuroki: A nossa legislação contempla aos portadores de necessidades especiais, vários direitos e garantias, tais como: 

  • Constituição Federal, artigo 7º, XXXI, proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; 
  • Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida;
  • Lei 10.048/00 Dá prioridade de atendimento às pessoas portadoras de deficiência nas repartições públicas e concessionárias de serviços públicos;
  • Lei 10.098/00 Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida;
  • A Lei nº 8.112/90, no artigo 5º, assegura até 20% dos cargos e empregos públicos, providos por meio de concurso público, para as pessoas com deficiência;
  • A Lei nº 8.213/91 introduziu a reserva de mercado para as empresas privadas, a chamada lei das cotas, assim sendo a empresa com cem ou mais funcionários é obrigada a preencher de 2% a 5% de cargos com pessoas reabilitadas ou portadoras de deficiência;
  • A Lei n° 8.899/94 - concede passe livre aos portadores de deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual. O benefício é concedido junto ao Ministério dos Transportes;
  • Isenções de ICMS e IPI para veículos destinados a uso de paraplégicos ou de PPD;
  • Lei n° 8.383/91 - Isenção de IOF para as operações de financiamento de automóveis de passageiros de fabricação nacional;
  • Lei nº 8.687/93 - Isenção do Imposto de Renda pelos benefícios auferidos pelos deficientes mentais e deduções com aparelhos, materiais e despesas;
  • Lei nº 4.024/61 - diz que a educação de excepcionais deve no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade, e que toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções;
  • Lei nº 5.692/71 - que trata do ensino de 1º e 2º graus, diz que os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais devem receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos conselhos de educação;
  • O artigo 13 do Estatuído do Torcedor garante a pessoa com deficiência a acessibilidade aos estádios;
  • Lei municipal de São Paulo 11.250/92, que concede a gratuidade no transporte público aos portadores de deficiência física.

MeuAdvogado: Há algum tipo de cadastro ou documento em especial que o deficiente deve portar para obter esses benefícios?

Dr. Jeverson de Almeida Kuroki: Não existe um documento único ou cadastro que possibilite ao portador de deficiência exercer todos os seus direitos. Há documentos específicos que garantem aos portadores de necessidades especiais a utilização de certos benefícios, como por exemplo, o bilhete Único Especial, no município de São Paulo, que concede a gratuidade nos transportes públicos.

MeuAdvogado: São constantes as reclamações que vemos das pessoas deficientes com relação à acessibilidade, comunicação e informação que os auxilie em lugares públicos. Nessa situação, o que o deficiente pode fazer, caso sinta-se prejudicado? 

Dr. Jeverson de Almeida Kuroki: Primeiramente deverá documentar o ocorrido, como por exemplo, tirando foto do prédio público que não possua acesso às pessoas portadoras de deficiência, em especial aos cadeirantes. Procurar os órgãos públicos e fazer as suas reclamações, pois há, atualmente, Secretarias voltadas para as pessoas com deficiências. Buscar os serviços de um advogado para defender os seus direitos judicialmente, solicitar a intervenção do Ministério Público visando à defesa de defesa de interesses difusos e coletivos ligados às pessoas portadoras de deficiência, como disciplina os arts. 3º e 5º da Lei n. 7.853/89.

MeuAdvogado: Para encerrar, o Sr. acredita que o Brasil está avançando no sentido de proporcionar às pessoas deficientes condições adequadas de exercer sua cidadania? Ou o Sr. acredita que o deficiente ainda é tratado com grande descaso?

Dr. Jeverson de Almeida Kuroki: Acredito que o Brasil está caminhando para garantir aos portadores de necessidades especiais condições para desenvolver a sua vida com dignidade, com inclusão no mercado de trabalho, acesso a educação e saúde de qualidade e acessibilidade a locais públicos. Mas há, ainda, muito trabalho pela frente para que chegue ao dia que não será mais necessário que as pessoas com deficiência sejam obrigadas a recorrer ao Judiciário para garantir o pleno exercício dos seus direitos.

O Dr. Jeverson de Almeida Kuroki é advogado atuante em São Paulo/SP e atua nas áreas de Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito do Trabalho, Direitos Humanos, Direito Processual Civil.

Assuntos: Benefícios para deficiente, Direito previdenciário, Direito processual civil, Pensão por deficiência, Previdência

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