A abusividade da solicitação de avalista para o consorciado contemplado

08/04/2015. Enviado por

O presente artigo versa sobre a manifesta abusividade das Administradoras de Consórcio em exigir de seus consorciados contemplados a figura do avalista no ato da contemplação.

No começo é só alegria: o largo sorriso do vendedor de consórcio apresentando as centenas de vantagens na aquisição do plano, entre elas a ausência de juros, taxa administrativa quase irrelevante e o prazo generoso para pagamento. O problema ocorre justamente no momento que deveria ser o ápice da concretização do sonho: a contemplação!

A grande maioria dos vendedores não apresentam detalhes sobre o momento pós-contemplação, quando muito informam que no momento da liberação do crédito (seja este por sorteio ou lance) o consorciado não poderá apresentar restrições no nome. Acabam sendo omissos em informações relevantes, como a forma de comprovação de renda ou a exigência de avalista para a utilização do dinheiro. E é sobre a (i) legalidade deste instituto que apresento-lhes neste texto.

Para começarmos segue uma definição simples de avalista:

Aval é a declaração cambial através da qual uma pessoa (avalista), se torna responsável pelo pagamento de um título de crédito nas mesmas condições de seu avalizado.”

Em resumo é alguém que garante o pagamento da dívida caso ela não seja paga pelo devedor principal.

Agora vejamos: Seria correto por parte da Administradora de Consórcio realizar somente a liberação do crédito mediante a apresentação de um avalista? Acredito que não!

Apresento um trecho do contrato de uma importante Administradora, que convenciona:

ANÁLISE DE CRÉDITO E GARANTIAS: Com o objetivo de garantir o equilíbrio financeiro do GRUPO, cabe à ADMINISTRADORA, por critérios próprios, a obrigação de fazer a análise de risco de liberação do crédito, exigir garantias e decidir sobre a aprovação do CONSORCIADO quando da utilização do crédito

A ADMINISTRADORA disponibilizará a CARTA DE CRÉDITO somente aos consorciados que não estejam com restrições cadastrais e que apresentem capacidade de pagamento compatível com o crédito contratado

Ao CONSORCIADO que não satisfizer as condições de cadastro e capacidade de pagamento, fica assegurada a contemplação, e, no momento em que reunir as condições exigidas pela ADMINISTRADORA, sua CARTA DE CRÉDITO OBJETO DO PLANO será disponibilizada

O resultado da análise de risco de crédito poderá condicionar a utilização da CARTA DE CRÉDITO OBJETO DO PLANO à apresentação de garantias em valor superior ao SALDO DEVEDOR

Para garantir o pagamento das parcelas vincendas, será exigido do contemplado cópia do comprovante de renda, CPF e RG do cliente bem como alienação fiduciária ou outra garantia real do bem adquirido, ficando a critério da Administradora garantia complementar como aval, fiança ou outra garantia real.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA: Em garantia do pagamento das parcelas vincendas, o CONSORCIADO contemplado dará em alienação fiduciária à XXXXXX CONSÓRCIOS o BEM objeto, ou seja, a propriedade do BEM será da XXXXXX CONSÓRCIOS, ficando o CONSORCIADO com sua posse e direito de uso até a quitação do débito, quando se tornará titular de sua propriedade

O CONSORCIADO poderá perder a posse e o direito de uso do BEM, caso deixe de pagar as parcelas devidas

CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE DO BEM ALIENADO: A ADMINISTRADORA providenciará, por meio judicial ou extrajudicial, a consolidação da propriedade em seu nome e a retomada do bem alienado, caso o CONSORCIADO contemplado se torne inadimplente. Uma vez consolidada a propriedade em nome da XXXXXXXX S/A - Contrato de Adesão V 1.0 Registro Nº XXXXX Página 25 de 26 ADMINISTRADORA, esta fará a venda do mesmo, destinando o valor apurado ao pagamento das parcelas em atraso, das vincendas e demais obrigações, conforme a legislação vigente”

Fica nítida as cláusulas leoninas apresentadas pelas Administradoras de Consórcio, pois vejamos:

  • Aceitam o consumidor no grupo de consórcio e arrecadam a mensalidade sem realizar qualquer prévia analise de sua capacidade financeira;

  • Ao ser contemplado o bem fique em nome da Administradora (alienação fiduciária)

  • Caso não possua a capacidade financeira adequada poderá, além da alienação fiduciária, ser solicitado fiador, avalista ou até mesmo a probição da liberação do crédito!

O contrato também é abusivo por não determinar de maneira categórica o que seria capacidade financeira para a Administradora: Ganhar duas, três, cinco vezes mais que a parcela? Declarar IRPF? Ter bens no nome? Movimentação financeira? Ter bom histórico de adimplência?

O contrato de consórcio é de consumo e o consorciado está protegido pelo  Código de Defesa do Consumidor, que dentre vários artigos cabíveis ao tema, apresento:

Art. 51.São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Diversos julgados já declararam a ilegalidade do aval para liberação do consórcio contemplado, dos quais destaco:

CONTRATO DE CONSÓRCIO TUTELA ANTECIPADA PRÁTICA E CLÁUSULA ABUSIVAS - Recusa da administradora em fornecer a carta de crédito ao consorciado contemplado O contrato, além de ser de adesão, é de consumo. Mostra-se abusiva a cláusula contratual que sujeita o consumidor, ao ser contemplado, à assinatura de contrato de alienação fiduciária, acrescido da exigência de prestação de aval e assinatura -TJ-SP - Agravo de Instrumento AI 20440598820138260000 SP 2044059-88.2013.8.26.0000

(Processo nº 001.05.030713-5/ RN - Jacileide Rodrigues Cruz x Consórcio Nacional Ford)

“[...]Na análise meritória, verifico que a autora pleiteou uma indenização por danos morais, uma vez que fora contemplada, por sorteio, no consórcio ao qual aderiu junto ao Consórcio Nacional FORD Ltda para aquisição de um veículo FORD KA 1.0 e não o recebeu, mesmo estando em dia com as parcelas, sob o argumento de haveria a necessidade de uma garantia suplementar consubstanciada em um avalista, considerando tal garantia suplementar como abusiva […]

No caso, foi imposto pela ré a existência de um avalista para entrega do bem, além da garantia da alienação fiduciária do veículo em favor da Administradora até a quitação do contrato. Essa conduta, ao meu ver, coloca o consumidor, já que estamos tratando de um relação consumerista, em extrema desvantagem, uma vez que já há uma garantia posta a viabilizar o adimplemento, qual seja, a alienação fiduciária do bem. Exigir a ré que a autora também apresente um avalista, pode tornar-se impraticável para a mesma, frustrando seu desejo de possuir um veículo automotor tão esperado há alguns anos, uma vez que além de ser uma conduta excessiva, esse tipo de garantia nem sempre é fácil de se conseguir. Preceitua o art. 51, e inciso iv, do cdc, que "são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa- fé ou a equidade". A imposição a autora/consumidora de mais de uma garantia de pagamento das prestações vincendas do consórcio, infringiu a norma estatuída no dispositivo supra transcrito (art 51, IV, CDC), haja vista a extrema dificuldade imposta a aquisição do bem, colocando-a em extrema desvantagem diante do fornecedor e consequentemente, desestabilizando a relação contratual entre as partes. Principalmente, em se tratando de contrato de adesão, como é o caso dos autos, no qual o consumidor não tem a possibilidade de alterá-lo, só podendo discutir a abusividade de sua cláusulas, mediante a interferência do Judiciário. Portanto, merece ser acolhido o pleito da autora, haja vista que nos autos se evidenciam a existência do dano moral, consubstanciado na expectativa frustrada da autora, diante das parcelas em dia e ter o próprio veículo como garantidor do pagamento das parcelas vincendas do consórcio, não trazendo os réus qualquer argumento modificador do direito perseguido na exordial, no que tange ao pleito indenizatório por danos morais. A angústia, a aflição, o sofrimento íntimo experimentado pela autora, diferentemente da forma colocada pelos réus, ao meu sentir, não atingiu apenas a esfera do aborrecimento, foi muito mais além. De repente, todas as economias da autora foram colocadas em prol da conquista de um sonho, que era a aquisição de um veículo automotor e os réus obstacularam tal conquista, mediante a imposição de medidas abusivas que afrontam o consagrado Código de Defesa do Consumidor[...] -

Como evidencia-se, o consorciado tanto pode como deve lutar pelos seus direitos de não apresentar o avalista no ato de sua contemplação por tal cláusula ser abusiva perante o Código de Defesa do Consumidor.

A contemplação deve ser um momento de alegria na vida do consumidor e a preocupação neste ato deve ser relativo apenas a escolha do bem e não sobre as agruras do pós-contemplação.

Assuntos: Avalista, Consórcio, Consumidor, Direito Civil, Direito do consumidor, Direito processual civil

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