A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação à EIRELI

07/03/2014. Enviado por

Com a instituição do novo Código Civil, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve previsão expressa no artigo 50 do referido Código, logo, as regras postas na legislação para a sociedade limitada aplicam-se supletivamente à EIRELI.

Resumo

A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, ou simplesmente EIRELI, foi criada pela Lei 12.441/11, que permitiu a separação do patrimônio pessoal do empresário individual dos bens do empreendedor. Assim, tal instituto pode ser considerado um ente jurídico personalizado e não uma sociedade, haja vista o patrimônio da EIRELI que responde pelas dívidas da pessoa jurídica e não será confundido com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, vedado, portanto, o risco de desconsideração da personalidade jurídica, garantindo-lhe uma autonomia patrimonial. Neste diapasão, a EIRELI trouxe importantes alterações ao Código Civil de 2002, como a inclusão da espécie de gênero das pessoas jurídicas de direito privado, com patrimônio destinado ao exercício da atividade. Neste sentido, quanto ao patrimônio social da empresa, a EIRELI tem como titular uma única pessoa, a qual deverá integralizar todo o capital social, estando a desconsideração da personalidade jurídica ligada ao abuso da autonomia e independência da entidade para praticar atos ilícitos. Com a instituição do novo Código Civil, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve previsão expressa no artigo 50 do referido Código, logo, as regras postas na legislação para a sociedade limitada aplicam-se supletivamente à EIRELI. Apesar da inovação da EIRELI no ordenamento pátrio quando de sua instituição, não há, no entanto, no ordenamento jurídico nacional, jurisprudência firmada sobre a aplicação desta teoria à EIRELI, há apenas construções doutrinárias acerca do tema.

 

Palavras-chave: Empresa Individual de Responsabilidade Limitada; Natureza jurídica; Origem; Teoria da desconsideração da personalidade jurídica; Aplicabilidade.

 
 
1 INTRODUÇÃO

O estudo da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) tem como ponto central a análise de uma atividade empresária comum em nossa sociedade, cujo objetivo é preservar o desenvolvimento da atividade econômica, dando seguimento às atividades empresariais.

Com a entrada em vigor da Lei 12.441/11 (BRASIL, 2011), o ordenamento jurídico brasileiro passou a prever nova forma para se exercer a empresa, qual seja: a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI).

A EIRELI, conforme será explanado nos capítulos seguintes, é uma empresa individual de responsabilidade limitada constituída por uma única pessoa, sendo esta titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado. No entanto, tal capital social não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Logo, o titular não responderá com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa.

O presente artigo tem como finalidade o estudo do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica relacionando a sua aplicação a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), haja vista apesar da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica ter sido positivada no Código Civil de 2002, tal tema ainda causa bastante discussão no meio jurídico pátrio quanto a sua aplicação a EIRELI.

Outro ponto que merece destaque, acerca do estudo da EIRELI, refere-se a sua natureza jurídica, em que pese entendimentos em contrário, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada pode ser considerada como uma pessoa jurídica sui generis, em virtude dos estudiosos do direito não chegarem a um consenso acerca de sua natureza jurídica.

De um modo geral, os estudiosos do Direito criaram duas correntes doutrinárias, a primeira classifica a EIRELI como uma sociedade unipessoal, já a segunda apresentada o instituto como uma nova pessoa jurídica.

Convém ressaltar, ser mais correto enquadrar a EIRELE como uma nova pessoa jurídica, tendo em vista que a própria conceituação de sociedade não poder ser aplicada a uma empresa constituída apenas por um só indivíduo, haja vista a sociedade ser caracterizada tanto no Direito Civil quanto no Direito Empresarial, como uma reunião de pessoas que somam recursos para um fim lícito de interesse comum.

Com a sanção em lei e consequente vigência do Código Civil de 2002, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica passou a ser regulamentado no artigo 50 deste Código.

Apesar da EIRELI garantir a distinção entre o patrimônio do empresário e o patrimônio social da empresa, Existem, todavia, exceções a esta regra, como a má gestão tributária ou trabalhista, onde pode ocorrer o que se chama de “desconsideração da personalidade jurídica”, sempre que evidenciada a má-fé gerencial.

Neste diapasão, quanto a desconsideração da personalidade jurídica aplicada ao presente instituto, caso o empresário se enquadre em algum caso em que se permita a aplicação deste, aquele poderá ter seu patrimônio afetado por dívidas oriundas da empresa.

No transcorrer do artigo, outros vertentes serão apresentadas acerca do tema proposto. Busca-se com o presente estudo, elencar conceitos, características e aspectos primordiais do instituto da EIRELI, como o seu surgimento, objeto, natureza jurídica, características, e aspectos ligados à proteção do seu patrimônio dando enfoque para a análise da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica a este tipo societário.

Na verdade, com a criação e instituição da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), o Estado defende e estimula um novo despertar de novos empreendedores, instigando os empresários que estão em situação de informalidade ou de irregularidade a formalizar sua empresa, regularizando os negócios, evitando, desta forma, fraudes, e consequentemente, gerando benefícios socioeconômicos para a população, fortalecendo, assim, a economia do país.

 

2        SURGIMENTO DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI) NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
 
Para o surgimento da Lei 12.441/11 (BRASIL, 2011) e consequente implantação da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) muitos foram os esforços e debates.

Pesquisadores e juristas, durante muitos anos, defenderam e analisaram a sua utilização e implantação no Brasil, quando restava evidente o seu sucesso em outros sistemas e ordenamentos jurídicos, nos quais havia sido aplicada em termos idênticos ou semelhantes.

Somente no ano de 2009 surgiram, concretamente, perante o Congresso Nacional, através da Câmara dos Deputados, dois projetos de lei propondo a criação da tão almejada empresa individual de responsabilidade limitada, ou, à época, o chamado “empresário individual com responsabilidade limitada”, a “sociedade unipessoal” ou o “empreendedor individual”. O primeiro e principal projeto foi o de nº. 4.605/2009 de autoria do Deputado Marcos Montes, e o segundo, não menos importante, que tramitou apenso ao anteriormente citado, foi o de nº. 4.953/2009, de autoria do Deputado Eduardo Sciarra.

O autor do Projeto de Lei 4.605/09 (BRASIL, 2009), em discurso proferido em 10/08/2011 (MONTES, 2011) aduziu que:

A constituição da EIRELI visa reduzir a burocracia, e pôr um fim à figura do “laranja” na constituição da empresa, uma vez que é patente na sociedade brasileira a presença de sociedades limitadas fraudulentas, onde um dos sócios detém um valor ínfimo de quotas, no intuito apenas de colaborar para que o outro sócio, o majoritário, possa adquirir para a sociedade a condição de limitada, resguardando assim os seus bens pessoais, separando-os do patrimônio da pessoa jurídica, em termos de responsabilidade, e atuando, em verdade, como empresário individual.

Para o deputado Montes, o objetivo seria a criação de uma pessoa jurídica individual com responsabilidade limitada, objetivando combater e reduzir fraudes ao sistema societário, que são grandes causadoras de entraves e burocracia ao longo dos anos para as sociedades e seus sócios, acarretando o retrocesso da sociedade e da economia do país.

A justificativa para propositura e aprovação do projeto de Lei nº 4.605/2009 foi baseada na instituição da EIRELI para extinguir as sociedades “faz de conta”, além de trazer desenvolvimento econômico, melhorias sociais e estatais, com o consequente aumento na arrecadação de impostos.

Em consonância com o projeto principal, a justificativa do projeto de Lei 4.935/2009, de autoria do Deputado Eduardo Sciarra, foi fundamentada no sucesso do tipo jurídico em outros países de forma notória e inconteste.

O Projeto de lei nº 4.605/09 (BRASIL, 2009) foi sancionado dentro do prazo regimental pela Presidente Dilma Roussef no dia 11 de julho de 2011.

Houve veto parcial ao Projeto, por sugestão do Ministério do Trabalho, apenas para dele excluir o § 4º do art. 980-A do Código Civil.

Conforme Cardoso (2012, p. 81):

A motivação do veto partiu do princípio de que a expressão “o patrimônio social da empresa não se confunde em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui” poderia gerar divergências principalmente na possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, que desconstitui tal personalidade sempre que, por decisão judicial, verificar a ocorrência de fraude caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

De fato, a motivação deveria apenas não mencionar a expressão “em qualquer situação”, uma vez que, com isso, não dificultaria a atuação do julgador na análise de cada caso a ser aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

 
3.      OBJETO DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA   

Preliminarmente, antes de analisarmos o objeto da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada é importante tecermos comentários acerca do conceito de empresário explicitado no artigo 966 do Código Civil.

Considera-se empresário aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços, tal como prescreve o artigo 966 do Código Civil.

No entanto, não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que seja com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa, conforme explicita o parágrafo único do artigo 966 do Código Civil.

O empresário individual se caracteriza por ser um profissional que exerce, portanto, sua atividade econômica de forma habitual e organizada. Entende-se como atividade econômica não somente aquela que produz ou faz circular bens, produtos ou serviços, mas também que visa o lucro.

Entretanto, não podemos esquecer que o profissional liberal não pode ser considerado empresário, pois se encontra vinculado aos respectivos códigos de ética.

Nesse passo, levando-se em conta que a própria terminologia trazida pela Lei nº 12.441/11 (BRASIL, 2011) explicita que se trata de empresa individual de responsabilidade limitada, o melhor entendimento se pauta no fato de que o objeto da EIRELI corresponderá ao exercício de atos típicos de empresário, nos moldes do artigo 966, do Código Civil.

Desta maneira, por uma questão de peculiaridade em relação à atividade exercida, o registro do ato constitutivo há que ser realizado na Junta Comercial da respectiva sede, nos moldes do artigo 967 do Código Civil. É importante salientar que, visando padronizar os procedimentos de registro da EIRELI, o DNRC aprovou o Manual de Atos de Registro da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, através da Instrução Normativa nº 117/2011.

Na verdade, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada é direcionada para aqueles que desejam agir individualmente e querem ter seu patrimônio pessoal resguardado, pois somente o patrimônio da pessoa jurídica responde pelas dívidas decorrentes da atividade, blindando os bens e direitos pessoais do sócio.

Percebe-se, que a EIRELI possui como principal objetivo a regularização de uma situação que há muitos anos se pretende ver resolvida e que incomodava principalmente os pequenos empreendedores. Essa modalidade não se confunde com o empresário individual, nem com a sociedade empresária, logo, a atividade exercida por esta é de cunho empresarial.

A EIRELI trouxe grandes avanços no Direito Civil e Empresarial, tendo em vista que estimulou a criação de novas empresas. Assim, a possibilidade de o empresário dar início a seu tão desejável negócio trará muitos benefícios ao empreendedor, que será estimulado pela simplificação no processo de abertura da empresa.

Neste sentido, esse novo modelo empresarial permite que o empresário proteja seu patrimônio, do mesmo modo como ocorrem com as empresas de responsabilidade limitada tradicionais.

Ressalta-se, quanto ao objeto do presente instituto que, a EIRELI é constituída somente por uma pessoa, e por esse motivo não pode ser considerada uma sociedade, sendo tratada pelo Código Civil como uma nova espécie de pessoa jurídica, entretanto, por ser uma pessoa jurídica, a EIRELI distingue-se do empresário individual.

Portanto, a EIRELI é uma excelente solução para a desburocratização dos processos empresariais, auxiliando na formalização dos negócios dos pequenos empreendedores e diferenciando-os da velha figura do empresário individual, principalmente no que tange à limitação de sua responsabilidade, o que causa alívio e segurança, independentemente da experiência do empresário e do sucesso de seu negócio.

 
4        NATUREZA JURÍDICA

Quanto a natureza jurídica da EIRELI, não há um consenso na Doutrina Cível e Empresarial acerca da natureza jurídica do presente instituto.

O artigo 2º da Lei nº 12.441/11 (BRASIL, 2011) determina a sua inclusão no rol de pessoas jurídicas de direito privado previsto no artigo 44 do Código Civil, o que a doutrina civilista não contesta, tendo em conta que o mencionado artigo apresenta um rol aberto de espécies de pessoas jurídicas.

Ao instituir a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, tal instituto passou a ter status de pessoa jurídica, com capacidade de direitos e obrigações distintos da pessoa que o compõe. Desta forma, a EIRELI, devidamente constituída e registrada na Junta Comercial, vai exercer a atividade empresarial e se responsabilizar pelo risco da atividade. O membro da pessoa jurídica não exerce, assim, a atividade, mas, sobretudo, a pessoa jurídica.

Em suma, o membro da nova pessoa jurídica criada pela Lei n. 12.441/2011 não possui natureza jurídica de sócio, muito menos de empresário. Assumindo, no ordenamento jurídico brasileiro natureza jurídica sui generis.

Neste sentido, Maria Tereza de Queiroz Piacentini (2012) aduz que a expressão latina "quer dizer ‘de seu próprio gênero’, ou seja, significa que algo (fato, situação, caso) é único no gênero, é original, peculiar, singular, excepcional, sem semelhança com outro”.

A natureza jurídica deste novo ente está claramente descrita no enunciado nº 3 do Conselho da Justiça Federal que estabelece: “A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária.”.

Sendo assim, o membro da Empresa é uma figura nova e original no ordenamento jurídico pátrio, não se encaixando no conceito de sócio nem no conceito de empresário e tratado pela legislação apenas como pessoa natural.

Desta forma, o Brasil através de sua legislação, promoveu a possibilidade de existência de uma pessoa jurídica com limitação de responsabilidade para seu criador.

Analisando o conteúdo da Lei n.º 12.441/11 (BRASIL, 2011) percebe-se que a presente lei teve por objetivo proceder a modificações, tanto na parte geral quanto na parte especial do Código Civil. Deve-se analisar que o art. 2º da Lei n.º 12.441/11 (BRASIL, 2011) fez inserir o inciso VI no art. 44 do referido Código Civil, portanto, tratando-se inequivocamente de nova pessoa jurídica de direito privado.

 
5        CARACTERÍSTICAS DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA

As características da empresa individual de responsabilidade limitada estão dispostas no novo artigo 980-A do Código Civil, incluído no Capítulo II de Capacidade do Título I do Empresário que inicia o livro de Direito de Empresa da codificação civil.

A EIRELI tem como titular uma única pessoa, a qual deverá integralizar todo o capital social, com dinheiro, bens ou créditos (duplicata ou nota promissória a vencer, por exemplo). Surge a primeira indagação se o termo “pessoa” se refere somente à pessoa física ou se permitirá também à pessoa jurídica.

Ademais, o caput do art.980-A faz referência tão somente a constituição por “pessoa”, mas o §2º do mesmo artigo esclarece que “a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”. Portanto, não resta dúvida de que o termo “pessoa” refere-se somente à pessoa física.

Consoante Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2012, Pág. 271) uma das vantagens introduzidas pela EIRELI é que, “diferentemente do empresário individual, cuja responsabilidade pelas dívidas contraídas recai no seu próprio patrimônio pessoal (pessoal física), no caso da EIRELI, a sua responsabilidade é limitada ao capital constituído e integralizado”.

Desta forma, há a permissão que seu titular explore ou exerça atividade econômica sem colocar em risco seus bens pessoais nem requerer a existência de um segundo sócio. Logo, temos uma separação de responsabilidade entre pessoa jurídica e seu formador, já que a EIRELI possui apenas um titular, não sendo necessário dispor de percentual ínfimo de quotas a um segundo sócio somente para cumprir requisito formal da lei.

O capital da empresa individual deverá ser antecipadamente integralizado para sua constituição na Junta Comercial, determinando a nova legislação que o capital social não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país, atualmente correspondente a R$ 67.800,00 (sessenta e sete mil e oitocentos reais).

O capital social da empresa não precisa ser dividido em quotas, mas há a exigência de 100 salários mínimos de capital para a EIRELI, até mesmo porque tal montante de capital integralizado objetiva introduzir um capital (parâmetro) mínimo apto a caracterizar que a pessoa jurídica reúna elementos suficientes que possa caracterizar uma empresa, tais como escritório, equipamentos.

Segundo dicção do art. 980-A, §3º, do Código Civil, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada poderá ser resultante de transformação de pessoa jurídica anterior, empresário individual anterior ou mesmo de concentração de quotas de outra modalidade societária em um único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração. O objetivo é estimular a organização e reestruturação de empresários individuais informais. Visa também ao afastamento de sociedades limitadas simuladas constituídas com sócios que emprestam seu nome para a pluralidade de titulares; e ainda busca impedir a imediata extinção da sociedade que incorra em unipessoal idade de sócios.

Neste sentido, verifica-se que o administrador da EIRELI poderá colocar outra pessoa que não o titular para administrar a empresa criada sob essa forma, nomeando, por exemplo, um terceiro ou até mais de um para administrar a empresa. Entretanto, uma pessoa jurídica não poderá figurar como administrador da EIRELI.

Aliás, a Instrução Normativa 117 do DNRC elenca uma série de impedimentos quanto as pessoas que não poderão ocupar cargo de administrador da EIRELI, tais como militares, magistrados, membros do Ministério Público, incapazes, dentre outros.

O art.1.033 do Código Civil prevê no inciso IV a dissolução das sociedades pela falta de pluralidade de sócios, quando esta não for reconstituída no prazo de 180 (cento e oitenta) dias. Assim, a Lei nº 12.441/11 (BRASIL, 2011) determinou nova redação ao parágrafo único daquele artigo, permitindo a transformação da sociedade para empresário individual ou empresa individual de responsabilidade limitada.

Todavia, cumpre observar a vigente Instrução Normativa nº112 de 12 de abril de 2010 do DNRC. Referida instrução veda expressamente a transformação de empresário em sociedade e vice-versa quando se tratar de sociedades anônimas, sociedades simples e cooperativas.

Contudo, ao tempo que não haveria impedimento à transformação de sociedades simples em EIRELI, desde que alterado o objeto de atividade social, haveria reservas também à possibilidade de transformação das sociedades cooperativas em empresa individual de responsabilidade individual.

Determina ainda a nova lei que o nome empresarial da EIRELI poderá figurar como firma, conforme o nome do empresário individual, ou denominação, permitindo-se a utilização de termo que infira na atividade a ser realizada, desde que ambos sejam acompanhados pela expressão “EIRELI”.

Desta maneira, quanto ao nome da Sociedade constituída como EIRELI sempre deverá ter ao final do nome desta empresa a expressão EIRELI sob pena do titular desta responder solidariamente pelas obrigações contraídas pela empresa.

Por derradeiro, nos termos do §6º do art.980-A, aplicar-se-ão à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couberem, as mesmas regras previstas às sociedades limitadas.

 
6        DA PROTEÇÃO PATRIMONIAL DA EIRELI

Com a instituição da Lei 12.441/11 que consagrou a criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, permitiu-se que uma única pessoa natural, sem precisar formar sociedade com ninguém, pudesse constituir uma pessoa jurídica com responsabilidade limitada ao capital integralizado.

Neste sentido, a intenção do legislador foi estabelecer um modelo no qual o empreendedor individual não ficaria sujeito ou exposto aos meandros da responsabilidade direta, havendo, portanto, uma blindagem patrimonial, consoante o Código Civil, art. 1024 (BRASIL, 2002).

A EIRELI pode ser caracterizada como uma sociedade unipessoal constituída por um único titular que detém todo o controle do negócio, além de ser o responsável exclusivo pela integralização do capital e constitui-se como uma sociedade de responsabilidade limitada, na qual o titular não responde pelas obrigações assumidas pela sociedade.

Consequentemente, com o capital devidamente integralizado no ato da constituição, não surge para o titular nenhuma responsabilidade pelas obrigações adquiridas pela sociedade, exceto, porém, aquelas expressamente especificadas em lei como créditos do INSS, créditos tributários e a desconsideração da personalidade jurídica.

Neste diapasão, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona elucidam uma das vantagens da EIRELI (2012, p. 213): “Diferentemente do empresário individual, cuja responsabilidade pelas dívidas contraídas recai no seu próprio patrimônio pessoal (pessoa física), no caso da EIRELI, a sua responsabilidade é limitada ao capital constituído e integralizado”.

O principal objetivo do legislador com a edição da EIRELI foi proteger o patrimônio do empresário, haja vista que, com a nova configuração da lei, o empresário, que de forma individual, opta por este instituto terá a sua responsabilidade limitada até o limite do capital integralizado no ato constitutivo da empresa.

Assim, as obrigações contraídas pela empresa individual de responsabilidade limitada são de inteira responsabilidade dela. Até mesmo porque, caso não possuam patrimônio suficiente para liquida-las, torna-se insolvente e se sujeita ao regime falimentar, respondendo por suas dívidas, exclusivamente, o patrimônio que então tiver.

Como já salientando anteriormente, há a possibilidade do dono da EIRELI ter sim seu patrimônio afetado pelos débitos da empresa, tal qual os outros tipos de sociedade que são regidas por regras e critérios específicos, tal qual o critério da desconsideração da personalidade jurídica. Corroborando com tal entendimento, Fábio Konder Comparato (2008, p. 289) expõe que: “A Desconsideração da Personalidade Jurídica é operada como consequência de um desvio de função, ou disfunção, resultando, sem dúvida, as mais das vezes, de abuso ou fraude, mas que nem sempre constitui um ato ilícito”.

Com a criação e formalização de uma empresa individual de responsabilidade limitada, obedecendo aos requisitos legais como o nome do empresário e a inclusão da expressão EIRELI, bem como o capital social mínimo de 100 vezes o maior salário mínimo vigente no país, depois de devidamente registrada e arquivada na junta comercial é obtido o registro no cadastro nacional de pessoa jurídica CNPJ. O patrimônio desta EIRELI não se confundirá com o patrimônio da pessoa física do empresário, ou seja, somente o patrimônio social da empresa responderá pela dívida da empresa em operação.

Conclui-se, diante do exposto acima, que o patrimônio da pessoa física (natural), identificado pelo CPF deixa de se confundir com o patrimônio da EIRELI, para efeito de saldar dívidas e obrigações assumidas decorrentes do negócio.

Assevera-se, que a EIRELI foi constituída para dar segurança tanto ao empreendedor, que saberá se aquele montante é suficiente para o início da atividade e capaz de suportar eventual fracasso no empreendimento, quanto também, aos fornecedores e credores.


7        DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Segundo Silva (2009, p.03), sujeito de direito “é aquele a quem cabe o dever de cumprir ou o poder de exigir, ou ambos”. Todo sujeito de direito é pessoa. Conforme lição de Carvalho Santos (v.1, 1992, p.229): “a palavra pessoa, no sentido jurídico não exprime somente, como em linguagem vulgar, a ideia do ser chamado homem, mas abrange também o ser coletivo, composto de muitos seres singulares”.

Em nosso ordenamento jurídico, as pessoas são divididas em dois tipos: naturais e pessoa jurídica. De forma prática, a figura da Pessoa Física nada mais é do que todo e qualquer indivíduo, homem ou mulher, desde seu nascimento. Para as “pessoas naturais”, como eram chamadas, exercerem alguma atividade econômica a opção é atuarem como autônomos, sócios de alguma empresa ou sociedade simples. Já a Pessoa Jurídica refere-se não somente a um único indivíduo, mas a toda empresa ou entidade com responsabilidade perante a lei, que inclui desde universidades, organizações nacionais e internacionais, associações, e até partidos políticos.

A figura da pessoa jurídica surgiu diante da gradativa formação de agrupamentos de pessoas, que possuíam patrimônio próprio e comum àquelas pessoas naturais que integravam esses agrupamentos.

As relações comerciais floresceram e gradualmente foram sendo praticadas pelos agrupamentos. Além disso, com o aumento dos bens envolvidos nessas relações, o direito passou a conferir personalidade a esses entes abstratos, com a finalidade de possibilitar que os agrupamentos agissem de forma autônoma, dissociados das pessoas que os integravam, conferindo maior segurança e agilidade às relações intersubjetivas.

Hoje, em nosso ordenamento, consagra-se a teoria da formação da personalidade – realidade técnica – que surgiu dos argumentos pertinentes de outras teorias que buscavam explicar a natureza jurídica da pessoa jurídica, como a “teoria da ficção legal”, criada por Savigny.

Conforme Cardoso (2012, p. 83):

Reconhecemos, de fato, para a empresa individual de responsabilidade limitada a aplicação da teoria da realidade técnica, ou seja, será considerada pessoa jurídica a figura capaz de direitos e obrigações que a lei assim reconhecer, independentemente do número de pessoas que possam constituí-la.

A teoria da realidade técnica, portanto, considera a pessoa jurídica como fruto da vontade humana criadora, no sentido de conjugar esforços, e constituir um ente efetivamente participante da sociedade, com atuação autônoma em suas relações jurídicas, inclusive com titularidade e capacidade de direito.

Outrossim, há também a teoria da realidade objetiva que, segundo Diniz (2008, p. 232):

(...) a teoria da realidade objetiva, também chamada de orgânica ou antropomórfica, onde as pessoas jurídicas eram vistas como organismos sociais possuidores de existência e vontade própria (assim como o homem), distinguindo-se de seus integrantes.  Através da teoria da realidade objetiva, a pessoa jurídica é sujeito de direito que possui vontade e interesses próprios diferentes de seus membros.

O direito norte-americano foi o precursor na análise profunda da teoria da desconsideração da personalidade jurídica como forma de afastar, episodicamente, a personalidade jurídica da pessoa jurídica e, assim, atingir o patrimônio pessoal dos sócios desonestos. Tudo isso decorre do princípio da separação patrimonial, por meio do qual a pessoa jurídica tem personalidade própria e agrega patrimônio próprio dos seus membros.

Desta forma, a pessoa jurídica da sociedade passou, em certas circunstâncias, a ser instrumento para perpetração de fraude contra credores, o que veio a ocorrer, fundamentalmente, em função da autonomia de patrimônio verificável a partir da personificação da sociedade que passa a ser titular de um patrimônio distinto, inconfundível com o patrimônio particular de cada sócio que a compõe. Assim, a pessoa jurídica passou a ser manipulável por sócios ou administradores inescrupulosos, com vistas à consumação de fraudes ou abusos de direito, cometidos por meio da personalidade jurídica da sociedade.

Conforme preceitua Diniz (2009, p.538):

Ante sua grande independência e autonomia devido ao fato da exclusão da responsabilidade dos sócios, a pessoa jurídica, às vezes, tem-se desviado de seus princípios e fins, cometendo fraudes e desonestidades, provando reações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais que visam coibir tais abusos, desconsiderando sua personalidade jurídica.

O sócio que se utiliza da pessoa jurídica para praticar ilícitos, usando-a como um verdadeiro escudo, poderá ser responsabilizado com seu patrimônio pessoal pela solvência da obrigação.

Dois são os fatores que caracterizam o abuso da personalidade jurídica e autorizam a sua desconsideração: desvio de finalidade e confusão patrimonial.

Desvio da finalidade ocorre quando o agente pratica ato visando a fim diverso daquele previsto no contrato social e a confusão patrimonial ocorre quando os negócios pessoais dos sócios se confundem com os da sociedade, ou seja, mistura de contas pessoais dos sócios com as contas da pessoa jurídica.

A partir do desvio de finalidade na utilização do instituto da personalidade jurídica, resultando no cometimento de ilegalidades lato sensu por meio do ente moral, estimulou-se o desenvolvimento de teorias que viabilizassem a cobertura dos prejuízos gerados. Surgiu, a partir daí, a construção da disregard doctrine ou disregard of legal entity, também conhecida como teoria do superamento ou teoria da penetração.

Segundo Diniz (2009, p.542):

Pelo Código Civil (art. 50), quando a pessoa jurídica se desviar dos fins que determinaram sua constituição, em razão do fato de os sócios ou administradores a utilizarem para alcançar finalidade diversa do objetivo societário para prejudicar alguém, ou fazer mau uso da finalidade social ou quando houver confusão patrimonial (mistura do patrimônio social com o particular do sócio, causando dano à terceiro) em razão de abuso da personalidade jurídica, o magistrado, a pedido do interessado ou do Ministério Público, está autorizado, com base na prova material do dano, a desconsiderar; episodicamente, a personalidade jurídica, para coibir fraudes e abusos dos sócios que dela se valeram com escudo, sem importar essa medida numa dissolução da pessoa jurídica.

Há também a chamada desconsideração inversa que é como o próprio nome sugere o inverso da situação exposta, ou seja, é o caso de a pessoa jurídica responder com seu patrimônio por dívidas pessoais de seus membros. A jurisprudência nacional, apesar do seu caráter excepcional, já contempla essa possibilidade, especialmente em sede de Direito de Família, quando o sócio casado transfere bens que fariam parte da comunhão matrimonial para a pessoa jurídica objetivando fraudar o regime patrimonial do casamento.

Portanto, ressalta-se que a doutrina da desconsideração pretende o superamento episódico da personalidade jurídica da sociedade, em caso de abuso (fraude ou simplesmente desvio de função), objetivando a satisfação do terceiro lesado junto ao patrimônio dos próprios sócios, que passam a ter responsabilidade pessoal pelo ilícito causado.
 

7.1 TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A doutrina ganhou força em sua evolução no tratamento da questão da desconsideração da personalidade jurídica e traçou duas vertentes da teoria, uma maior e outra menor. A teoria maior, que ingressa no cenário nacional pelas mãos do Professor Rubens Requião, já na década de 60, é aquela em que se exige a presença de um requisito específico (subjetivo ou objetivo) para que se efetive a desconsideração momentânea da personalidade jurídica.

Assim, segundo lição de Coelho (2005, p. 43), subdivide-se em:

I) (teoria maior subjetiva (na qual se exige a demonstração da fraude ou do abuso com a intenção deliberada de prejudicar terceiros ou fraudar a lei); II) teoria maior objetiva (configura-se com a inexistência de suficiente distinção, no plano patrimonial, entre sócios e sociedade, a exemplo da confusão patrimonial ou desorganização societária. Assim, estaria o Juiz autorizado a desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, de modo a responsabilizar os sócios pelas obrigações sociais.).

A teoria menor, por sua vez, não exige qualquer requisito subjetivo ou objetivo, abrangendo toda e qualquer situação em que há comprometimento do patrimônio dos sócios por obrigações da empresa, bastando o mero prejuízo ao credor para que se possa afastar a personalidade da pessoa jurídica.

No que tange a desconsideração da personalidade jurídica e o reconhecimento de grupo econômico com foco na teoria maior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assim decidiu:

“RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. PROCESSO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECONHECIMENTO DE GRUPO ECONÔMICO. REVISÃO DOS FATOS AUTORIZADORES. SÚMULA N° 7/STJ. NULIDADE POR FALTA DE CITAÇÃO AFASTADA. EFETIVO PREJUÍZO PARA A DEFESA NÃO VERIFICADO. OFENSA À COISA JULGADA INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SÚMULA N° 98/STJ.

1. Reconhecido o grupo econômico e verificada confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para responder por dívidas de outra, inclusive em cumprimento de sentença, sem ofensa à coisa julgada. Rever a conclusão no caso dos autos é inviável por incidir a Súmula n° 7/STJ.” (grifo nosso) (STJ, REsp n° 1.253.383 - MT, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, V.U., julg. 12/06/2012).

Indiscutivelmente, a formação de grupo de empresas acaba se justificando mais como um artifício para impedir ou dificultar o cumprimento de suas dívidas, configurando-se, na prática, uma fraude, já que essa formação de grupo econômico tem finalidade ilícita, pois seu objetivo principal é livrar o patrimônio das demais empresas ou sócios ameaçados por dívidas.

Observa-se, pois, que o ordenamento jurídico pátrio abraçou a teoria maior objetiva no art. 50 do Código Civil e a teoria menor no art. 28, §5º, do CDC, na lei dos crimes ambientais (art. 4º) e no direito do trabalho.

 
7.2 Origem da desconsideração da personalidade jurídica no direito comparado

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica surgiu na jurisprudência do Direito Anglo-americano e possui data certa de nascimento em 1909, na decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos, US - Bank of United States v. Deveaux (Acórdão redigido pelo legendário juiz JOHN MARSHALL, presidente da Corte).

O seu surgimento na Inglaterra revelou-se no século XIX por volta do ano de 1897, cuja primeira aplicação que se tem registro foi no caso Salomon vs. Salomon & Cia. Ltda., que um empresário constituiu uma empresa familiar, atendendo aos requisitos legais de sua constituição ficando este com a maioria das ações e designando uma para cada um dos demais sócios. Entretanto a sociedade logo se revelou insolvente com um ativo insuficiente para satisfazer as obrigações por ela contraídas, caso que, nada sobrava para pagar seus credores. Confessando, o liquidante afirmou que a atividade da empresa era, na verdade, do empresário, que usara daquele artifício para limitar sua responsabilidade pessoal.

A teoria saiu da Inglaterra expandindo-se com grande ascensão aos Estados Unidos, onde se desenvolveu e se espalhou aos outros continentes do mundo, chegando inclusive ao Brasil, sendo Rubens Requião, autor de grande importância na aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro.

 
7.3 Origem no direito brasileiro

No ordenamento jurídico pátrio vigora o princípio da autonomia patrimonial entre a sociedade e seus sócios. O extinto Código Civil de 1916 previa em seu artigo 20 que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”. O Código Civil de 2002 trouxe dispositivo equivalente, o art. 1024.

Com relação às sociedades, há previsão legal de tipos societários em que a responsabilidade dos sócios não é limitada (p. ex. sociedade em comum e sociedade em nome coletivo), permitindo o patrimônio pessoal destes responda por dívidas da sociedade. Porém este fato, não tem o condão de afastar a autonomia patrimonial existente entre os sócios e a sociedade.

O Código Comercial de 1850, hoje revogado, dispunha no que diz respeito ao direito da empresa, em seu artigo 350: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívida da sociedade, senão depois de executados todos os bens sociais.”

Por sua vez, o Código de Processo Civil estabelece, em seu artigo 596, que “os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio demandado pelo pagamento da dívida tem direito de exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.” Diante de uma análise dos citados dispositivos, conclui-se que é possível a execução sobre bens particulares dos sócios, por dívidas da sociedade em casos específicos e previstos em lei.

Havia uma forte tendência, em nosso país, de tornar absoluta a autonomia patrimonial e a responsabilidade limitada dos sócios de uma pessoa jurídica. Essa corrente de pensamento tornava a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica bastante difícil. A esse respeito, é valiosa a lição de Requião (2009, p. 71):

Mas todos esses conceitos e preconceitos levaram o pensamento jurídico a conceber, sobretudo em nosso país, a personalidade jurídica como um véu impenetrável. Passou a ser vista, via de regra, como uma categoria de direito absoluto.

Sabemos, porém, que o direito é uma ciência social, sujeita, portanto, a mudanças com o passar do tempo. Com isso, as constantes injustiças e ilegalidades praticadas sob a proteção da lei e a aplicação absoluta do princípio da separação dos bens dos sócios do patrimônio da sociedade acabaram por fazer surgir um movimento de forte reação contra a concepção absoluta da pessoa jurídica.

Diante desse cenário, a teoria da desconsideração foi ganhando espaço e adeptos em nosso ordenamento jurídico e, em 1990, o legislador entendeu por bem positivar a teoria em dispositivo legal, especificamente no artigo 28 da Lei nº 8.078/90 (BRASIL,1990) de 11 de setembro daquele ano, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. O citado dispositivo ganhou a seguinte redação:

O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso do direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração.

Com efeito, o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, apesar de passível de críticas, por não ter, à época, observado com rigor os critérios e requisitos da teoria da desconsideração, deve ter especial consideração pelo fato de que pela primeira vez em nosso ordenamento jurídico, a teoria ganhou previsão legal.

Posteriormente, a Lei nº 8.884/94 (BRASIL, 1994), conhecida como a Lei Antitruste trouxe, em seu artigo 18, a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, como forma de inibir ou desencorajar os abusos de poder econômico, praticados por pessoas jurídicas e repreender as infrações à ordem econômica.

A teoria da desconsideração continuou a ser difundida e foi incorporada em diversos diplomas legais específicos. A Lei nº 9.605/98 (BRASIL 1998), que dispõe sobre crimes e infrações administrativas ambientais, incorporou ao nosso ordenamento um dispositivo prevendo a aplicação da teoria da desconsideração: “Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”.

Finalmente, a Lei nº 10.406/02 (BRASIL, 2002), que instituiu o novo Código Civil, trouxe previsão expressa, em seu artigo 50, da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Esse dispositivo é hoje, essencial na fundamentação de decisões e pedidos de desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade.

Há quem entenda que a teoria da desconsideração também foi positivada em dispositivos de leis específicas dos ramos do direito do trabalho (artigo 2º, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho), direito tributário (artigo 135 do Código Tributário Nacional) e direito societário. Porém, parece melhor razão ter parte da doutrina que entende tratar estes dispositivos como responsabilidade dos sócios e administradores.

 
8.      TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA APLICADA À EIRELI
 
Quando da responsabilidade limitada ao patrimônio da pessoa jurídica, não caberá, em tese, a responsabilização do patrimônio pessoal do titular, tampouco a responsabilidade subsidiária prevista nos artigos 1.023 e 1.024 do Código Civil, aplicável às sociedades simples.

Todavia, convém relembrar, que será possível a responsabilização à pessoa natural titular da EIRELI, dada a sujeição legal às medidas excepcionais de desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do art. 50 do Código Civil, e também pelas demais previsões legais em situações especiais.

A questão central acerca da empresa individual de responsabilidade limitada refere-se à aquisição da personalidade jurídica e, em consequência, à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Maria Helena Diniz (2008, p.304-305) preleciona que:

“A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica visa impedir a fraude contra credores, levantando o véu corporativo, desconsiderando a personalidade jurídica num dado caso concreto, ou seja, declarando a ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, portanto, para outros fins permanecerá incólume. Com isso alcançar-se-ão pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos, pois a personalidade jurídica não pode ser um tabu que entrave a ação do órgão judicante”.

As pessoas jurídicas, em nosso ordenamento jurídico, são consideradas entidades dotadas de existência e personalidade jurídica próprias, distintas das dos seus membros. Predomina a conclusão, com isso, que a pessoa jurídica não se confunde com a figura dos seus sócios, sendo um ente completamente independente e autônomo em relação a estes. A pessoa jurídica responde pessoalmente, com seu patrimônio pelas dívidas que contrai, não sendo possível atingir bens particulares de seus membros para tanto.

Neste sentido, o ilustre Doutrinador Domingos Afonso Kriger Filho (1996, p. 24) aduz que:

“A desconsideração da pessoa jurídica significa tornar ineficaz, para o caso concreto, a personificação societária, atribuindo-se ao sócio ou sociedade condutas que, se não fosse a superação, seriam imputadas à sociedade ou ao sócio respectivamente. Afasta a regra geral não por inexistir determinação legal, mas porque a subsunção do concreto ao abstrato, previsto em lei, resultaria indesejável ou pernicioso aos olhos da sociedade”.

A doutrina nacional tem considerável corrente sustentando a expansão da desconsideração da personalidade jurídica como forma de atingir o patrimônio de sócios ocultos que, por vezes, encontram-se escondidos na empresa controladora. Como exemplo, temos o caso de sócios que resolvem encerrar irregularmente a atividade da pessoa jurídica e, paralelamente, criam outra sociedade cujas atribuições são idênticas, ou ao menos bem assemelhadas às da primeira como forma de fraudar a lei.

As regras postas na legislação para a sociedade limitada aplicam-se supletivamente à EIRELI, de forma que o registro do contrato social na Junta Comercial da respectiva sede lhe confere personalidade jurídica, titularidade negocial, capacidade processual e, em especial, autonomia patrimonial.

Porém, esta autonomia patrimonial constitui-se num fator de risco, que pode dar margem à realização de fraudes e para coibi-las criou-se a teoria da desconsideração da pessoa jurídica.

Alexandre Couto Silva (2009, p. 28) elucida que “nos casos de desvio de finalidade, confusão patrimonial ou condutas fraudulentas, a responsabilidade limitada, arcabouço da EIRELI é afastada, pois o instituto da pessoa jurídica não pode servir de véu para atos ilícitos”.

Fábio Ulhôa Coelho (2005, p.31) tecendo comentários acerca do presente instituto aplicado a EIRELI, alerta que:

[...] é pacífico na doutrina e jurisprudência que a desconsideração da personalidade jurídica não depende de qualquer alteração legislativa para ser aplicada, na medida em que se trata de instrumento de repressão a atos fraudulentos. Quer dizer, deixar de aplicá-la, a pretexto de inexistência de dispositivo legal expresso, significaria o mesmo que amparar a fraude.

Deve-se ressaltar, que, fundamentado na melhor linha doutrinária, a desconsideração é excepcional, não se justificando apenas por insatisfação do crédito. Infere-se que a mera impontualidade do devedor (pessoa jurídica) não é suficiente para propiciar a desconsideração da personalidade jurídica. A impontualidade no adimplemento das obrigações pode dar ensejo a outros consectários (cláusula penal, multa, juros moratórios, correção monetária, sistema de proteção de crédito – Cadin, SPC, Serasa), mas não a utilização da desconsideração da personalidade jurídica.

Neste sentido, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS):

“EMENTA: (...) PEDIDO DO CREDOR PARA DESCONSIDERAR A PERSONALIDADE JURÍDICA DO DEVEDOR. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ILEGALIDADE. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA É MEDIDA EXCEPCIONAL E EXTREMA, SOMENTE APLICÁVEL QUANDO O DEVEDOR TENHA PRATICADO ALGUM ATO ILÍCITO CONFIGURADO POR ABUSO DE DIREITO OU EXCESSO DE PODER, A TEOR DO QUE PRECEITUA O ART. 50, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. Assim, no caso sub judice, a não localização do devedor e a ausência de bens passíveis de penhora, por si só, não se constitui motivo justificável para caracterizar a fraude ou abuso (...)” (Agravo de Instrumento Nº 70051568988, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, julgado em 06/06/2013).

Assuntos: Desconsideração da Personalidade Jurídica, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito processual civil, Direito Tributário, Empresarial, Pessoa Jurídica, Tributo

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