Dano moral pelo protesto de cheque

08/05/2012. Enviado por

O protesto de cheque é abuso de direito que gera o dever de indenizar, especialmente se o protesto ocorrer depois do prazo de apresentação

Está previsto na Lei do Cheque Lei  (lei n° 7.357/85)

Art. 47 – pode o portador promover a execução do cheque:

I - contra o emitente e seu avalista;

II - contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e a recusa de pagamento é comprovada pelo protesto ou_por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque., com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.

§ 1° - Qualquer das declarações previstas neste artigo dispensa o protesto e produz os efeitos deste. (grifo nosso)

Ao contrário dos demais títulos de crédito (nota promissória, duplicata, e etc.), o cheque independe de protesto para adquirir a executividade.

Foi instituído desta maneira, uma vez que quando não havia ainda os institutos de crédito moderno, como o cartão de crédito, tendo como finalidade ser um título capaz de circular, rapidamente, e para tanto recebeu a abstração quanto ao negócio de origem, e a pronta executividade, dando mais segurança e efetividade jurídica.

Ocorre que é prática comum o protesto deste título, o que vem levantando sérias discussões doutrinárias e jurisprudenciais, pois, uma vez que já dotado de executividade, para que se valeria o credor do protesto?

Grande parte do entendimento jurídico passou a enxergar essa atitude como uma vingança privada, onde o credor visando provocar uma agressão no devedor, usava do instituto para atingir seu direito de personalidade, o nome, malucando-o e trazendo sérios transtornos materiais e morais ao inadimplente.

A jurisprudência e a doutrina enquadraram tal comportamento como um ato ilícito, mais especificamente como um Abuso de Direito, uma vez que a parte exercendo de uma faculdade que a lei lhe concede, ela excede e com isso traz um dano para alguém:

Tendo em vista que o Estado trouxe para si a incumbência de solucionar os conflitos de interesse, e vedou a prática da autotutela, exceto casos expressamente previstos, sendo inclusive criado uma figura criminal para tanto, “exercício arbitrários das próprias razões”, muitos juízes passaram a condenar a prática de protesto de cheque, obrigando o credor a indenizar o devedor por danos morais e materiais, uma vez que o recurso correto seria a execução direta ao invés do prévio protesto.

Não convence a tese de que há títulos de valores ínfimos, os quais tornam inviáveis a movimentação da máquina judiciária vez que onerosa.

Rebatem tal crítica os defensores da possibilidade de indenização por protesto, alegando que o Estado fornece a Justiça Gratuita para os que não podem suportar as custas e há o Juizado Especial Civil, que independe de advogado para instauração de processos, além de ser também gratuito, desde que respeitado o valor máximo em lei previsto.

Diante de fervorosa discussão, pacificou-se a doutrina e a jurisprudência que o protesto de cheque fora do prazo de apresentação é vedado pela ordem jurídica e gera direito a indenização, tendo como fundamento o art. 48 a Lei do Cheque:

Art . 48  -  O protesto ou as declarações do artigo anterior devem fazer-se no lugar de pagamento ou do domicílio do emitente, antes da expiração do prazo de apresentação. Se esta ocorrer no último dia do prazo, o protesto ou as declarações podem fazer-se no primeiro dia útil seguinte. (grifo nosso)

O prazo de apresentação do cheque é de 30 dias, a contar da data de emissão, para os cheques emitidos na mesma praça do banco sacado; e de 60 dias para os cheques emitidos em outra praça.

Passado tal prazo o cheque perderia sua qualidade como título cambiário, sendo ilegítimo seu protesto.

Nesse sentido:

"O protesto deve ser feito antes de expirado o prazo para a apresentação do cheque, por lei taxativamente fixado em 30 dias, a contar da data de sua emissão, em se tratando de cheque para ser pago na mesma praça, ou de 60 dias, quando para pagamento em praça diferente."(MARTINS, F. Títulos de Crédito. 9ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1995. vol. ll, p.141.). (grifo nosso)

"Estabelece a lei que o cheque sem fundos deve ser protestado durante o prazo de apresentação. Desse modo, se é título da mesma praça, o credor deve encaminhá-lo ao cartório de protesto, nos 30 dias seguintes ao saque; se de praças diferentes, nos 60. (COELHO, F.U. Curso de Direito Comercial, 5a ed. rev., São Paulo, Saraiva, 2001, vol. 1, p. 439.) (grifo nosso).

CAMBIAL - Cheques - Ação declaratória de inexigibilidade - Alegação de que foram emitidos em caução de compra de mercadorias não demonstrada - Ordem de pagamento a vista não desvirtuada - Recurso parcialmente provido - Sentença parcialmente reformada. PROTESTO - Cheque Prescrito Inadmissibilidade - Inteligência do artigo 33 da Lei n° 7.357/85 - Cancelamento determinado - Titulo que, outrossim, ainda pode ser cobrado, nos termos do art 1.102a, do CPC - Recurso parcialmente provido      Sentença parcialmente reformada (TJSP ; Apelação 7163857800, Relator Ademir Benedito, 21 a Câmara de Direito Privado, Julgamento em 05/11/2008). (grifo nosso)

O PROTESTO DE CHEQUE PRESCRITO É INDEVIDO. TAL PRESCRIÇÃO REFERE-SE À PERDA DA FORÇA EXECUTIVA DO CHEQUE. (TJSP; Apelação 7014744300, Relator Euripedes Gomes Faim Filho, 19a Câmara de Direito Privado, Julgamento em 29/08/2008) (grifo nosso).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECLARATÓRIA  DE PRESCRIÇÃO     CAMBIAL C.C. CANCELAMENTO DE PROTESTOS PRETENSÃO DE MODIFICAR A DECISÃO QUE,  RECONSIDERANDO ANTERIORMENTE  LIMINAR CONCEDIDA      PARA DETERMINAR A EXCLUSÃO DO NOME DO AGRAVANTE DOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO, DETERMINOU A REMESSA DOS AUTOS AO SETOR DE CONCILIAÇÃO, SOB A FUNDAMENTAÇÃO DE QUE O ART. 206, § 3* VIII DO CC/2002 NÃO TEM APLICAÇÃO RETROATIVA ACOLHIMENTO - Assiste razão ao agravante e, por isso, deve ser reformada a decisão questionada, mas por fundamento legal diverso daquele constante no decisume nas razões recursais do agravante. In casu, tem aplicação a lei especial, ou seja, a hipótese deve ter as balizas jurídicas da Lei do Cheque (Iex specialis derogat general i). Assim, à vista dos artigos 33, 47 § 3g, 48, 59 e 61, todos da Lei n. 7.357/85, e diante da superação do prazo prescricional, não há se falar em protesto da cártula e tampouco manutenção do nome do agravante junto aos cadastros de restrição ao crédito. Decisão reformada. Recurso provido (T JSP; Agravo de Instrumento 7158890000, Relator Walter Fonseca, 24a Câmara de Direito Privado, Julgamento em 06/03/2008) (grifo nosso).

D' outro prisma, no que tange a indenização pelos danos morais e materiais causados pelo autor do protesto, patente está sua obrigação, pois, conforme já demonstrado acima, sua atitude teve caráter nitidamente coativa, porque injustificada, estando patente a má-fé e consequentemente o abuso de direito.

Assim disciplina o art. 187 do Código Civil:

Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelo bons costumes

Por ser um ato abusivo de direito, a responsabilidade pela indenização é objetiva, ou seja, independentemente da necessidade de provação ou não da má-fé, basta que se comprove o protesto do cheque fora do prazo, conforme aponta César Fiuza:

"O abuso de direito ocorre, quando uma pessoa, ao exercer direito legítimo, excede os limites impostos por seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelo bons costumes.

( ... )

Muito embora em alguns casos seja importante a comprovação da má-fé de quem pratica ato abusivo, esta não é essencial para a configuração do abuso de direito. Seus requisitos são objetivos: basta exceder os limites impostos, pelos fins econômicos ou sociais do direito, pela boa-fé (conduta adequada), ou pelos bons costumes para se estar praticando o abuso ( ... )." (Fiuza, C. Direito Civil.11 a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 254.)

Portanto surge para o credor a obrigação de indenizar todo o dano moral e material sofrido pelo devedor.

Seguindo este entendimento a Jurisprudência:

CONSUMIDOR. CHEQUE. PROTESTO APÓS O PRAZO DE APRESENTAÇÃO. PROTESTO APÓS PRESCRIÇÃO. ATO ILEGAL. DANO MORAL CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. A chamada Lei do Cheque (art. 33 e 48) dispôs sobre o prazo para que o credor tire o protesto do título: antes da expiração do prazo de apresentação (art. 30 da mesma lei - 30 dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago e 60 dias quando emitido em outro lugar do país ou exterior). A Lei n. 9.492/97 não revogou aquela parte da Lei do Cheque. De qualquer modo, entendo que a prescrição também se operou antes do protesto. Como ressaltado no recurso, entre o tempo de protocolo do título no Cartório de Protestos e a lavratura do ato, havia se operado a prescrição do cheque. Importante salientar que o protesto é um ato cambiário. A imposição da Lei do Cheque de um prazo para sua realização atende à função cambiaria do cheque, caracterizando-se a mora do devedor no pagamento do título. Dano moral caracterizado. Indenização lixada em R$ 2.000,00 (dois mil reais). Sentença reformada. Recurso provido (T JSP; Apelação 7047137900, Relator Alexandre David Malfatti, 19a Câmara de Direito Privado, Julgamento em 17/10/2008). (grifo nosso).

SENTENÇA. JULGAMENTO ANTECIPADO. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. A análise dos temas colocados na demanda que não exigia a realização da prova testemunhal. A sentença concluiu pela Ilegalidade dos títulos e da própria cobrança. Pretensão de anulação da sentença afastada. CHEQUE PRESCRITO. INVIABILIDADE DO PROTESTO. TÍTULO EMITIDO HÁ MAIS DE DOIS ANOS. DANO MORAL RECONHECIDO. PERDA DA FORÇA EXECUTIVA. PERDA DA NATUREZA CAMBIARIA. CHEQUE QUE SERVE COMO PROVA ESCRITA DE DÍVIDA, ENQUANTO NÃO PRESCRITA A OBRIGAÇÃO. RECONVENÇÃO PROCEDENTE. A chamada Lei do Cheque dispôs sobre o prazo para que o credor tire o protesto do título: antes da expiração do prazo de apresentação (art. 30 da mesma lei - 30 dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago e 60 dias, quando emitido em outro lugar do país ou exterior). Emitido há mais de dois anos, o cheque perdeu sua força executiva (atributo processual, artigo 59 da Lei n. 7.357/85) e também, sua força cambial (atributo de direito material, artigo 61 da lei n. 7.357/85). A situação criada pelo réu caracterizou dano moral passível de indenização. Apesar disso, como documento (prova escrita) de uma dívida, poderia ter sua validade discutida. Ou seja, afetado pela prescrição e pela perda da natureza cambial, o cheque não deixou de retratar um documento particular prometendo o pagamento de uma quantia em dinheiro. Responsabilidade da autora reconhecida. Reconvenção procedente. Sentença parcialmente reformada. Recurso da autora parcialmente provido (TJSP, Apelação 1146736400, Relator Alexandre David Malfatti). (grifo nosso).

O devedor que se sentir lesionado pelo protesto de um cheque, pode procurar a Justiça, buscando a retirado do seu nome do protesto e uma indenização por danos morais e materiais, o qual independe de prova da lesão (responsabilidade objetiva), especialmente se o protesto ocorrer após o transcurso do prazo de apresentação.

Assuntos: Cheque, Consumidor, Danos morais, Direito do consumidor, Direito processual civil, Pagamento, Protesto de título

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